Canção "Olhos nos Olhos", de Chico Buarque, inspira filme de Karim Aïnouz

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
10/05/2013 às 11:51.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:34

Karim Aïnouz acaba de entrar em seu apartamento em Berlim, na Alemanha, após desembarcar no aeroporto. Ainda está sob o efeito do jet leg, mas não rejeita uma entrevista por telefone. "Eu te ligo. Para o fixo, é de graça", oferece, ao responder o e-mail da reportagem do Hoje em Dia.

Dez minutos depois de receber o sinal verde para a ligação, o diretor cearense de "O Abismo Prateado", principal estreia desta sexta-feira (10) nos cinemas de Belo Horizonte, já está falando sobre o filme inspirado numa das canções mais conhecidas de Chico Buarque, "Olhos nos Olhos" (1976).

E também uma das mais tristes da música brasileira. O longa-metragem (o quarto de Aïnouz, antecedido por "Madame Satã", "O Céu de Suely" e "Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo") acerta nesse tom, criando uma narrativa igualmente dolorosa, ressaltada em várias críticas.

Desuso

Tristeza é uma palavra abolida do cinema brasileiro desde a década de 80. De lá para cá, quando os filmes enveredam por sentimento semelhante, é preciso vinculá-lo a um resultado edificante. Aïnouz concorda. "Nunca tinha me tocado para o que você falou, mas é verdade. Não é um adjetivo muito usado em nosso cinema", assinala.

"Tem um filme do Tsai Ming-Liang, não sei se é ‘O Rio’, em que uma mulher chora num parque (o título é ‘Hora da Partida’). Sou encantado com essa dor que nos provoca. Tenho fascínio pela tristeza no cinema. Ela fica tão bonita quando conseguimos traduzi-la bem", analisa.

"O Abismo Prateado" é uma interpretação livre para a música de Chico Buarque, que versa sobre o abandono sofrido por uma mulher, a descida ao fundo do poço e a recuperação da autoestima. A Violeta de Alessandra Negrini passa por esse périplo, mergulhando no lado soturno do Rio de Janeiro.

"Tom categoriza uma música, não uma imagem. Fiz uma aposta completamente intuitiva na busca desse tom. É como a Alessandra definiu a sua personagem, que se movimenta no espaço-tempo de forma muito sutil. É por isso que, na hora de filmar, produzo mais material do que está no roteiro. Assim tenho muito mais possibilidades no momento da montagem", pondera.

Diretor se sente cada vez mais livre para trabalhar

Em seus dois últimos longas-metragens – "Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo", dirigido ao lado de Marcelo Gomes, e "O Abismo Prateado" – Karim Aïnouz se aproxima do olhar sensorial que conduziu a narrativa de seus curtas.

"É que eu me sinto cada vez mais livre. Gosto de trabalhar com personagens fortes e com a questão da flor da pele. Quero fazer mais filmes mais ambiciosos sensorialmente e menos ambiciosos narrativamente", confirma.

Brincadeira

Aïnouz está mais interessado em esconder do que mostrar. "Faço um cinema de personagem e gosto de brincar com os elementos narrativos. Você não precisa contar toda a história, deixando algo para o público imaginar".

Apesar do dispositivo semelhante, em que personagens caem na estrada devido a problemas amorosos, "Viajo..." teria uma pegada mais documental, enquanto "O Abismo...", segundo ele, "veste a pele do personagem, que arde, dói e excita".
 

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