Artistas mostram como é possível ser feminino e masculino nos palcos

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
19/01/2016 às 07:03.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:04
 (Leila Penteado/Divulgação)

(Leila Penteado/Divulgação)

“Ser um homem feminino/não fere o meu lado masculino/se Deus é menina e menino/sou masculino e feminino”, já cantava Pepeu Gomes em 1983. E continuam aparecendo artistas que desafiam a diferença de gênero de maneira fechada e estereotipada, mostrando que é possível ser masculino e feminino ao mesmo tempo.

Nos últimos meses, a temática trans tem sido trabalhada pelo grupo teatral Toda Deseo e pela banda As Bahias e a Cozinha Mineira. O uso de elementos iconográficos femininos também têm sido uma constante, como Bruno Gagliasso (que foi de vestido a uma festa) e Jaden Smith (que usou roupa feminina para peça publicitária da Louis Vuitton).

Quem vem chamando muita atenção é Liniker, cantor de 20 anos, nascido em Araraquara (SP), que se tornou sensação na internet ano passado, ao lançar os vídeos referentes ao primeiro EP, “Cru”. Impressionou por sua belíssima voz e por apresentar uma soul music sofisticada, mas também por sua proposta estética. O rapaz gosta de usar vestidos, brincos e um batom roxo que virou uma marca pessoal.

“A gente entende que quem constrói a realidade é a gente”, afirma Liniker, que prepara o lançamento de seu primeiro disco cheio, previsto para junho. “Tenho amigos que passaram a vestir roupas de mulher depois de mim, sinto que houve uma representatividade. A partir do momento em que há um empoderamento, as pessoas passam a refletir sobre si e se libertarem”.

Naturalidade

O estranhamento e a curiosidade por parte das pessoas é muito grande. Liniker não se enxerga como travesti, trans ou crossdresser. Prefere se definir como uma “bicha que gosta de usar vestido”. “Não tenho nomenclatura. Assim é como me sinto no dia a dia e não usaria o que não me faz sentir à vontade. Para o meu trabalho ser natural e verdadeiro, meu trabalho e eu temos que ser orgânicos”.

Foi justamente essa naturalidade que ele levou para as músicas de “Cru”, que começaram a ser planejadas em dezembro de 2014. Sua intenção era de que a sonoridade fosse mais orgânica possível – como manda a boa soul music.
 

Vocalistas trans

Dentre as novas bandas surgidas em São Paulo no ano passado, talvez nenhuma tenha gerado tanto burburinho no universo alternativo quanto As Bahias e a Cozinha Mineira. Primeiramente, porque o debute fonográfico, intitulado “Mulher” e inspirado no universo tropicalista, se revelou forte e bem feito. Segundo, porque as duas vocalistas do grupo são transexuais.

Melhor ainda quando o público se depara com a história da banda. Assucena Assucena, Raquel Virgínia e Rafael Acerbi se conheceram no curso de História da USP, só que no início as duas ainda não haviam se revelado trans. O processo de descoberta de gênero se deu durante a construção da banda.

Por coincidência, Assucena e Raquel tinham o apelido de Bahia, por terem vivido no Estado. Como o resto do grupo era formado por músicos de Minas Gerais, a escolha do complemento A Cozinha Mineira veio naturalmente.

“A banda começa com a gente ouvindo muito a Gal Costa e depois os outros tropicalistas. Aí vem o Rafael (Acerbi) que, como um bom mineiro, traz toda influência de Milton Nascimento”, conta Assucena sobre o som autoral apresentado em “Mulher”.

“O disco foi sendo feito durante o processo de transformação de corpo e cabeça da gente. Era o momento em que a gente passou a se conhecer, se entender no mundo, e as letras foram aparecendo com essa verdade”, diz Assucena.

Depois de alguns shows na capital paulista, o grupo logo partiu para o interior, especialmente no Sul de Minas. “Quando fizemos shows em cidades pequenas, algumas pessoas ficaram assustadas. Teve uma vez em que um policial quis nos revistar sem qualquer motivo, mas desistiu quando ouviu nosso discurso e viu que conhecíamos os nossos direitos”.
 

Teatro

Em Belo Horizonte, quem tem levantado esse debate é o coletivo Toda Deseo, que é formado por atores gays masculinos interessados em pesquisar e desenvolver espetáculos teatrais sobre a temática trans. O grupo nasceu em 2013 com o desenvolvimento do espetáculo “No Soy un Maricón”.

“Quando vimos que a peça estava tomando corpo, vimos que essa devia ser a temática do coletivo. Somos todos atores gays e temos interesse em falar sobre a diversidade sexual. E é importante falar das trans no palco de forma diferente, pois em Minas isso não costuma ser feito com seriedade”, conta David Maurity, integrante do Toda Deseo. “O palco é um lugar privilegiado da fala e temos que ter uma preocupação imensa com que estamos falando”.

Atualmente, o grupo prepara um novo espetáculo e conta com a parceria da atriz transexual Cristal Lopez. Também planeja novas edições de seu bem-sucedido projeto “Gaymada”, que é uma queimada entre gays, lésbicas e trans. “É uma brincadeira que chama a atenção para a liberdade sexual e faz parte do movimento de ocupação do espaço público”, explica David. Até hoje, foram quatro edições, sendo uma delas dentro da Virada Cultural de BH.

E MAIS:

‘Cross-dressing’ é uma ação que se torna cada vez mais comum

Hoje há tantos homens que gostam de usar roupas de mulheres que já se começou a falar em “modinha”. Especialmente depois que Bruno Gagliasso postou foto de vestido em seu Instagram e Jaden Smith (filho de Will Smith) passou a ter a saia como peça básica do guarda-roupa – tanto que ficou convidado para estrelar campanha da Louis Vuitton. O que ficou conhecido como “crossdressing” (a ação de usar roupas do sexo oposto) é algo que sempre esteve presente na ficção. Vale lembrar de Sarita (personagem de Floriano Peixoto, em “Explode Coração”, de 1995) e a transformação passada por Breno, personagem de Otavio Muller em “A Regra do Jogo”.


Cuidado para não reforçar o lugar do exotismo ao ‘se montar’ para uma festa
 
Para os homens que pensam em usar vestidos, o ator, músico e performer Marcelo Veronez dá um alerta: “fico preocupado quando a apropriação dos símbolos das trans não é encarado com respeito. Tem gente que vai para a festa toda ‘montada’, que chamamos de drags barbadas. Mas é fácil fazer isso somente na festa, onde é permitido. Quero ver é fazer isso todo dia para ir à padaria de manhã para comprar pão”, afirma o artista. “Temos que ter cuidado para não reforçar o lugar do exotismo”. Ou seja, é bom compreender que o uso de símbolos do sexo oposto não é necessariamente uma brincadeira, isso é sério para os transexuais.

‘A Garota Dinamarquesa’ terá lançamento no dia 11 de fevereiro
 
No cinema, as questões de gênero também aparecem com força por conta do lançamento no Brasil do filme “A Garota Dinamarquesa”, previsto para o dia 11 de fevereiro. Com quatro indicações ao Oscar – e boas chances para Eddie Redmayne na categoria Melhor Ator –, o filme conta a história de Lili Elbe, que nasceu Einar Mogens Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero. O longa tem direção de Tom Hooper (vencedor do Oscar de Direção por “O Discurso do Rei”) e já causa polêmica: foi banido das salas de cinema no Qatar, por ter sido considerado por críticos do país como “depravado”.

Confira os vídeos:

 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por