Aos 82 anos (ou 83, como insiste), Ziraldo revela sua receita: “eu não paro”

Elemara Duarte - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
04/05/2015 às 06:37.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:53
 (Bruno Alves/Divulgação)

(Bruno Alves/Divulgação)

POÇOS DE CALDAS – Ziraldo não para de falar. Ainda bem! Fãs, imprensa, amigos, todos gravitam nas ideias que brotam incansavelmente do cartunista mineiro, hoje, radicado no Rio de Janeiro. Todos querem absorver o pensamento do artista de cabelos brancos, no alto dos seus “83 anos incompletos” e calculando 75 de carreira. O patrono do Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços), que terminou no último domingo (3), ainda quer mais. Na arte, na vida pessoal. “Faço parte do time que cria conteúdo. Mas continuo criando para o livro. Quem me edita é que tem que saber como vai publicar”, desafia. E lá está o filho de Caratinga que papeou com cada fã da longa fila sem se preocupar com o tempo. Lá fora, emissoras de TV, de rádio, todos aguardando a presença no ar e ao vivo do “pai do Menino Maluquinho”. Carisma que também seduz, garante ele, com um sorriso malicioso nos lábios, que faz provocar paixões, mesmo na “terceira idade” – termo que ele abomina e ao qual não se filia de modo algum. “E isso me dá uma saúde danada. Mulherengo vive mais!” Acompanhe, a seguir, a entrevista exclusiva que o cartunista concedeu ao Hoje em Dia.

Você está com 82 anos...
É 83! Vou fazer 83, em outubro, mas eu já estou vivendo o octogésimo terceiro ano da minha vida. No primeiro dia depois que fiz 82, comecei a viver o 83. Tem que fazer que nem japonês, que até nos documentos diz o ano que está vivendo. Mas tenho 83 anos, só falta completar. (risos)

Você está na chamada “terceira idade”... A idade te obrigou a abrir mão de quê?
Eu não paro. Este termo é uma invenção. Tem muito sujeito de 60 anos, que pela saúde que tem, não está na terceira idade. E essa coisa cria guetos. Não tem nada mais melancólico que esses clubes de terceira idade. Você tem que viver sua idade com a mesma intensidade que viveu toda a sua vida.

E você ainda consegue viver com a mesma intensidade com a qual viveu a juventude?
Vivi assim a vida toda. Nunca durmo antes das duas da manhã. Se não fico trabalhando, fico assuntando. A minha mulher me acompanha. Não tenho esse negócio de fazer regime, ginástica. Quero é viver intensamente. O velho que bebeu nos bares certos, que amou as mulheres certas e que viveu uma grande história de amor, dessas de alucinar, envelhece muito bem. Exemplo: O que adianta ser o Maluf? Já viu alguma mulher morrer de paixão pelo Maluf?

Então, há mulheres morrendo de paixão por você?
(Risos) …graças a Deus! E isso me dá uma saúde danada. Mulherengo vive mais.

Então sexo na terceira idade – mesmo que não goste deste termo, é realidade para você?
Não tenho nada a ver com a terceira idade. Nem eu nem os amigos com quem convivo. Falamos sobre as mesmas coisas, gostamos das mesmas músicas, lemos os mesmos livros. Mas isso aconteceu com absoluta naturalidade.

Tem medo da morte?
Nenhum. Velho não tem medo da morte. É inexorável. A morte é inútil.

Saudade de alguma coisa?
Das mulheres que amei e que me amaram. E agora perdi meu irmão (Ziralzi Alves Pinto, 1934-2014), um ano mais novo do que eu. Meu mais antigo amigo. Dizia que nós éramos “homoafetivos”, eu e ele (risos). Vivíamos sempre juntos. Era o Dom Quixote e o Sancho Pança. E ele aceitava esta condição. Tinha um orgulho, uma alegria de ser meu irmão... Não posso falar muito que me comovo.

São quantos anos de carreira e o marco inicial?
Tenho 83 anos e 75 anos de carreira. (Risos) Desde quando comecei a prestar atenção na vida que sou este cara que está aqui, que desenha, escreve. Perguntaram para a minha irmã: “Quando é que o Ziraldo começou a ficar famoso?” Ela disse: “Ele sempre foi famoso”. É que minha cidade era muito pequena, todo mundo conhecia os meus gibis, os teatrinhos que fazia. Era um animador cultural.

