A Estrada Real da vida de um confesso apaixonado pelas paisagens mineiras

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
20/09/2015 às 09:31.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:48
 (Felipe Goifman/Divulgação)

(Felipe Goifman/Divulgação)

Sim, ele saiu de Minas, e, bem, já há algum tempinho. Mas – sim, mais uma vez – as Gerais nunca saíram dele. E é a seu estado natal que Felipe Goifman retorna em seu mais recente projeto, o livro “Estrada Real”. O nome, aliás, já denuncia o norte da empreitada: o dublê de fotógrafo e jornalista levou seu olhar arguto – e imbuído de afetividade – a cidades que compõem a hoje celebrada rota turística. O resultado, submetido agora à apreciação do leitor, revela nuanças que certamente passariam despercebidas numa visita permeada pela pressa, característica tão imbricada aos dias atuais.

Propõe, pois, uma outra viagem, minuciosa e rica, que não deixa escapar nem a exuberância da natureza quanto as intervenções perpetradas pelo ser humano – neste caso, seja por meio das construções arquitetônicas singulares às festas religiosas como a Folia de Reis do Serro – que, no que Goifman concorda, não mereceria menos que a atenção dedicada, nos dias atuais, à Festa do Boi-Bumbá em Parintins, dada a exuberância e o número de pessoas que atrai.

 

MILHO VERDE – A Capela do Rosário,emfoto feita pelo autorem2014, também consta do Caminho dos Diamantes. Foto:  Felipe Goifman/Divulgação

 


Admiração

Goifman nasceu em Belo Horizonte, mas foi cedo para João Monlevade e, aos quatro anos, junto à família, para o Rio de Janeiro, onde está desde então radicado. Lá, seu pai, engenheiro de minas, falecido há poucos anos, se tornou conhecido como “Zé Mineiro”, atestando que a intensidade da relação da família com seu estado natal nunca passou despercebida naquelas plagas.

Diploma de jornalismo em mãos, Goifman passou por uma série de redações – como de praxe – até, como ele mesmo conta, cismar de fazer seu primeiro livro, inspirado em uma namorada curitibana cuja família tinha uma casa na Ilha do Mel.

O insight de se dedicar a projetos pessoais, diz, sempre o acompanhou. “À época, não tinha muita experiência, mas fui no caminho certo: acabei publicando (o livro)”. Na sequência, prosseguiu “freelando” até criar a própria editora, pela qual lança o novo título, agora.

Com as viagens constantes a Minas, foi cooptado pela magia de locais como Milho Verde. “Minha prima falava muito de lá e de fato é um lugar encantador, um dos mais impactantes que já vi na minha vida. A cultura local é muito forte”, ressalta o moço, que, já imerso no trabalho de campo que desembocou na obra, foi “descendo” pelas cidades históricas até chegar ao Rio.

“Sempre seguindo o calendário dos eventos de cunho religioso. Uma vez que o trabalho tinha que ter uma narrativa, um fio condutor, usei as festas religiosas”, conta ele, resvalando entusiasmo na flexão da voz. “Olha, já morei em Paris e viajei por muitos países da Europa, mas posso dizer que nada me deu mais prazer do que fazer essa viagem”, exalta.

 

 

TABULEIRO –Umdos cartões-postais da cidade de Conceição do Mato Dentro inspirou Felipe em sua empreitada. Foto: Felipe Goifman/Divulgação

 


- ‘Posso dizer que é um livro sobre fé, cavalos e montanhas’, diz o mineiro, radicado no Rio

“Estrada Real”, o livro, ganhou uma caprichada edição bilíngue (inglês – português), no que se refere à parte textual, assinada por Ronaldo Ribeiro, editor sênior da revista National Geographic Brasil, junto a Julio Lamas. Além das fotos de Goifman e da parte escrita, há, ainda, o recurso da reprodução de mapas para localizar o leitor, apontando os dois caminhos – o “Caminho Novo” e o “Caminho Velho” – usados para escoar, para Portugal, o metal extraído das minas.

“Sob a influência da economia do ouro, o Caminho Velho e o Caminho Novo exerceram maior importância histórica, pois, ao longo de seus percursos, se fundaram muitas cidades”, diz o texto.

No cômputo geral, Felipe Goifman resume: “Posso dizer que é um livro sobre fé, cavalos e montanhas. Até chegar no mar. Sobre a descoberta do ouro, a interiorização do país, o Brasil Colônia... O texto situa o viajante no espírito da Inconfidência Mineira”, diz Felipe, que, além das cidades já citadas, também passou por Ouro Preto, Diamantina, Tiradentes, Paraty, Congonhas, São João del-Rei, Mariana, Petrópolis...

Cumpre dizer que, nos mais de cem dias de pesquisa em campo, foram dezenas e dezenas de cliques. Peneirar tudo para chegar às fotos publicadas, evidentemente, não foi tarefa simples. “Me norteei pelas que mais me emocionam”, simplifica ele, que, em agosto, voltou a Ouro Preto, onde fez o lançamento da obra, dentro do evento “Fotógrafos em Ouro Preto”.


- ‘Minhas memórias transformaram essas viagens nas melhores lembranças possíveis’

Na infância, Felipe – que, sim, como o sobrenome já dá pistas, é primo do cineasta e videomaker Kiko Goifman, conhecido por trabalhos como “Periscópio” e “Olhe Pra Mim de Novo” – se valeu muitas vezes do saudoso trem Vera Cruz para voltar à sua terra natal. “E assim foi minha vida até a adolescência, um vaivém do rio para Belô, de Belô para o Rio”, rememora, para emendar que suas memórias transformaram essas viagens “nas melhores lembranças possíveis”.

“Sempre que posso, volto para sentir os pés descalços no chão de barro-molhado-frio-da-serra-subir-montanha-cachoeira”, poetiza, na introdução.

TRAJETÓRIA

Nascido em 1966, Felipe Goifman expôs seus trabalhos fotográficos pela primeira vez em 1987, na exposição “Dez Jovens da Fotografia Brasileira”, realizada na Galeria Funarte. Desde então, não parou mais. Suas reportagens e ensaios fotográficos já foram publicados em dezenas de revistas, em mais de 20 países e, como estima ele, “em pelo menos quatro alfabetos”.

Atualmente, além de colaborador habitual da já citada revista National Geographic, tem trabalhos integrando a coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP. É autor dos livros “Ilha do Mel” (aquele mesmo, citado no inicinho da matéria), “Rio de Todas as Cores”, “Maranhão – Um Litoral de Histórias e Encantos” e “Beit – Sinagogas do Rio”. “Estrada Real” tem orelha de Rogério Mendes”, diretor do Instituto Estrada Real.

 

FESTA DO ROSÁRIO, NO SERRO –Um caleidoscópio de cores que atrai centenas todo ano. Foto:  Felipe Goifman/Divulgação

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