Antologia revela mineiros que são os mais importantes 'pornógrafos' do país

Elemara Duarte (*)
01/08/2015 às 09:15.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:10
 (Instagram Fábio Chap/ Divulgação)

(Instagram Fábio Chap/ Divulgação)

Nos últimos dez anos, ela encarou o erotismo sem pudor e com um faro científico rigoroso. Agora a professora de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) Eliane Robert Moraes mostra o resultado desta aventura na organização da “Antologia da Poesia Erótica Brasileira” (Ateliê Editorial, 504 págs, R$ 82).

O livro, que será lançado em São Paulo neste mês, mostra a lírica erótica brasileira desde o século 17 até os dias de hoje. E quem está nesta reunião mais que prazerosa? Gregório de Matos, Hilda Hilst, Gonçalves Dias. E mineiros como Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Belmiro Braga e Pedro Nava, dentre outros.

Eliane Robert Moraes – Nome à frente da “Antologia da Poesia Erótica Brasileira”. Foto: Pedro Bonacina e Renata Terepins/divulgação

A antologia viaja pela obra de autores de todo país, mas vale uma parada em Minas Gerais, onde cabe uma revelação da professora: “Minas deu ao país alguns dos mais importantes autores da nossa literatura (neste recorte). Obras como a de Sebastião Nunes e Altino Caixeta de Castro ainda estão à espera de intérpretes à sua altura. E o que falar da erótica de Murilo Mendes? Minas mereceria uma antologia só sua”, diz ao Hoje em Dia.

“Velho safado”

Quem diria? Há um vulcão embaixo da inspiração dos autores mineiros. E um dos exemplos disso é o livro “O Amor Natural” (1992), de Drummond, consagrado ao erotismo, mas que teve edição póstuma.

“Ele não quis publicar em vida, temeroso de parecer um ‘velho safado’. Na minha antologia há um poema retirado deste livro”, diz Eliane. A professora acredita que a lírica erótica drummondiana tem seu tempo forte ao falar do amor malogrado, do que não deu certo, do que prometia e não foi. “Aí ele arrasa”, resume.

Eliane também cita Adélia Prado, que, segundo ela, “parece estar no polo oposto ao de Drummond”. “Seus poemas sensuais exalam uma notável naturalidade, harmonizando a religiosidade e o erotismo sem grandes constrangimentos. Eu diria que temos aí um Eros feliz”. Por essas e outras é que Eliane afirma que a mineira de Divinópolis ocupa um lugar único na poética erótica brasileira.

Transformações

Os quatro séculos de poesia erótica repassados no livro “mostram as transformações na sociedade brasileira, sobretudo no que diz respeito à moral”. “A lírica erótica caminhou em paralelo a tais transformações e foi alvo dos preconceitos que marcaram as moralidades vigentes em cada época”.

De forma geral, a professora diz que a liberdade sexual contemporânea parece contagiar a matéria literária que se torna, ela também, mais livre e diversificada. “Prova disso está na presença maior de poetas do sexo feminino a partir da segunda metade do século 20 e de maior espaço para as expressões poéticas do homoerotismo nas últimas décadas”.

Eles não entraram na densa antologia, mas o que pensam os atores desta nova literatura erótica brasileira?

‘A expressão feminina vive um momento revolucionário’

Naturalmente ligada ao erotismo desde o primeiro livro que publicou, a escritora mineira Malluh Praxedes acredita que sempre existiu uma certa curiosidade para a escrita feminina. Afinal, desde sempre, o homem “ditou” o universo feminino, o que, para a autora, não deixava de ser uma “injustiça’.

“Quem, senão nós mesmas, seriam as autoras de nossas dúvidas, sonhos e afins? Nesse novo instante da literatura, a mulher está expondo, espontaneamente, toda a magia de seu universo”, avisa.

Poesia – Malluh Praxedes: erotismo literário “é natural”. Foto: Otávio Bretas/ Divulgação

O poeta e jornalista mineiro Wir Caetano também percebe estas novas imagens do erotismo pelas vozes “delas”. “Nem se trata de haver uma singularidade de gênero, mas, sim, que a mulher pode por na escrita a marca de seu próprio desejo, em vez de ser falada pelo homem, traduzido pelo querer masculino”. Wir escreve no blog monlover.wordpress.com.

“Mudou tudo na poesia contemporânea”, resume o poeta paulista Fábio Chap, idealizador do perfil “Poesia e Tatuagem”, no Instagram. E ele vai além: “Mudaram as mulheres, os homens e os valores envolvidos. As liberdades que a mulher adquiriu e vem cobrando não têm precedentes. A expressão feminina vive um momento revolucionário. É um momento delicioso”, entusiasma-se.