Caratinga, hoje, é uma “fotografia na parede”, como dizia Drummond sobre Itabira?
Não, não… Já conversei muito sobre isso com Drummond (1902-1987). Ele era muito solitário na infância. O pai dele não tinha tempo para conversar com ele. Eu perguntava para o Carlos: “Como era a sua relação com seu pai?” E ele: “Nunca ouvi a voz de papai”. Na minha geração, o pai só era referido assim: “Você vai ver quando seu pai chegar!” Essa era a ligação dos filhos com os pais. Era o pai exemplar. E meu pai vinha para mim, dava livros, era muito melado. Todo mundo achava que eu ia “ficar viado”. E me chamavam de “viadinho”. (risos) Fui criado em um lar melado de afeto. Meu pai acordava de manhã e ia para nosso quarto passar a mão na nossa cabeça assim… (Faz o gesto de acariciar com uma das mãos) E a gente fingia que estava dormindo. Ele ficava olhando. Penteava o cabelo da gente. Arrumava a gente para sair. “Volta aqui! Dá uma engraxada neste sapato. Tá muito sujo!” E a minha mãe acordava a gente de manhã para ver o dia nascer, brincava de luta com a gente. Era uma coisa muito rara em Caratinga.

E os outros meninos não estranhavam?
Eu fui viajar de trem para Raul Soares com a turma do colégio e tinha que sair às quatro da manhã. Meu pai me acordou, me arrumou e foi me levar à estação. “Papai, não precisa. Ai, meu Deus, papai quer me levar. Não vai pai nenhum na estação”. Meu pai entra no vagão, vê onde ia me sentar, pega a mala, bota lá em cima e os meninos todos parados, olhando. Eu morto de vergonha. Ele se senta e diz: “Muito cuidado, não coloca a cabeça para fora, se comporte direitinho…” E me deu um beijo. Mas o que os meninos me gozaram! E teve uma discussão com as meninas, dizendo que os meninos estavam com inveja. E ficou um debate no trem sobre o beijo que meu pai me deu. Então, era para eu ter “ficado viado” mesmo, sabe? Mas não aproveitei desta condição. (Risos)

Soube resolver a situação..
Não sei. (Risos) Quem sabe se fosse homossexual seria melhor, não? Tem tanto homossexual feliz no mundo…

Hoje, quando digitamos seu nome em lojas de livros on-line, há vários títulos. Como vê o paralelo dos livros de papel com os virtuais?
O mundo está mudando muito. A única coisa que não muda é o pensamento humano. É o que o homem constrói, inventa, é a imaginação. Mas em cada época vão desenvolvendo o que chamam de “plataformas” para transmitir o que está na imaginação do ser humano. E a plataforma mais permanente de todas é o livro. Mas, de repente, a história do desenvolvimento humano tomou um crescimento absurdo. Nos contratos para direitos dos livros, o editor pede para que você ceda os direitos para livro, computador, tablet e para as plataformas que forem criadas.

Que espertos, hein?
Mas só vendo para o que está aí. Para o que for inventado terá de fazer outro contrato. Sempre trabalhei para o livro, nunca pensei em outras formas de divulgação. Mas meus livros já viraram peças de teatro, material para tablet... Eu nem sei! Você tem que entrar neste universo para não ser ultrapassado. Mas continuo criando para o livro.

A polêmica de que o livro de papel vai acabar...
Não vai, a convivência vai continuar. As formas de divulgação de pensamento vão conviver a vida inteira. O livro não pode acabar, é eterno. A palavra gravada é que dura.

Você lida com alguma rede social?
Minha mulher é quem mexe – a produtora Márcia Martins, 18 anos mais jovem que ele. Não sei nem ligar o computador. Só trabalho com o que sei fazer, entendeu? Ela tem Facebook e se diverte lá.

Educação e livros. Poderia comentar a relação?
Tem que preparar a criança na escola para ser um campo fértil no conhecimento. Ela tem que saber quem é. E como sabe? Lendo. A palavra gravada é que te orienta. A palavra falada some no espaço. Quando Gutenberg (1400-1468) inventou a imprensa, a civilização tinha 11 mil anos, ou seja, o estado organizado já era reconhecido. Mas, em 11 mil anos, estavam vivendo igual, comendo igual, andando de charrete. Com a imprensa, em 500 anos, o homem saiu da charrete para a Lua. Por que? Por causa do livro.

Que livro está lendo?
Estou com aquela lista dos 100 livros que tem que ler antes de morrer. Já li uns 30.

E estes clamores pedindo a volta da ditadura?
É uma gente por quem tenho o maior desprezo. Não quero conversar com eles. Não vão conseguir nada, nada! É de uma insensatez, um desrespeito. Uma gente muito má. Onde foi que a ditadura trouxe a felicidade para o ser humano? Na Rússia? Em Cuba? A ditadura não resolve nada.

Talvez falte um pouco de leitura a estas pessoas...
Falta um pouco, não, falta inteira! Estudar é importante, mas ler é muito mais importante que estudar.
 

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