Mostra inédita de Nuno Ramos tem instalações, pinturas, áudios, vídeo e performance

Thais Oliveira
taoliveira@hojeemdia.com.br
22/04/2016 às 17:29.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:04
 (Daniel Mansur/Divulgação)

(Daniel Mansur/Divulgação)

Carmen Miranda sinaliza: “isso não se atura lá em Cascadura”. Carlos Drummond de Andrade pergunta: “E agora, José?”. Nuno Roland se apodera do samba de Braguinha e se torna o “pirata da perna de pau”. Já o “Samba de Uma Nota Só”, de Tom Jobim, ainda que sem a letra, faz um manifesto bem audível por meio de um enorme tipo de “órgão”.

Na exposição “O Direito à Preguiça” – em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) BH a partir de 27 de abril –, o artista plástico Nuno Ramos faz textos como esses “saltarem aos olhos” ou... “aos ouvidos”. Com exceção da série de pinturas “Confissões de Uma Máscara”, as demais obras, literalmente, falam.

A escolha é um retorno à “natureza” do artista, acostumado a misturar várias linguagens num mesmo trabalho. “Como escrevo, componho, é meio que natural, para mim, que (a minha obra) venha de forma mais híbrida. No ano passado, fiz uma exposição (‘HOUYHNHNMS’) de pintura sem ter muito essa característica. Acho que, neste ano, estou tentando recuperar essa espécie de hibridez”, observa Nuno.

Hibridez. A palavra resume a mostra assinalada por instalações de variados materiais, performance, vídeo, pinturas e áudios.

Obra de protesto

A exposição é inédita, já que somente as obras “No Sé” e “Choro Negro” já tinham sido apresentadas em outros lugares, sendo que todas chegam pela primeira vez a BH. “No Sé”, inclusive, não foi vista no Brasil ainda, apenas na Guatemala e na Argentina.

O ponto alto, sem dúvida, se dá no pátio do CCBB, onde o público poderá conferir a instalação título da exposição, de quase 15 metros. Trata-se de um andaime, que, para fazer som, conta com tubos de órgão.

Com o apoio também de um software será tocada, em loop, a canção “Samba de Uma Nota Só”. “A ideia foi a de transformar um objeto associado ao trabalho mais degradado, quase sempre de construção civil, num órgão para gerar uma coisa sublime, ligada até a espaços religiosos”, afirma o artista.Mario Grisolli/Divulgação / N/ANa obra "Choro Negro", três formas geométricas “choram” ao som do samba “Hora da Razão”, do compositor baiano Batatinha

Inspiração

O nome da obra, “O Direito à Preguiça”, foi tirado do texto homônimo do revolucionário Paul Lafargue (genro de Karl Marx). Publicado em 1880, o texto é uma crítica às extensas jornadas de trabalho praticadas na época e uma bandeira em prol dos direitos dos operários – o que pode soar, no mínimo, curioso, pois a instalação de Ramos foi construída à base de bastante esforço, perdurando por dias e teve a participação de vários trabalhadores. “É... a produção disso aqui não tem ócio nenhum”, concorda Ramos.

As contradições, contudo, não param por aí. “‘O Direito à Preguiça’ tem um contexto irônico porque será tocado o ‘Samba de Uma Nota Só’, que é uma coisa lenta, como se não fosse sair do lugar. O trabalho passa certa violência, algo industrial. Não é um tema leve”, completa.

Aquário com peixe irá ‘deformar’ as paredes do CCBB BH

Pintor, desenhista, escultor, escritor, cineasta, cenógrafo e compositor. Nascido em São Paulo, Nuno Ramos é o que se pode chamar de multiartista ou artista completo. Ele costuma ainda ser curador das próprias mostras, como esta que ocupará o CCBB BH até 27 de junho.

Por este motivo, o paulista está “acampado” na capital mineira há cerca de um mês.

Durante a entrevista, ele é abordado por sua equipe e fala sobre detalhes que necessitam de reajustes. “Sempre que você faz um trabalho pela primeira vez, você está aprendendo, tem muitas variantes”, diz, modestamente, o premiado artista.

Ramos diz se tratar de um projeto “difícil”, em especial a parte do “andaime-órgão”, mas não é só. Um bom exemplo são as novas “paredes” construídas nas salas do Centro Cultural – que, por sinal, tiveram as portas arrancadas para a exposição.

A “Parede 1”, chamada também de “O Grito/José”, tem, de um lado, o áudio do leilão do quadro “O Grito”, de Edvard Munch, e, do outro, a leitura do poema “José”, de Drummond.

Já pela “Parede 2” é possível ouvir o leilão do quadro “Laranja, Vermelho e Amarelo”, de Mark Rothko, e a marcha “O Pirata da Perna de Pau” (Braguinha), cantada por Nuno Roland.

As paredes são ainda deformadas por um aquário com peixe. Segundo Ramos, a proposta foi a de usar elementos antagônicos, como a voz singela de Drummond e o samba de Braguinha, em contrapo-sição aos leilões, nos quais há um lado agressivo, com vários falantes.

“E, como uma espécie de elemento caótico, tem ainda o aquário empurrando a parede. É como se fossem duas faces de uma situação”, articula.Eduardo Ortega/Divulgação / N/A“Confissões de Uma Máscara” tem 17 desenhos inspirados em Yukio Mishima

Um tiro de verdade

Outra obra que integra a exposição é “Balada”, um livro, de 896 páginas, que recebeu (de verdade) um tiro. “É como se, no livro, a voz estivesse cavada na matéria. A bala para lá pela página 700 e fica a marca da pólvora”.

Tempo presente

A questão do tempo surge nas obras “Caldas Aulete”, “Gangorra 1” e “Gangorra 2”. A primeira é constituída por um dicionário, no qual foi impresso um verso de “Eu e as Flores”, de Nelson Cavaquinho e Jair do Cavaco.

“Cavei a frase ‘a nossa vida é tão curta’ em cada um dos cinco volumes, porque dicionário é uma coisa que você usa e guarda; tem a ver com o tempo”, considera Ramos.

Em uma das “gangorras”, intitulada também de “Cascadura”, Carmen Miranda canta “Isso Não Se Atura”, de Assis Valente, na qual um tubo de ensaio com motor bate, como um liquidificador, um queijo com polpa de jornais, que contêm a palavra “tempo” no título, como os estrangeiros New York Times, El Tiempo, Los Angeles Times e Sunday Times.

Performance

Na abertura da exposição, feita para convidados, haverá ainda a performance “No Sé”. Inspirada na história “O Templo do Sol”, de Tintim (Hergé), a mesma será gravada e exibida durante toda a mostra.

Na performance, uma pessoa nua se cobre com cal. Um toca-CDs emite perguntas às quais o performancer responderá sempre “No Sé” (“não sei”, em português).

De acordo com Ramos, trata-se de um ato de resistência cultural. “Eu também, sinceramente, tenho vontade de responder ‘não sei’ a tudo que você (repórter) me perguntou. ‘No sé, no sé’... Todo mundo sabe tudo, então, sei lá... ‘no sé’... É importante não saber”, encerra o artista.

Serviço:

Exposição “O Direito à Preguiça”, de Nuno Ramos, estará no CCBB BH (Praça da Liberdade, 450) de 27/4 a 27/6. Entrada gratuita

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