Apesar de maus e perigosos, protagonistas de séries colecionam fãs; 'You', da Netflix, é exemplo

Paulo Henrique Silva (*)
04/02/2019 às 07:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:21
 (Netflix/Divulgação)

(Netflix/Divulgação)

Uma das razões do sucesso da série “You”, disponível há pouco mais de um mês no cardápio da Netflix Brasil, certamente é a forma como é narrado, a partir do ponto de vista de um stalker, que fuça a vida de sua amada para preencher todos os requisitos daquilo que seria “o homem ideal” na concepção dela.

Romântico no início, o livreiro Joe Goldberg (Penn Badgley) vai, ao longo dos dez episódios, revelando-se um psicopata, engrossando as fileiras dos criminosos charmosos que cada vez mais tomam conta do mundo das séries americanas. O primeiro deles apareceu há 20 anos, com “Família Soprano”.

“As pessoas se perguntam: como funciona a cabeça de um assassino? Como é a vida de alguém que desafiou valores morais?”, observa a jornalista Ana Paula Laux, do site Literatura Policial. Para ela, a atração pelo desconhecido é um dos motivos para o êxito das séries protagonizadas por criminosos.

Outra razão está no espelhamento da agressividade do próprio espectador. “Algumas pessoas buscam em filmes e séries uma experiência segura de lidar com isso sem sofrer as sanções da sociedade”, registra Ana, citando “Mindhunter”, “Dexter” e “Bates Motel” como exemplos de boa engenharia narrativa.

No caso de Joe, o que tem chamado a atenção é o perfil sedutor do personagem. “A princípio, ele é uma pessoa pela qual você facilmente se apaixonaria. É inteligente, educado, super gentil. Mas aos poucos mostra o lado manipulador”, registra a dentista Adriana Fróis, fã da série.

Ela assinala que o protagonista toma atitudes violentas para “proteger” a amada, tirando-lhe do caminho o que a estaria, supostamente, prejudicando, como um ex-namorado. “A garota não consegue perceber os traços de psicopatia dele, que acredita que os fins justificam os meios”, analisa.

Realidade

A fã destaca a proximidade da série com o mundo real, citando casos de crimes passionais em que o marido “sufoca” a mulher, achando que está lhe fazendo bem e, ao menor sinal de desagrado, exibe ações agressivas. “Infelizmente, isso tem acontecido com muita facilidade”, acrescenta a psicóloga Ângela Mathylde.

“Trata-se de um comportamento antissocial em que, dentro da ordem da fantasia, o sociopata deixa de ser ele para ser o outro. É uma interpretação do outro. Ele é oco, vazio”, afirma Ângela, alertando para a importância de a companheira buscar ler alguns sinais antes de virar vítima de abuso.

Entre os sinais estão o uso frequente de mentiras, a falta de remorso e empatia e a manipulação. “O sociopata sempre se põe na posição de vítima, não sentindo remorso por ter feito mal a uma pessoa porque ele teria sido prejudicado antes. É também indiferente ao fato de o outro estar abrindo mão da família ou da escola para estar com ele”, aponta.

Outro ingrediente sempre presente é a facilidade como manipula os demais, estudando a fundo os seus alvos. Em “You, Joe Goldberg recorre às redes sociais para obter informações sobre os gostos e o dia a dia de Guinevere Beck (Elizabeth Lail), uma das clientes da livraria onde trabalha.Divulgação

Lucifer


Megalômano

Também é muito importante saber sobre o passado de um possível sociopata. De acordo com a psicóloga, algumas perguntas corriqueiras podem se tornar uma ótima forma para desmascará-lo. “Ele é sempre megalomaníaco. Se tem 1,50 m de altura, vai dizer que tem 2 metros. Sempre vai se achar, desculpe o termo, o ‘foda’”, alerta.

Ângela salienta ainda que o sociopata gosta muito de sexo virtual. “É muito ligado a este tipo de estímulo. E se você aceita entrar neste jogo, acaba virando uma presa, pois ele pode usar isso depois como ameaça”, afirma.

Para ela, a internet acabou sendo um facilitador para os casos de abuso se multiplicarem. “O que acontece hoje é falta de equilíbrio familiar, o que tem levado as pessoas para as redes sociais. Antigamente, o sociopata precisava sair de casa para chegar às vítimas. Agora, ele consegue entrar em várias casas sem se mostrar”.

Muitos destes sinais estão espalhados em “You” em forma de suspense. Baseada no livro homônimo de Caroline Kepnes, a série já foi vista por mais de 40 milhões de espectadores, que aguardam a segunda temporada, confirmada pela Netflix. A autora, por sinal, já lançou a continuação, intitulada “Hidden Bodies”, mas ainda sem versão em português.

Além Disso

Esbelto, charmoso, bon vivant, de sotaque britânico, em ternos caros e com muita classe. A descrição pode em nada parecer com o imaginário que temos sobre o diabo, mas é assim que ele é apresentado na série “Lucifer”, atualmente sob o guarda-chuva da Netflix. É um spin-off da série em quadrinhos “Lúcifer”, escrita por Mike Carey e publicada pela Vertigo, da DC Comics.

Ao fim da terceira temporada, a Fox, detentora da história, anunciou o cancelamento do show. No entanto, depois de maciça campanha dos fãs na internet, a Netflix “salvou” a série, que ganhará, no fim deste primeiro semestre, nova temporada.

Lucifer Morningstar, vivido pelo ator Tom Ellis, é mais um dos personagens maus romantizados na tela. Ele, após se cansar do comando do Inferno, resolve passar uma temporada na Terra. Dono de uma boate em Los Angeles, a Lux – lugar perfeito para o “anjo caído” –, “Luci” presencia um crime e acaba indo trabalhar na polícia como consultor.

Até aí, tudo parece bem estranho, mas não dá a dimensão do que vem pela frente. Morningstar se torna parceiro da detetive Chloe Decker, uma ex-atriz adolescente sempre lembrada pela nudez em filme colegial.

O relacionamento dos dois é a força motriz da série, uma vez que sentimentos humanos vão se apropriando de Lucifer e fazendo com que ele reflita sobre suas decisões. Inclusive, na terapia.

Sem esconder que é o capeta, mas sendo desacreditado por todos, mostra-se não como alguém ruim, mas sim como um responsável por punir quem sai da linha.

(*) Colaborou Flávia IvoEditoria de Arte

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