Amor, gentileza, cordialidade

Patrícia Cassese e Pedro Artur - Hoje em Dia
16/09/2014 às 10:02.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:13
 (AFP e Divulgação)

(AFP e Divulgação)

Roberta Corsi foi contactada pela reportagem por meio do Facebook. Apesar de adepta das redes sociais – é, inclusive, uma das signatárias da página do Facebook (e também site) “Movimento Gentileza Sim” – ela preferiu o contato direto – e, toda gentil, tomou a iniciativa de ligar para a repórter. Gentileza é uma palavra recorrente no dia a dia de Roberta, 43 anos, mineira de São Sebastião do Paraíso, hoje radicada em Valinhos, São Paulo. Para felicidade geral da nação, ela não é a única. Basta dar uma busca na web e restaurar a fé na humanidade: são várias as ações que visam resgatar a cordialidade. Tantas, que é impossível citá-las neste curto espaço.

Roberta conta que cresceu em um ambiente em que dar carona, receber bem, conversar com os vizinhos e mesmo levar bolo a eles eram atitudes cotidianas. Com o tempo, a moça se formou publicitária e teve dois filhos. Recentemente, constatou o quão numerosas eram as queixas em relação à agressividade, à descortesia do ser humano. “Era muita gente reclamando”, confessa Roberta, que não se coadunava com essa visão pessimista. “Pensava: não é possível, conheço tanta gente gentil!”.

Veio, pois, a ideia de criar a página no Facebook, “para unir pessoas que acreditam no poder da gentileza, pessoas do bem”. Em síntese, divulgar ações do bem.

E a iniciativa vem correspondendo às expectativas? “Dentro do tempo que eu dedico (à iniciativa), corresponde sim. Tenho que me dedicar às crianças, faço trabalhos de freelancer, mas descobri que meu forte é relacionamento, gosto de unir pessoas”, diz ela, que, em suas andanças virtuais, anda (muito) interessada em trazer para o Brasil o Congresso Mundial de Gentileza, ápice de um movimento que começou em Tóquio.

“Sou feliz e acredito na gentileza. Claro, ninguém é 100% gentil o tempo todo. Já passei no semáforo vermelho, por exemplo. Mas se você está aberto para a gentileza, as coisas vão aparecendo”. Entre as ações que ela ajudou a divulgar, está, por exemplo, a que preconizava que “a melhor rede wi-fi é o abraço”.


“A coisa funciona assim: quando você começa a participar (de iniciativas que pregam a gentileza), o que muda é que você passa a falar muito sobre o assunto, e acaba querendo fazer mais e mais. Gentileza traz felicidade, o seu dia começa diferente. É como se o bichinho do bem te picasse”, entende ela, que também batalhou por divulgar iniciativas como as de doação de dez centímetros de cabelo para crianças que estão submetidas a tratamento quimioterápico (“essa foi meio viral, principalmente depois que foi para o programa do Luciano Huck”).

No final de 2013, Roberta e seu grupo distribuíram flores pelo bairro onde mora. “Todo mundo reverberou a ação, colocaram flores nas casas, virei a ‘mocinha das florzinhas’”. Não bastasse, em seu condomínio há uma “comissão da gentileza”: cada novo morador é saudado pelos integrantes com bolo caseiro, flores, suco natural... Tudo envolto em um paninho, personalizado.

Iniciativas de gentileza como as flores de papel distribuídas em Valinhos 

 

No caixa, a surpresa: o cafezinho já está devidamente pago

A ideia veio da Europa, mas já encontrou adeptos em BH. Caso do Café Kahlúa, localizado no Centro, que brinda seus frequentadores com café e “gentileza”. Às quartas e sextas-feiras, a casa sedia o “Café do Próximo”, ação iniciada em abril. Funciona assim: o cliente, ao pagar o café no caixa, é informado de que a bebida já foi paga. Em seguida, lhe é sugerido que deixe o café pago para o próximo.

O proprietário do Kahlúa, Ruimar de Oliveira Júnior, conta que a ação começou com 50 cafés/dia – hoje alcança o triplo. “Ficamos surpresos desde o início, pois mais de 100 pessoas deixaram pagos os cafés. Hoje, são mais de 150. Isso gera uma corrente de gentileza”, explica ele, adiantando que inclusive há empresas interessadas em contribuir.
Ruimar diz que a intenção é espalhar a ação a outras cafeterias da cidade. Um dos que ficaram surpresos com a ação, na sexta-feira (12), foi o servidor público Leonardo Machado. Informado que a conta do café já havia sido paga, ele aprovou a iniciativa. “É bem humorada e educada. E todo mundo gosta de ser tratado bem”.


