A 'revanche' do analógico: produtos ressurgem no mercado para parcela de nostálgicos

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
08/07/2018 às 06:00.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:16
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Você se lembra daquele dia em que os jogou fora, tachando-os de velharia e trocando-os por uma novíssima geração? Pois é. Agora eles estão de volta e ainda ganharam alguns zeros à frente do valor de venda, virando produtos cult, caros e defendidos pelos consumidores nostálgicos.

Videogames, máquinas fotográficas com filme, jogos de tabuleiro, vinis, disquetes e, quem diria, até mesmo as fitas K7, que costumavam embolar no aparelho 3 em 1. Todos eles renasceram das cinzas para agitar um mercado onde ainda impera o digital, responsável por uma rápida transformação em nossos costumes.

“O povo se cansou de baixar música”, crava Edu Pampani, que está à frente da Discoteca Pública, no bairro Santa Tereza, região Leste de BH, onde estão mais de 17 mil vinis de MPB disponíveis ao público para audição. “Na verdade, um álbum nunca vai acabar, porque virou objeto de desejo do próprio artista, dá um certo status para ele”, salienta.

E como o artista tem que se virar sozinho atualmente, sem poder contar com uma gravadora para direcionar a carreira, “pode fazer o que quiser, até lançar disco de 10 polegadas ou compacto”. Nos shows, destaca Pampani, o público compra esses produtos, mesmo os analógicos, porque é uma recordação do artista preferido.

“As bandas precisam ter uma coisa física para vender aos fãs depois dos shows, armando uma banquinha para fazer seu merchan. Às vezes, o público do show pode até ser pequeno, mas ele se paga com o material vendido. Hoje, mais do que nunca, é preciso ter esse contato direto com o fã”, analisa o colecionador.

Nicho

Pampani observa que essa “fervida” dos LPs tem a ver também com uma contínua queda nas vendas de CDs. “Para não ter um tombo maior, as fábricas viram que tinha um nicho ainda de vinis. Mas, evidentemente, não vão chegar ao mercado com tanta força, embora venham fazendo uma ocupação legal, num movimento que começou em 2007, lá fora”.

Ele assinala que este revival do vinil pode muito bem se repetir com o CD mais tarde. “Já vi alguns CDs custando R$ 1 mil, R$ 2 mil. Depois de 10, 15 anos, se ninguém mais tem aquele CD na mão, você pode dar o preço que quiser. A pessoa pode nem ter onde tocá-lo, mas quer ter porque é fã”, afirma Pampani.

Para ele, um disco é como documento, ainda que, na época do lançamento não tenha sido reverenciado. “Determinado cantor grava um único disco e some após ninguém dar bola. De repente, o LP aparece na sua mão, sorrindo. Aí vem um filho que fala que ele mesmo não tem o disco do pai e pede para gravar para ele”.Riva Moreira

Grupo Mofo

Clique Revelado

No tempo da fotografia analógica, o fotógrafo precisava comprar um rolo de filme (de 12, 24 ou 36 poses), fazia seus registros e, só depois de elas passarem por processos químicos de revelação e ampliação, ele teria o resultado dos cliques. Um percurso que poderia levar alguns dias, na contramão do que o digital oferece hoje: instantaneidade e possibilidade de correção. Integrante de um coletivo de oito fotógrafos mineiros, denominado Mofo, Bernardo Silva diz que resgatar o analógico é uma proposta de risco que rompe com a segurança proporcionada pelo digital. E também uma forma de mudar a expectativa das pessoas, acostumadas a revisar a foto assim que é tirada e postá-la em diferentes redes sociais.

Fotógrafo de casamentos, ele revela que muitos colegas o tacharam de louco. “Nunca tive problema porque eu mesmo cuido de todas as etapas”, salienta. Para ele, um foco de interesse é possibilitar a ressignificação do tempo. Como hoje tudo tem sido rápido, os recém-casados já recebem as fotos no dia seguinte à cerimônia. “Acaba virando um registro recente, no lugar de memória”.

