Castigo divino: peça converte em travessia o mito grego de Sísifo

Bernardo Almeida
01/11/2019 às 17:52.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:30
 (Daniel Barboza / divulgação)

(Daniel Barboza / divulgação)

“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança”. Assim o escritor franco-argenlino Albert Camus retratou o mito grego de Sísifo em um ensaio na década de 1940 e que, agora, ganha adaptação para o teatro na peça “Sísifo”, cartaz em duas sessões sábado, no Teatro Sesiminas.Daniel Barboza / Divulgação 

Peça “Sísifo” está  em cartaz com duas sessões sábado, no Teatro Sesiminas

Gregório Duvivier ocupa o palco em uma repetição de 60 cenas, de um minuto cada, atravessando uma rampa e retornando ao ponto inicial para iniciar outra caminhada com uma reflexão distinta.

Tal repetição é equiparada à linguagem dos gifs (animações que se repetem continuamente e inundam a internet atualmente). “É a transposição de um gif para o palco, de personagens presos dentro de um momento cíclico, condenados a repetir esse movimento para sempre”, explica Gregório Duvivier, que atribui a ideia inicial a Vinícius Calderoni, com quem ele escreveu a peça. Sozinho em cena, ressalta o desgaste físico no palco “Nunca uma peça me demandou tanto fisicamente. É uma coisa crossfit, mas que traz enorme prazer”, brinca. 

O conhecido posicionamento político também está no princípio da repetição cênica do espetáculo. “Nasci em 86 e associo essa dinâmica com a nossa construção democrática, que vi ser erguida e agora testemunho um desmoronamento disso que construímos a duras penas, tudo aquilo descendo ladeira abaixo”, observa o ator, que viu o tom da ideia inicial mudar ao longo das montagens já realizadas no Rio e em São Paulo. “No começo era pra ser uma comédia, mas muita gente se comove, tem um grande potencial dramático. Camus vê um homem que encontrou na pedra o motivo de felicidade, passa pela ideia de encontrar um sentido”.

Revolta

Camus escolhe a inconformidade de Sísifo como ponto de partida para refletir sobre o absurdo, a inevitabilidade da morte e a gratuidade da existência humana, segundo Angélica Amâncio, doutora em Literatura Comparada pela UFMG, onde defendeu a dissertação “A gratuidade do mundo e a maleabilidade do gênero literário em O Estrangeiro, de Albert Camus”.

“Para Camus, resta ao homem, ao tomar consciência dessa realidade, revoltar-se, e é o que faz o mito grego, não apenas porque escapa diversas vezes da morte, gozando da vida com inteligência, mas também porque, mesmo após sua condenação, continua sendo ‘superior a seu destino’ no momento em que desce para recolher a pedra. Sísifo é livre, pois pensa e sente-se como tal. Diante de toda a falibilidade da razão humana, resta criar e refletir: isso é, para Camus, a mais importante forma de revolta”, define Angélica. 

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