Casos recentes apontam que é preciso ter cuidado ao postar comentários

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
24/05/2015 às 12:43.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:11
 (Karen Bleier/AFP)

(Karen Bleier/AFP)

“Precisamos ter em mente que o que você não coloca no outdoor, não pode postar nas redes sociais. A dimensão é a mesma”. A frase, de Patrícia B. Teixeira, autora do recém-lançado livro “Caiu na Rede – E Agora?” (Editora Évora) pode até parecer óbvia para muitos.

Problema é que não para todos. Não por outro motivo, pipocam casos em que postagens, digamos assim, feitas no calor do momento acabam, não raro, repercutindo de forma muito (muito!) negativa para seus autores. Um dos casos mais recentes teve como protagonista o cantor Ed Motta, que, no início de abril, postou, em seu perfil no Facebook, uma mensagem não muito simpática ao seu público. “(...)

Então, pelo amor de Deus, não venha com um grupo de brasuca berrando ‘Manuel’, porque não tem”, disse, avisando eventuais candidatos brasileiros a assistir a um certo show seu, na turnê europeia.

Ed Motta referia-se ao fato de que só cantaria músicas em inglês, e ainda arrematou: “Não é possível que o imigrante brasileiro não saiba um básico de inglês”. Antipático? Para muitos internautas, total. “Pessoas que têm uma projeção devem fazer um planejamento do uso das redes sociais: o que postar ou não, como e linguagem. As redes são bem-vindas se souberem usar”, pontua Patrícia Teixeira. “Não se deixe envolver pela emoção”, finaliza a moça.

SOCIEDADE ENVIDRAÇADA
Xará da autora de “Caiu na Rede”, a consultora de estilo Patrícia Mara costuma dizer que vivemos, hoje, em uma sociedade envidraçada. Trocando em miúdos, somos vistos e avaliados o tempo todo. “Mesmo que não estejamos na rede, sempre há alguém próximo (ou não) publicando algo a nosso respeito. Antigamente quando queríamos saber algo de alguém era mais difícil, tínhamos que perguntar a outras pessoas, buscar informação com gente mais influente. Hoje, coloque poucas palavras em um site de buscas e logo terá o que quiser”, diagnostica.

Patrícia Mara frisa que a velocidade com que as coisas se propagam no mundo atual é enorme e, por isso, alerta: Pessoas públicas precisam cuidar de uma coisa chamada ‘REPUTAÇÃO’. Se antigamente reputação era importante, hoje é vital”.
Para não deixar dúvidas, ela especifica: “Reputação é uma trajetória de valores, coerência e consistência muito difícil de construir – mas muito fácil de perder”. Patrícia Mara lembra que é preciso equilíbrio, limite, respeito. “E pensar que aqueles fãs da rede social são os mesmos que vão ao show dele (Ed Motta) pagando o ingresso – ou, pelo menos, iam”.

‘Cautela e bom senso nunca fizeram mal a ninguém’
Patrícia Mara rememora outros episódios recentes que podem ser enquadrados como “infelizes” – nem todos ligados a redes sociais. Caso do dizer da então ministra do Turismo Marta Suplicy – “relaxa e goza” – ao dar uma entrevista sobre o caos aéreo registrado em 2007. “Foi muito deselegante. Muitas pessoas acham que podem dizer o que quiserem e pronto. Não é bem assim: cautela e bom-senso nunca fizeram mal a ninguém”.

E como seguir adiante após uma gafe? Patrícia Mara lembra o próprio Ed Motta, que tentou se redimir, lembrando que uma pessoa pública não é Deus, e está sujeita a errar. “O artista precisa ter pessoas ao seu lado que o ajudem, que deem direcionamento na relação com o público. A interação com os fãs é importante, aproxima. Mas precisa ser feita de forma profissional e respeitosa. Saber avaliar elogios, lidar com a crítica, filtrar e mudar de comportamento quando necessário. Isso demonstra postura profissional. Retratar-se, seja pessoalmente ou por meio de uma assessoria de imprensa, é dever. Já a omissão não é o melhor caminho e demonstra inconsistência, falta de preparo. Um trabalho de anos pode ir por água abaixo”.

Confira a entrevista com Patrícia Mara

1) Recentemente, as palavras de Ed Motta reverberaram pelas redes sociais e imprensa "tradicional" de modo geral... Nem é preciso lembrar o teor... Ed Motta veio a público, depois, e se explicou (ou tentou se explicar)... Disse que houve uma descontextualização de suas palavras etc... De qualquer modo, gostaríamos de saber: nestes tempos atuais, em que a informação circula com tanta velocidade e alcance, que cuidados uma pessoa formadora de opinião deveria tomar?