Com Elegância e beleza

E o que fez com que a mulher passasse a exercitar mais o erotismo, inclusive na literatura? “A internet, o avanço democrático, o reconhecimento dos direitos humanos e femininos”, enumera o poeta e idealizador do projeto “Terças Poéticas”, Wilmar Silva de Andrade. Há cerca de um mês, o autor organizou a antologia “O Amor no Terceiro Milênio” (Editora Anome Livros), com a visão do nobilíssimo sentimento por vários escritores, entre eles, mulheres.

E para uma delas, uma das visões que cabem no amor é um elegantíssimo erotismo. Trata-se da psicóloga aposentada e escritora Cely Vilhena, de 85 anos. Autora de nove livros e membro da Academia Feminina Mineira de Letras, é dela o poema “Meu Corpo” (“Teu corpo é um arco/ uma voluta/ um arabesco/ e o amor opresso”).

“É um erotismo bonito. O bom é admirar o belo. Por que não, se foi Deus que fez tudo isso? Ele nos dotou deste organismo tão volátil. Admiremos o erótico das coisas. O erótico é a beleza”, ensina ela, que é viúva, mãe de cinco filhos e avó de 11 netos.

Menstruação, não!

Malluh Praxedes aproveita estes tempos recém-libertos desde o ingresso dela na literatura, há 35 anos. Ela diz que não encontrou barreira para a literatura dela, que não é apenas feita de versos e erotismo. Porém, leitores e crítica sempre salientaram este gênero em seus escritos.

“A maior dificuldade enfrentada por mim foi no lançamento do livro ‘A Menstruação da Ascensorista’(1993). O título incomodou mais do que o conteúdo. Esse é o meu livro mais polêmico, não só pelo título, mas também pelas abordagens”.

Com 6 mil acessos/dia, blog fala de relacionamentos íntimos

“O que fazemos quando não podemos dar”, “Não risque o fósforo se não quiser pegar fogo”, “Eu quero ouvir você gemer”… Estes são alguns títulos de crônicas e contos do blog “Sem Caô”. E está lá na página: “+18 anos”. O endereço é da jornalista Mariana Vasconcelos, 28 anos, integrante da nova geração de autoras que nasceram na “pós metade do século 20”, e que se utilizam da tal “inspiração erótica”, mesmo que esporadicamente.

Hoje, diz Mariana, já são mais de seis mil acessos diários no endereço. Ela diz que é “super caseira” e que usa o tempo doméstico para se esmerar na qualidade dos textos.

Prosa – Mariana Vasconcelos: sem “água com açúcar”. Foto: Ricardo Bastos/ Hoje em Dia

Há alguns meses, uma importante editora do Rio de Janeiro “descobriu”, a “habilidade” da autora e vai publicar o primeiro romance dela: “Quantas Vidas Cabem em um Amor?” Dramas juvenis, baladas e muito erotismo estão na prosa. E para a turma “de menor”, segue o aviso da autora: “Não será um romance água com açúcar”.

Mas como falar de erotismo sem “descer do salto” e descambar para a vulgaridade? “Usando as palavras certas. Troco uma palavra vulgar por outra mais refinada”. Afinal, tolo é quem acha que erotismo é instrumento para agredir.

Tatuagens de escritor paulista rimam lirismo com erotismo

A poesia erótica de Fábio Chap pode não agredir, mas dói um pouco, sim! E o mais esquisito é que ainda há leitoras e leitores que pagam para sentir esta “dor”.

“Pensa na honra que é quando eu recebo uma nova foto com uma tattoo. Hoje são mais de 50 pessoas tatuadas com meus poemas e, gradualmente, vou atualizando o Instagram com estas imagens”, explica.

A ideia é simples e prova que há muitas mulheres que querem rimar o erotismo com o lirismo. Em vez de a leitora ficar procurando na internet por frases e trechos que se identifique, Chap a entrevista e cria um poema exclusivo. “Eu cobro para fazer essa criação personalizada e depois ela vai ao tatuador de confiança e manda bala”.

Dos livros para a pele

A “troca de mídia” deu um empurrão para a atuação do artista. “Eu sempre soube que, para poesia, a mídia livro é muito difícil de vender. Então eu fiz uma troca. Passei a vender poesia exclusiva diretamente na pele das minhas leitoras”, diz o escritor, que também é autor do livro “Tive Um Sonho Pornô” (2013).

Além do inusitado ofício, Chap cuida de dois grupos com o tema “sexo” no Facebook. Um deles tem cinco mil integrantes e é focado em literatura erótica. “Eu o encaro como um verdadeiro movimento literário erótico, pelo nível de interação”, avalia.

*Colaborou Alex Bessas/Especial para o Hoje em Dia

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