Assim como em filme de Spielberg, BH conta com restaurantes de chefs sonhadores

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
28/08/2014 às 08:41.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:58
 (Luiz Costa e Divulgação)

(Luiz Costa e Divulgação)

Assim como o personagem Hassan, protagonista de “A 100 Passos de um Sonho”, filme produzido por Steven Spielberg que entra em cartaz a partir desta quinta-feira (28) nos cinemas, o chef Ramchandra Kharel saiu da Índia para viajar pelo mundo e montar seu próprio restaurante _ além de conhecer o amor de sua vida.

Proprietário do Namastê, localizado no bairro Prado, Kharel faz parte de um grupo cada vez mais raro em seu país natal: os que aprenderam a cozinhar como parte de uma tradição familiar. “Tenho tios que são donos de restaurantes no Japão”, registra o chef, que está há seis anos no Brasil.

No filme dirigido por Lasse Hallström, que já enveredou pelos prazeres da boa mesa em “Chocolate” (2000), Hassan foge com sua família após disputas políticas que resultaram na destruição do restaurante comandado por sua mãe, morta num incêndio. Buscam um novo lugar para montar seu negócio, estabelecendo-se numa cidadezinha da França.

Em meio a uma guerra de nervos com a proprietária de uma casa vizinha de alta classe, Hassan tenta se manter fiel ao encantamento que os mais de 40 temperos típicos da Índia provocam no paladar dos frequentadores, ao mesmo tempo que se abre para o mundo, experimentando novas receitas e sabores.

Tandoor

Apesar de gostarem muito de comida mineira, tanto Kharel quanto Virendra Singh, que supervisiona os pratos oferecidos no Maharaj, localizado no Funcionários, não arriscam fazer qualquer mudança no menu – entre tantos nomes escritos na língua hindu, não faltam cordeiro, curry, cardamomo e gengibre.

Há três anos em Belo Horizonte e ainda se esforçando para dominar o português, Singh importa da Índia boa parte dos produtos utilizados em sua cozinha, onde não pode faltar o forno tandoor, feito de barro e com formato cilíndrico.

Diferentemente de Kharel, ele estudou gastronomia numa das várias faculdades de Nova Délhi. “Meu país, hoje em dia, é muito competitivo na culinária e na medicina, porque a população é grande e precisa de comida e saúde. E, para se trabalhar no restaurante de um hotel, é necessário ter passado por uma faculdade. É tão sério que, enquanto você estuda, não há um dia de folga. São três na escola e quatro de prática”, observa Singh.
 
Culinária indiana usa 40 temperos, muitos desconhecidos aqui
 
O chef indiano Virendra Singh aceitou o convite para trabalhar no Maharaj impulsionado pela vontade de ultrapassar as fronteiras de seu país. “A gastronomia é a forma mais rápida para você viajar o mundo inteiro”, destaca.

O comichão surgiu quando, ao se deparar com a culinária de outros países, começou a se interessar pela cultura por trás de cada prato. “O que me fez vir para o Brasil foi a sua cultura. E o fato de ser bem longe também”, afirma Singh, que reside na Pampulha.

Nascido em Dehradrun, o chef se tornou um fã não só da comida mineira (especialmente do frango com quiabo e arroz) como também da maneira como foi recebido em Belo Horizonte. “O que eu mais gosto aqui é das pessoas”.

Ele usa a expressão inglesa polite (cortês) para definir seus anfitriões. “Não é como em outros países, em que as pessoas não têm tempo para explicar como chegar a algum lugar”, compara.

Violência

O inglês, por sinal, é língua oficial na Índia. O que explica o fato de muitos chefs optarem por trabalhar nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. “É mais fácil para a gente trabalhar lá”, sublinha. Do Brasil, recorda que o país tinha uma imagem muito ligada à violência. “Na TV, mostram uma violência numa proporção que não tem”.

Singh observa que a procura por comida indiana vem crescendo em BH, onde existem poucos restaurantes especializados. Além do Maharaj, outras opções são o Bhagwan, no Sagrada Família, e o Namastê, no Prado. Esses dois têm um ambiente muito parecido, predominando as cores vermelha e amarela.