No caso do Ed Motta, sua reputação já havia sido arranhada por outros episódios tão deselegantes quanto. Penso que, apesar de vivermos em uma sociedade que se diz democrática e liberal, não se deve dizer tudo o que pensamos, ainda mais envolvendo outras pessoas. Queremos ser aceitos, pertencer, fazer parte - por isso, é preciso ter parcimônia, equilíbrio... Se posicionar sim, mas sem arrogância. E nunca, nunca mesmo, baixar o nível, ofender, humilhar, desvalorizar, usar palavras preconceituosas, discriminatórias e irônicas,principalmente em redes sociais. Mesmo que em algumas situações seja difícil, a boa educação, o cuidado com o outro e o controle das emoções, assim como a capacidade de desenvolver resiliência, são características fundamentais a todo comunicador.

2) Como analisa, particularmente, esse caso do Ed Motta... O que aconselharia a ele, em particular?

Em um de seus posts, Ed Motta pediu desculpas do jeito dele e usou algumas expressões como; "fiz declarações fruto da minha cabeça lotada de revoltas", "peço desculpas a todos que se sentiram ofendidos com minhas frustrações" e "escrevi coisas que eu mesmo repudio". Podemos notar um certo descontrole emocional, ora ele se exalta e não tem limites em seus comentários, arrogantes e irônicos, em outro momento demonstra publicamente suas fragilidades e misérias.

Temos o direito de nos expressar seja falando ou escrevendo, e nem sempre só porque é artista, tem que falar o que o outro quer ouvir - mas, principalmente, em redes sociais é preciso equilíbrio, limite, respeito. É preciso pensar que não existe diferença do mundo virtual para o real, e que aqueles fãs da rede social são os mesmos que vão ao show dele pagando o ingresso, ou pelo menos iam.

Tem jeito de falar tudo o que ser quer com elegância, precisa ter habilidade para falar de situações desagradáveis com certa delicadeza. A palavra escrita é dura, e a interpretação pode ser diferente para cada pessoa. Para mim, a qualidade musical do artista em questão é indiscutível. Mas, junto, há o seu etnocentrismo, essa visão que toma a cultura do outro (e a dele também!) como algo menor, sem valor, errado, primitivo. Talvez seja o momento de fazer uma pausa, refletir sobre o caminho que está trilhando e se perguntar "qual o legado quero deixar no mundo como artista?" Uma carreira de sucesso é uma empresa, precisa de planejamento, disciplina, boa administração. Acho que o trabalho de reposicionamento da marca Ed Motta e o gerenciamento de imagem podem ajudá-lo a minimizar as más impressões deixadas pelo cantor, assim como, claro, uma postura mais elegante e menos arrogante com os brasileiros fãs das músicas dele.

3) Nós tivemos um outro caso que também foi parar na mídia. Uma dupla sertaneja (Max & Mariano) gravou uma música cuja letra dá voz a um homem que ameaça a namorada de expor vídeos íntimos na rede... A repercussão (negativa, claro) foi tal que, ao que consta, eles teriam entrado em depressão... Tiraram site oficial do ar, deram um ponto final às redes sociais dos dois... Pergunto: faltou aconselhamento? Feito o estrago, agiram certo com essa providência (do bloqueio)? Como se redimir, em um caso assim? Lembrando que Ed Motta também cancelou shows e passou a usar carro, e não avião, para se locomover...

Acredito que sim, faltou aconselhamento,e profissional de peso no gerenciamento da carreira. Como o Ed Motta mesmo disse; a pessoa pública não é Deus, e está sujeita a errar... o artista precisa ter pessoas ao lado dele que o ajudem, que deem direcionamento, que auxiliem na relação com o público. Essa presença virtual é fantástica se bem usada, a interação com os fãs é importante, aproxima. Mas precisa ser feito de forma profissional e respeitosa. Saber avaliar elogios, lidar com a crítica, filtrar e mudar de comportamento quando for necessário. Isso demonstra postura profissional. Retratar-se - seja pessoalmente ou por meio de uma assessoria de imprensa - é dever, já a omissão não é o melhor caminho e demonstra ao público inconsistência, falta de preparo para gerenciar crises. Características contrárias a uma boa reputação. O constrangimento vai existir pelo acontecido, mas é preciso maturidade e profissionalismo para continuar.

4) Uma vez, uma dessas papisas da moda - não me lembro se Costanza Pascolato ou Gloria Kalil - disse que o segredo da elegância está nas palavras "bom senso"... Acha que se aplica também ao dia a dia, ao que postamos nas redes, aos comentários que fazemos nas timelines de outros no Facebook etc?

Sem dúvida alguma, elegância é cuidado com o outro, é ter bom senso e discrição, é não expor o outro sem o consentimento dele, é entender que "tudo posso", mas nem tudo convém. É avaliar o que falar, quando falar, como falar e com quem falar. Afinal, de que adianta tanta inteligência intelectual e não desenvolver a inteligência emocional, essa que nos ajuda sermos pessoas melhores e ter relações mais saudáveis e interessantes?

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