Centenário de Rubem Braga é celebrado no documentário de André Weller

Paulo Henrique Silva* - Hoje em Dia
23/10/2013 às 08:47.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:34

SÃO PAULO – Danuza Leão lembra que, ao ser vista ao lado do cronista Rubem Braga, logo despertou ciúmes na atriz Tônia Carrero, que quis saber quem era aquela "menina que parecia uma escova de dente", referindo-se ao pescoço longo e aos cabelos arrepiados da socialite.

Apesar de não ser um Don Juan, definindo-se como um "mala em la cama" (expressão em espanhol para quem não é tão hábil entre os lençóis), o escritor e jornalista capixaba, cujo centenário está sendo lembrado nesse ano, vivia cercado de mulheres, principalmente em sua cobertura no bairro carioca de Ipanema.

Olhar penetrante

É justamente nesse ambiente, em que seu olhar penetrante de um apaixonado cativava as mulheres, mesmo sem dispor de muitas palavras, que o documentário "Rubem Braga – Olho as Nuvens Vagabundas" descortina a vida de um dos maiores cronistas do país, para quem a "beleza era mais do que fundamental".

Muitos "causos"

Com passagem pela capital mineira, onde se formou na Faculdade de Direito de Belo Horizonte e conheceu amigos de longa data, como Fernando Sabino e Oto Lara Resende, Braga não era um especialista só da beleza feminina, fazendo também das letras uma companheira admirável.

"Ele escrevia com a naturalidade de quem fazia poema", observa o cartunista Ziraldo, um dos vários depoentes que foram ao último andar do prédio da Rua Barão da Torre para repassar a trajetória do cronista no filme de André Weller, apresentado na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O formato do documentário é simples, com uma câmera fixa diante de entrevistados, alimentando-se apenas dos muitos "causos" que marcaram a vida de Braga, que poderia parecer durão, como lembra Ziraldo, mas que era "dono de um amor imenso pela humanidade".

Esse carinho é manifesto em seus temas, geralmente sobre pequenos assuntos do cotidiano. O escritor Zuenir Ventura assinala que Braga conferia ao que era insignificante e provisório uma grande importância e qualidade. Ventura, aliás, foi quem deu a ideia a Weller para que cada entrevistado lesse também trechos de crônicas.

"Fiz um filme de coberturas", brinca o diretor, ao explicar que, além de concentrar as filmagens no mesmo espaço, intercalou os depoimentos com planos de do pomar que Braga mantinha no local. "Aquelas árvores foram a maneira que ele encontrou para se lembrar de suas raízes, também presentes em suas crônicas".

Amor, humor e a força da palavra juntos num mesmo personagem

A cobertura foi uma espécie de presente de uma construtora, que vendeu o apartamento bem barato para Braga. O espaço do pomar, que, na verdade, era a área comum do prédio, foi preenchido com terra e projetado por Burle Marx. "Os amigos diziam que era a Arca de noé da botânica", afirma Weller.

Ao síndico que reclamou da ocupação indevida, Braga teria ameaçado responder-lhe com bala. Tinha um humor muito próprio, exemplificado na vez que, ao ouvir uma senhora reclamar de seu amante, ele prontamente rechaçou alertando-a para "não cuspir no prato que te comeu".

Ana Maria Machado se recorda do tempo em que, ainda adolescente, era aguardada na porta do colégio por Braga. Ele gostava de ouvir a análise dela sobre seus textos. Até que, após enviar-lhe flores, o pai de Ana Maria achou por bem intervir para impedir qualquer possibilidade de romance, pondo o escritor para fora de sua casa.

A força da palavra é tão forte no filme que ele se vale apenas de uma imagem de arquivo de Braga, o que leva o espectador a construir o personagem a partir das declarações, semelhante ao processo de imaginação do leitor quando tinha em mãos alguns de seus livros e crônicas.

"Até tentei colocar essas imagens de arquivo, mas não funcionou tão bem. As declarações e a locação dão vida a Braga, pois o centenário é muito cruel. As pessoas com quem conviveu já não estão mais aqui. Por isso, os depoimentos são de gente que o conheceu mais velho. Ziraldo e Zuenir tinham uma diferença de 20 anos de idade para ele".

Por conta dessa opção, calcada nas entrevistas, o documentário não faz muitas as referências à infância, à estadia em Belo Horizonte, à participação na Revolução Constitucionalista, quando foi preso, e ao acompanhamento, como correspondente de guerra, da Força Expedicionária Brasileira – FEB, na Segunda Guerra Mundial.


* Viajou a convite da organização da Mostra de São Paulo

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