Acervo pessoal de Cecília Meireles pode ser aberto

Elemara Duarte - Hoje em Dia
13/01/2014 às 07:25.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:18
 (Acervo pessoal de Cecília Meireles/ divulgação Solombra - Agência Literária)

(Acervo pessoal de Cecília Meireles/ divulgação Solombra - Agência Literária)

Há quase meio século, em vários quartos de um antigo imóvel no Cosme Velho, no Rio de Janeiro, dorme o acervo de Cecília Meireles (1901-1964). Porém, o despertar deste rico e inédito material pode acontecer neste ano.

“O acervo está intocado. Estamos negociando a organização desse material com uma instituição do Rio de Janeiro”, antecipa o neto de Cecília, o agente literário e responsável pela obra da avó, Alexandre Carlos Teixeira, em entrevista ao Hoje em Dia.

Considerada uma das principais poetas da língua portuguesa, Cecília é a autora do sexagenário “Romanceiro da Inconfidência”, da penumbra dos versos de “Solombra”, ambos com novas edições nas livrarias, e da poesia pueril e sábia de “Ou Isto ou Aquilo”. “Mas pouca gente imagina que ela tenha estudos sobre teatro e educação e, talvez, livros inacabados”, aponta o neto.

“Tem muito material inédito. Esperamos que alguém possa tratar isso com profissionalismo e correção”, demanda ele, hoje, com 61 anos, mas que conviveu com Cecília até a adolescência.

O agente literário diz que nunca teve coragem, nem condições, de mexer no acervo. “Tem muito material. Vasculhar aleatoriamente é um perigo. Não saberíamos correlacionar tudo. É preciso achar alguém que o higienize, para ser digitalizado”, explica, frisando que é “provável” que o acervo de Cecília seja, enfim, estudado a partir deste ano. Em novembro, completam-se 50 anos da morte da escritora.

Enquanto isso, Teixeira diz que está reunindo textos da escritora, com delicadas ilustrações do primeiro marido, o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve as três filhas.

O livro deve se chamar “Diário de Bordo” e traz editoriais que o casal fez para o jornal “A Manhã”, em 1934, durante as três semanas em um trajeto feito de navio, rumo a Portugal. “Nesses textos, ela fala da viagem em si. A primeira parte, do Rio ao Recife e depois, quando cruzou o Atlântico. É uma prosa poética”, adianta.

Há caricaturas do casal e flagras da bela Cecília no navio, ora escrevendo no convés, ora contemplando o mar sem fim. 


A poesia para milhões de crianças

Cecília Meireles foi jornalista, cronista, ensaísta, professora e escritora de livros infanto-juvenis. “Ou Isto ou Aquilo”, seu expoente voltado para “os pequenos” e porta de entrada de muito destes para o mundo da poesia, já vendeu 2 milhões de exemplares, desde a publicação, em 1964, ano em que a escritora faleceu.

Em 1919, ainda na juventude, publicou “Espectros”, primeiro livro de uma sequência de mais de 80 títulos. O volume e a qualidade destes escritos consagrou a carioca como uma das mais importantes escritoras da língua portuguesa.

Em alto mar, uma ‘reportagem’ de Cecília e Fernando

Fazer o tempo passar durante três semanas em alto mar não deve ser nada fácil. Ainda bem que Cecília Meireles tinha impulso literário. E foi nele que ela se agarrou para fazer esta longa viagem no navio “Cuyaba”, até Portugal, ao lado do primeiro marido, Fernando Correia Dias, nos anos 1930.

Assim, como repórter e fotógrafo em uma expedição, Cecília escrevia e o artista plástico, ilustrava. O livro “Diário de Bordo” – cujo título deverá ser o mesmo dos editorais do antigo jornal onde foram publicados – está em produção, e vai reunir essa criação conjunta do casal.

Tédio e brincadeira

Conforme a gramática da época, ela informa: “Pois nesse ambiente inquieto, só de céo e de mar egualmente sombrios, Correia Dias pinta a oleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que ha a bordo, convertendo em cavallete uma destas cadeiras do convez”, relata a escritora, em um dos textos.

Cecília diz que tenta ler, mas que o “rumor das machinas e o chiar das ondas” perturbam a atenção dela. A solução para contornar o tédio a bordo de um navio sem TV por satélite ou telefone foi brincar: “Jogaremos cartas, ou damas, ou qualquer coisa... Em ultimo caso, os quatro cantos ou cabra-cega”, ironiza a escritora.

Nos textos, Cecília também conhece passageiros de vários cantos do mundo e conta a história deles. À noite, depois do jantar, havia música.

“Meto-me na cabine emquanto o jazz diverte a uns e amofina a outros, e fico sentindo, através do somno, a velocidade, com que o navio se transporta para nos offerecer terra antes do nascer do sol”, observa. Fernando, por sua vez, desenha tudo. Eles estão em direção a sua terra, onde tinha trabalho muito conhecido.

Porém, a viagem foi a convite do governo português para Cecília. Lá, ela ministrou palestras e teria sido o foco das atenções, mais até que o português.

Em nome do pai

Relatos em textos biográficos sobre Cecília apontam que ela teria “ofuscado” o brilho do marido, seja pela presença marcante, seja pelo talento. Deprimido, Fernando suicidou-se em 1935, aos 42 anos.

Se é verdade ou não que a vaidade do artista foi abalada, agora, os herdeiros do casal querem fazer jus também ao talento do patriarca. Além do renascido “Diário de Bordo”, o livro “Fernando Correia Dias: Um Poeta do Traço” (Editora Batel) foi lançado no ano passado.

A publicação traz belas gravuras do português, com quem Cecília foi casada durante 12 anos.

Na Índia

A viajante Cecília também fez excursões para outros países. Uma delas aconteceu durante o casamento dela com o engenheiro agrônomo Heitor Grilo, que também foi secretário de Abastecimento no Distrito Federal. Com ele em missão de trabalho, Cecília foi à Índia.

“Ele queria entender como venciam a escassez de alimento”, diz Alexandre Carlos Teixeira. Por três meses viveram no país de Gandhi e fruto disso foi o livro “Poemas Escritos na Índia” (1953).

"Romanceiro" e ‘Solombra’ têm novas edições

A Global Editora reeditou duas importantes obras de Cecília Meireles. “Romanceiro da Inconfidência” (1953) e “Solombra” – último livro de poemas para adultos (1963).

“Solombra” (“sombra”, em português arcaico) trata da memória e da solidão.

Para o imortal da Academia Brasileira de Letras Antônio Carlos Secchin, que fez a apresentação, a obra é “uma espécie de testamento poético” da escritora carioca.

A editora também lançou “Romanceiro da Inconfidência”, a obra romanceia acontecimentos históricos do final da década de 1780 (Com Pedro Artur)

 

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