“Em minha cultura, o vermelho quer dizer sorte. E o amarelo é para aumentar a fome”, diverte-se Ramchandra Kharel, que administra o Namastê. Mas a proximidade entre as casas tem outro motivo: o chef é casado com Rukamini Keintura, filha de Bhagwan Sinh.

Nascido em Manpun, o chef do Namastê começou a trabalhar em cozinha por influência da família. Saiu do país cedo, atraído por um convite de um hotel em Dubai. Depois foi para a Tailândia, onde permaneceu quatro anos. Até que conheceu um finlandês que mudou a sua vida.

“Ele me chamou para abrir, em sociedade, um restaurante em Governador Valadares. Vim para cá por causa de Rukamini”, recorda Kharel, que integrou a equipe do Bhagwan por dois anos. Agora à frente do Namastê, orgulha-se de oferecer pratos que não existem na concorrência.

Em família

Como seu sogro, ele trouxe da Índia vários familiares para ajudá-lo no restaurante. Entre eles, falam o tempo todo em hindu. E só mudam para o português quando entra um freguês. A razão de não ter funcionários brasileiros é cultural, segundo Kharel.

“Trabalhamos todos os dias, sem folga. Além de termos uma comida muito diferente”, explica. Muitos dos 40 temperos usados na culinária indiana são desconhecidos pelos brasileiros. Virendra Singh destaca que quase 100% dos pratos têm muitos condimentos misturados.

O chef do Maharaj observa que a comida mineira tem pouco tempero, limitada ao sal e alho. Essas diferenças não impedem que faça, por exemplo, uma autêntica feijoada. “Quando você aprende culinária, nenhum prato é difícil de fazer. Só é difícil para quem começa”, garante.
 
Protagonista promove desejável mistura étnica
 
Depois que Julia Roberts mergulhou numa jornada de auto conhecimento a partir dos costumes e quitutes da Índia, em “Comer, Rezar, Amar” (2010), agora é o momento de o cinema hollywoodiano fazer a viagem “de volta”, mudando a perspectiva.

E o que mais chama a atenção nesse novo trajeto é que “A 100 Passos de um Sonho” simboliza a internacionalização da meca do cinema em seu sentido máximo, quando as produções não só são bancadas por dinheiro estrangeiro como também tematizam outras culturas.

Produtor do filme, Steven Spielberg é o maior exemplo dessa mudança. Em 1983, a Índia foi um dos cenários de “Indiana Jones no Templo da Perdição”. Agora, Spielberg é um dos entusiastas da aproximação com Bollywood, como é conhecida a indústria de cinema em Mumbai.

O fato de a produtora indiana do bilionário Anil Ambani investir em “A 100 Passos” explica, em boa parte, a ênfase num personagem – o chef Hassan (Manish Dayal) – que faz questão de deixar para trás o rótulo de cultura fechada para promover uma desejável mistura étnica. Hassan não quer apenas ser o melhor chef de cozinha indiana. Quer ser o melhor do mundo. E esse conceito é muito bem entendido pelos americanos. Durante mais uma de uma década, foi esse sonho que fez dos Estados Unidos a cultura dominante – agora “emprestado” ao país asiático.

No filme, adaptado do livro de Richard C. Morais, o que vemos é a necessidade de compreensão de um país antes tachado de exótico. E isso não acontece só com o estômago, mas também na maneira como a narrativa universaliza as questões do protagonista em torno da família, do trabalho e do amor. Ele luta contra um apego prejudicial às tradições, a partir de um superado machismo; o arraigado xenofobismo dos ocidentais, aqui interpretado como o medo de perder postos de trabalho para mão-de-obra barata; e uma ambição que quase põe a perder o seu amor.

Esse “combo” permite, ainda que num exagerado tom melodramático, característico de Lasse Hallström, que o filme apresente o equilíbrio de sabores exemplificado num prato, seja de qual nacionalidade for.

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