Já o professor André Maia ressalta a importância da cortesia na divulgação da cultura do café. “Como também, claro, para a da gentileza e da solidariedade”. Sentado em uma mesa, o ator Rui Rezende (o eterno Professor Astromar de “Roque Santeiro”) desconhecia o “Café do Próximo”. Mas não hesitou em dizer que estava aberto a aderir à iniciativa, que hoje já encontrou outros veios, como o “Ingresso Amigo”, válido para o cinema.

‘Não precisa ser um ato heroico, apenas um gesto cordial ou simpático’

Praticamente um experimento, bolado por uma pessoa só. Que, na verdade, pediu à reportagem para não ser identificada. “Por enquanto, prefiro me manter anônima. Não sou uma figura pública nem quero ser”, diz o nome por trás de outra iniciativa que preconiza a gentileza, o “Gentilezas Cotidianas”, no Facebook.

“Não sou uma empresa, uma ONG, não tenho interesses ideológicos por trás disso. Apenas me senti saturada de ver a facilidade com que as pessoas reclamam de tudo”, diz nossa personagem secreta, que constatou, um tanto quanto surpresa, o quanto era difícil ver relatos de pequenas gentilezas, “que tenho certeza que ocorrem com muito mais frequência do que os abusos”.

“Recentemente, muitas páginas de denúncias sobre tudo (preços, destratos etc) se tornaram incrivelmente populares, e senti que faltava o outro lado da balança, de saber ver e dar o crédito a quem pensa no próximo. Não precisa ser ato heroico, apenas um gesto cordial ou simpático”, diz X - (vamos chamá-la assim).

X conta que o objetivo inicial de sua investida era tentar transmitir aos poucos, de forma orgânica, “sem insistir demais”, a ideia de que, se olharmos à nossa volta um pouquinho, veremos um grande número de gentilezas. “E, ao relatarmos essas gentilezas, damos mais valor e alegramos o dia de muitas outras pessoas. Criei e registrei o site gentilezascotidianas.org e a página correspondente no Facebook, coletei alguns exemplos e logo comecei a receber mensagens de gentilezas. Houve gente que se entusiasmou muito e deu muita força. Mas depois veio a Copa do Mundo e a energia inicial foi passando. São sempre as mesmas poucas pessoas que mandam relatos”, diz.

Sim, X confessa estar em momento de um certo, digamos assim, desapontamento. “Para cada relato de alguma gentileza simpática, recebo vários (que não aproveito) de gentilezas que a própria pessoa fez ou simplesmente gente que afirma ser gentil. Ou, ainda, relatos publicados na imprensa e em geral referentes a outros países”.

Trabalho de formiguinha

Na verdade, o objetivo da página do Facebook e do site “Gentilezas Cotidianas” é fazer as pessoas enxergarem as gentilezas alheias – e não fazer propaganda dos próprios atos. E, claro, localizar as ações no Brasil, ainda que atitudes tomadas em outras partes do mundo possam, claro, servir de exemplo.

“A verdade é que, no momento, estou desanimada. Todos gostam de ler relatos bonitos, prontinhos, mas observar e relatar parece ser um esforço adicional que poucos estão dispostos a fazer, quando se trata de coisas “comuns”, diz a moça.

O número de acessos, diz X, tem sido constante, mas baixo. “Mas (a iniciativa) continua lá e eu continuo o trabalho de formiguinha. A iniciativa é muito recente e não tem grandes pretensões, mas seria muito bom se mais gente entrasse em contato”, confessa.

Entre os casos relatados, está, por exemplo, o do menino que, em um cruzamento em Porto Alegre, ao se deparar com um pedinte com um cartaz em que clamava por comida, por estar com fome, tirou de sua mochila de estudante um pacote de bolachas recheadas. E ainda se desculpou com o rapaz por ser apenas o que tinha. Ou seja, os tais pequenos gestos.

Caso do já citado “Café do Próximo”, que, diz Ruimar de Oliveira Júnior, proprietário do Café Kahlúa, pretende reverberar ainda mais.

A intenção é espalhar essa gentileza por outras cafeterias da cidade. “A ideia é comprar os cafés em outras cafeterias e oferecer aos clientes”, observa o empresário, que teria se inspirado em uma ação desenvolvida por artistas de Praga.

“Eles tinham pouco dinheiro para pagar o café. Então, um poeta vendeu uma obra e acabou se tornando famoso. E resolveu deixar pago a bebida para os amigos em várias cafeterias da cidade”, relata.
 

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