A fotógrafa mineira Fabiana Figueiredo capturou momentos culturais históricos

Jéssica Malta
jcouto@hojeemdia.com.br
30/07/2018 às 17:54.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:40
 (Fabiana Figueiredo/Divulgação)

(Fabiana Figueiredo/Divulgação)

Há muito por trás das fotografias em preto e branco de Fabiana Figueiredo. Mineira nascida em Belo Horizonte, ela tem com a fotografia uma relação que vem desde à infância. Mas a atividade virou ofício mesmo quando ela entrou na faculdade, no início dos anos 1980. Em meio a uma efervescente cena de rock no Brasil inteiro (inclusive na capital mineira) Fabiana passou de vocalista da banda Divergência Socialista par a fotógrafa da agitação belo-horizontina. “As bandas precisavam de fotos, então foi assim que comecei”, conta.

Desde jovem, ela reconhecia a importância do momento que vivia. “Eu tinha uma preocupação com o registro do que estava acontecendo na minha geração. Era o final da ditadura, um momento especial. Os anos 80 tiveram uma efervescência de liberdade em outros níveis. O que aconteceu nos anos 60 nos Estados Unidos, aconteceu para a gente em 80”, compara.

Ainda no contexto musical, a mineira tornou-se na época correspondente da revista Bizz. “Era uma publicação muito importante na contracultura. Era uma espécie de ‘Rolling Stone’ brasileira, onde saíam as grandes entrevistas com todas as bandas importantes”, diz. No mesmo período, estreitou laços mais fortes ainda com a cultura quando passou a trabalhar com Arnaldo Baptista, dos Mutantes, fotografando o mítico músico quase que de forma exclusiva.

Embora seu nome não seja amplamente divulgado – a fotógrafa ainda opta por não ter um site pessoal – seu acervo é reconhecido. Tanto que quando a banda Titãs lançou uma edição comemorativa dos 30 anos do disco “Cabeça de Dinossauro”, os registros de Fabiana estavam lá. “Tenho orgulho de ter participado um pouco dessa cena. Tenho um acervo enorme e é uma sensação gostosa ter participado de alguma coisa. Não tem a ver com essa história de ego, porque nunca eu nunca fiz dinheiro com isso, eu fiz historia”, diz.

Trajetória

Foi justamente por ter o sustento garantido com os registros musicais que a carreira de Fabiana ganhou outro rumo ela foi para São Paulo, onde trabalhou com Nair Benedicto. “Ela é uma das fotógrafas mais importantes do Brasil e sempre fotografou os movimentos das minorias. Tive uma formação de fotojornalismo e documentação com ela nesse período”, reconhece.

Desse aprendizado, a mineira acabou sendo escalada para fotografar a elite paulistana, trabalhando para a coluna do jornalista Amaury Jr. no Diário Popular. “Coluna social era uma coisa que eu tinha absolutamente pavor, mas eu precisava me sustentar e meus amigos falavam que seria uma experiência boa, porque eu poderia arrumar contatos”, recorda. Apesar da rejeição inicial, foi dessa experiência ela construiu uma de suas principais obras: a série “La Nuit”. “Foi um trabalho que me marcou pessoalmente, que me estabeleceu como autora e profissional”, diz.

A obra, que faz um mergulho na noite paulistana, faz parte do acervo do MASP e também do Museu de Thessaloniki, na Grécia. “Tem um pouco de tudo. Os ricos ficaram um pouco chocados, mas depois entenderam que eu estava falando de uma cidade, mas também de classes sociais que podem existir em qualquer lugar”, explica.Fabiana Figueiredo/Divulgação

LA NUIT – Registro de um dos principais projetos da fotografa, que mergulhou na noite paulista, da elite ao underground

Da noite paulista para a Europa e o mundo

Registrada em São Paulo, a série “La Nuit” mudou não apenas os rumos da carreira de Fabiana, mas também sua vida. A partir do trabalho, a fotógrafa reuniu-se com outros nomes da fotografia brasileira na criação do Núcleo dos Amigos da Fotografia, o NAFOTO (leia sobre o projeto no box abaixo). “Foi com essa história do Nafoto que eu conheci o meu marido, e foi por isso que fui embora do Brasil. Como ele tinha um emprego importante e eu era freelancer, acabei me mudando para França”, explica ela, que é casada com o fotógrafo francês Pierre Devin, fundador do Centre Régionale de la Photographie Nord pas-de-Calais, no norte da França.

É também ao “La Nuit” que a fotógrafa atribui as portas abertas para aquele que considera o trabalho mais importante de sua vida: o livro “Migrances”, parte da “Mission Photographique Transmanche”– projeto que registrou, na visão de vários fotógrafos, o norte europeu durante a construção do Eurotúnel, que liga o Reino Unido ao norte da França.Fabiana Figueiredo/Divulgação

OBRA – Imagem do livro “Migrances”, registro feito pela mineira em 2003 na região de Pas-de-Calais, no norte da França

Tocada pela questão da imigração, Fabiana, que tinha acabado de voltar de um trabalho na Palestina, levou a temática para seu trabalho em “Migrance”. “Esse foi sempre um tema que me tocou, desde criança coleciono fotos de família, meus avós são italianos. Então isso vem da minha infância, de querer entender por quê as pessoas vão embora”, explica.

Para ela, a obra é um livro simbólico e atual, embora ela considere as cenas registradas na região de Pas-de-Calais, leves em comparação com o cenário imigratório na Europa atual. “A reflexão ainda está no livro. As imagens são singelas, mas ainda é um tema muito atual”, ressalta.

 Retorno ao Brasil

Depois do livro, a fotógrafa dedicou-se à maternidade, e mudou-se do norte francês. A mudança de ares inspirou novos rumos da carreira de Fabiana e também do marido. Ambos criaram a “Mission Lance Ventoux”, parte do projeto fotógrafo “Territoire Sensible”, que eles fundaram e dirigem. “Na missão, convidamos fotógrafos, pintores e profissionais de outras áreas das artes visuais para discutir o território para além do cartão postal”, explica ela, referindo-se ao Monte Ventoux, ponto turístico da região onde vive atualmente.

Mas a empreitada ultrapassa o território francês e ganha um braço brasileiro com os projetos “Auguste de Saint-Hilaire” e “Richard Burton” – nomes batizados a partir de importantes pessoas que viajaram pelo Brasil e que intenta usar a fotografia para registrar o caminho percorrido por eles em suas missões. “Queremos trazer fotógrafos estrangeiros, para divulgar lá fora e também brasileiros. Nosso jogo é o intercâmbio, é fazer a coisa circular”, elucida. “Vamos começar um trabalho na região do São Francisco, junto da Nair Benedicto e do Celso Brandão”, adianta.Fabiana Figueiredo

IMIGRAÇÃO – Questão sempre recorrente para a mineira, a temática é refletida também em suas fotografias

Além disso

O Núcleo de Amigos da Fotografia (NAFOTO) foi criado em 1991 e se manteve na ativa por mais de 20 anos. “Ele estabeleceu a fotografia como um objeto autoral de arte. Antes dele, não existiam galerias que exibiam trabalhos fotográficos”, lembra Fabiana. Promovendo o Mês da Fotografia Internacional de São Paulo, que acontecia a cada dois anos, o projeto tinha como objetivo difundir a fotografia no Brasil e a fotografia brasileira para o mundo. “Trazíamos curadores internacionais e isso fez com que a gente entrasse um pouco no mundo”, pontua.

Veja outras fotografias de Fabiana Figueiredo:

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