Silva observa que o analógico tem uma textura que o digital não oferece. “Ele lhe apresenta um material mais orgânico e, esteticamente, traz algo mais nostálgico e, por incrível que pareça, mais carinhoso com a memória. As pessoas associam à infância, ao passado”, comenta. Outro membro do Mofo, Erick Ricco gosta do analógico por conta do que chama de alquimia. “De poder manipular químicos e testar coisas diferentes. O processo, a tentativa e erro, é o que me fascina”, afirma o fotógrafo, que reúne em casa e na produtora de cinema várias câmeras e lentes antigas. Maurício Vieira

Sávio Leite, cineasta

Fitas K7

O cineasta Sávio Leite lembra de ter subido o Pico da Bandeira, o ponto mais alto da região Sudeste, ouvindo a islandesa Björk em seu walkman, na década de 1980. “Todas as músicas marcantes da minha vida eu ouvi em fitas K7”, observa, justificando as quatro caixas de sapatos apinhadas de fitas antigas, há muito tempo guardadas.

Para falar com a reportagem do Hoje em Dia, Leite retirou uma a uma das caixas, relembrando as razões de ter comprado determinada K7 e relacionando com fatos da vida. “Para ser sincero, nunca gostei de música alta. O cassete é uma música só para você. Era como o iPod, o que a gente tinha para escutar naquela época”.

Ele se diverte com os próprios gostos, encontrando uma fita de Pierre Boulez, compositor francês de música erudita, ao lado de Fugazi, banda americana de funk e reggae. Em outra caixa, ele tira K7 lançado pela extinta “General”, revista que abordava música, quadrinhos e cinema e publicada em 1993 e 1994. “Lançavam fitas com os sucessos da época”, assinala. Ouvir as K7s novamente, ele não vai, apesar de ter ainda um walkman em bom estado de conservação.

“Hoje a gente não tem tempo mais para colocar (no aparelho) e escutar. Num determinado momento da vida, as prioridades passam a ser outras. Mas ainda pretendo deixar guardado por um tempo, mais uma década talvez”, avisa. Assim como os vinis, os K7 estão de volta, mas o preço ainda é salgado – uma fita virgem não sai por menos de R$ 100. Para gravar e ouvir músicas, precisará de um aparelho que hoje custa cerca de R$ 600. Nos Estados Unidos, as fitas de maior sucesso estão associadas a filmes e séries que emulam o passado, como “Guardiões da Galáxia” e “Stranger Things”.Arquivo Pessoal

Christian Lemos

Mão no Tabuleiro

Por mais que as crianças se voltem para os eletrônicos, os jogos de tabuleiro nunca saíram de cena. De War a Banco Imobiliário, eles continuam representando uma importante faixa de mercado entre os brinquedos mais consumidos. Enquanto as grandes fabricantes investem em jogos mais tradicionais, empresas especializadas focam na ampliação desta oferta, que pode chegar a mais de 100 títulos, no caso dos jogos de tabuleiro.

Proprietário da Ploft, loja localizada na Savassi, Christian Resende Lemos observa que o novo interesse por jogos antigos tem relação, na verdade, com os pais das crianças. “Quem viveu a infância no final dos anos 70 e começo dos 80 é que está resgatando isso”. Nesse sábado (7), ele promoveu mais uma manhã de jogos “Nerd Fu”, em que disponibilizou para os interessados vários brinquedos para quem quisesse se divertir por algumas horas.

Na maioria das vezes, os frequentadores são pais acompanhados por filhos. “Além do saudosismo, esses brinquedos surgem como uma forma de resgatar o núcleo familiar. Quem brincou naquela época passa para os filhos. Isso não acontece só no Brasil, mas no mundo inteiro”, observa.

Uma das sensações atuais é uma variante do tabuleiro, o “europeu”, produzido principalmente nos países nórdicos e que mescla elementos de RPG. “Esse modelo teve seu boom a partir do início dos anos 2000. Diferentemente dos jogos tradicionais, ele não depende dos dados, não depende da sorte para tomada de decisões. Existem os dados, mas usados para (determinar) as ações, como pular, defender, atacar”, explica.

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