A Nudez em nome da arte... e da liberdade de pensamento

Elemara Duarte - Hoje em Dia
14/12/2014 às 09:39.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:22
 (Além – Coletivo de Arte Político-Poética/ Divulgação)

(Além – Coletivo de Arte Político-Poética/ Divulgação)

Em nome da literatura, da fotografia, do protesto, da libertação. Ficar nu também serve a essas causas. Iniciativas individuais e coletivas estão em alta. “Peladões” solitários andam correndo por aí, em vias asfaltadas de várias cidades – alguns por uma causa. Há grupos também que se valem da nudez mas para fins artísticos. Vamos admitir: ambos os casos levam a uma reflexão.   Em Belo Horizonte, o grupo teatral Leitura Nua está nesta lista de instigadores. Aliás, no próximo dia 20, às 20h30, eles voltam a mostrar a que vieram no Mercado Novo (av. Olegário Maciel, 742, Centro). A apresentação tem uma encenação dramática e, na sequência, os microfones são abertos para o sarau. Vale frisar: ninguém tem a obrigação de se despir, mas, sim, é permitido. Algumas pessoas tiram só algumas peças da roupa. Sem problemas. Outras não tiram nada. E que fique claro: não há deboche ou intimidação em relação a isso. Mas quem encara a proposta integralmente diante do público (sem câmeras), ganha uma taça de vinho.   Uma das integrantes do Leitura Nua, Roberta Queiroz diz que o grupo (formado por cinco amigos) começou a atuar no início de 2014. “Como seria a relação da pessoa com o livro estando nu?”, lembra ela, sobre a pergunta que os estimulou a criar o projeto. As datas dos “atos literários performáticos” são postadas no perfil do Leitura Nua no Facebook.   Quebrando traumas   “É muito natural, para gente. Mas disso saem milhares de interpretações”, admite ela. A quebra de bloqueios com o próprio corpo é a principal conclusão.    Os participantes dizem: “Me despir em público mudou o jeito de me vestir”, “Eu morria de vergonha de ser mais gordinha ou muito magro, de ter mais pelos”. Tirar a roupa, eis aí o novo poder. “Por que a nudez é tão vergonhosa? Inclusive é lei: se você sair na rua pelado, é preso por atentado ao pudor. Acho que a liberdade é o que mais agride”, comenta Roberta Queiroz.   Ela prossegue: “Um corpo tem liberdade para se vestir do jeito que quer. Um corpo não é apenas órgão sexual. É perna, cabeça, pescoço”.   A descoberta parece reconhecer o que é mais óbvio. “A gente não está preparado para a nudez. E é a coisa mais natural que existe”, argumenta.     Nus na arte e na história   As figuras que mostram o nu acompanham a arte figurativa desde os egípcios e gregos com esculturas em pedra 400 antes de Cristo. Ausente na Idade Média, a inspiração na nudez volta no Renascimento. O nu sempre foi tema para estudo das artes entre os séculos 16 e 18, e mesmo na contemporaneidade.    No Brasil, entre os artistas brasileiros de destaque nesta temática estão os escultores, como o italiano radicado no Brasil, Victor Brecheret (1894-1955), e o belo-horizontino Alfredo Ceschiatti (1918-1989).     À procura de uma visão do corpo para ‘além’ do sexo   Que fique claro: a proposta dos grupos que usam a nudez para manifestar não tem viés erótico. “É uma resignificação do corpo”, explica Roberta Queiroz, do Leitura Nua, de BH. “Quando propomos um evento, falamos de uma forma ‘dessexualizada’ pois a ideia do mundo é sexualizar demais”, endossa o mineiro, de Formiga, Mateus Lima, do “Além – Coletivo de Arte Político-Poética”, que atua em São Paulo.   Lima explica que exige-se, especialmente da mulher, que ela se encaixe em padrões e consuma serviços e produtos para tentar se aproximar deles. Segundo ele, é como se a mulher fosse um objeto, que tem que se preparar exclusivamente para o sexo.   Entre as propostas do coletivo que divide com a fotógrafa catarinense Núbia Abe, Mateus propõe a experimentação da “vivência da nudez coletiva”. Para isso, a dupla promove os encontros “Nus Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos”, tudo registrado em delicadas imagens, exibidas no alem.art.br.    “A estratégia é produzir um trabalho que seja agradável ao olhar. Assim, conseguimos que o público entre em contato com um assunto que ele quer evitar”, acredita Lima.   A ideia de ver-se nu junto, em coletividade, tem ganhado força pelo país. “As pessoas estão nos convidando para fazer o encontro em várias capitais”, indica. A proposta começou com outro ensaio do coletivo, o “Pelos Pelos”, no qual o Além reflete sobre a naturalidade dos pelos nos corpos. Para o coletivo, é necessário pensar: “Por que os pelos são geradores de tanto asco e por que nos mutilamos frequentemente para nos livrarmos deles?”    Roberta Queiroz, no seu Leitura Nua, também dá “cutucadas” nesta convenção das aparências. “Vou ao sarau do jeito que quero. Não me depilo e me sinto bem com isso. Depilação nunca foi escolha. Muitas meninas se depilam porque menina ‘tem’ que se depilar”.    No sarau, Roberta diz que depila apenas uma perna. “Isso é ser o que você quer e, ao mesmo tempo, tomar a frente das suas escolhas”, justifica.

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