Coletivo Mulambo espalha versos pelas ruas da capital mineira

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
17/09/2014 às 07:22.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:13
 (Eugênio Moraes)

(Eugênio Moraes)

A constatação de que a cidade pode ter mais possibilidades e significados. Foi com esse norte (ou “sentimento”, palavra usada por ele) na cabeça e uma ideia no coração que Antonio Horta, ou simplesmente Bill, 25 anos, começou a espalhar – “de maneira tímida” – alguns versos pela capital mineira. Em pouco tempo, a iniciativa foi ganhando volume – e reverberação. “Alguns amigos gostaram e começaram a me ajudar, até que vi que não haveria outra forma senão fundar um coletivo para que mais pessoas pudessem colaborar, para ter mais vozes e mais diversidade”.

Veio, pois, o Mulambo Coletivo, que se incorporou ao cotidiano da cidade através de um sem número de ações e intervenções. O número exato, nem mesmo os nomes por trás do movimento sabem precisar. “Elas (ações) estão espalhadas por toda a cidade, de maneira que torna um pouco difícil a tarefa de tentar contar todas. E temos também diferentes técnicas que são utilizadas, como estêncil, pintura direta sobre os muros, lambe-lambe, colagem, etc”.

Entre as ações, algumas ficaram marcadas na memória. “Fizemos uma mandala no Espaço Comum Luiz Estrela há algum tempo, e foi um trabalho que nos deixou muito felizes. Estamos também desenvolvendo uma ação conjunta com o Coletivo Abraço, do Rio de Janeiro, que será feita nas duas capitais ainda este ano, se tudo der certo”, diz Antonio, acrescentando que o grupo está sempre à espera de um convite “de alguém que goste de nosso trabalho”.

E, vamos combinar, parece impossível não gostar. Prova inequívoca é que o moço confirma: a receptividade sempre foi muito positiva desde o início das atividades. “Antes mesmo de eu ter fundado o Mulambo, começamos a ver que as pessoas estavam tirando fotos e postando nossas ações nas redes sociais, o que me deixou muito feliz. Algumas pessoas nos escrevem agradecendo por termos ‘enfeitado’ a sua rua, outras perguntam como podem colaborar conosco, e outros ainda perguntam se alguém nos paga para isso!”, surpreende-se.

Uma das mais recentes ações do coletivo foi perguntar, aos seguidores no Facebook, onde gostariam de ver as intervenções do Mulambo. “Tivemos um feedback muito bom. Várias pessoas mandaram sugestões de lugares nos quais gostariam de ver arte ou poesia, seja perto de suas casas ou trabalho”, festeja.

‘Quero que a cidade seja cada vez mais pluri, multi, poli’

O Mulambo Coletivo é formado por pessoas dos mais variados perfis. “Temos de tudo um pouco. Eu, por exemplo, sou formado em Letras. Temos a Rafaella Borges, uma de nossas colaboradoras, 24, formada em Arquitetura pela PUC. Já o Milton Duarte, 26, é formado em Direito, o Matheus Faria, 24, é estudante, e o Alexandre Florentin, 28, tem nacionalidade francesa, e mora no Brasil há um ano (é formado em Engenharia Ambiental e Ciência Política). E tem o Luiz Henrique, 23, formado em Química, que mora em Ipatinga. Esses são nossos colaboradores mais atuantes”, lista Bill.

Há, ainda, um grupo de colaboradores “flutuantes”, “por assim dizer, que nos ajudam, mas de maneira mais esporádica”. Bill conta que não houve nenhum mentor no processo de criação (do grupo). A ideia tomou corpo no final do ano passado. “Eu tinha o desejo de usar a rua como suporte de arte, como muita gente já vem fazendo, e também o desejo de aproximar a poesia, mesmo que de maneira breve ou sutil, da vida das pessoas da cidade. Queria oferecer algo para BH”.

Na verdade, a semente do coletivo brotou após as manifestações de junho do ano passado. Foi quando Bill se deu conta de que haviam muitas pessoas querendo se expressar de alguma forma, de usar o espaço público de maneira mais significativa. “O coração da cidade reside, se encontra, no espaço público. A cidade nasce da articulação e da interação dos cidadãos, e é no espaço público onde principalmente se dá essa atividade fundamental. Por isso, espaço público não só é espaço tangível, palpável, a praça, o parque, a rua e a avenida. É tudo aquilo que construímos de maneira coletiva na cidade e que dá significado à nossa vida como cidadãos”.

O espaço público, enfatiza ele, é propriedade e responsabilidade do cidadão. “Faz parte desse patrimônio comum, como água, ar ou sol. Em maior ou menor grau, os cidadãos devem criar, cuidar, manter e melhorar seus espaços públicos para garantir melhor qualidade de vida na cidade”.

Partindo dessa ideia, Bill se sentiu na responsabilidade de usar “o que é meu, seu, nosso, o comum” de maneira “mais real”. “Queria – e quero – que a cidade seja sempre mais pluri, mais multi, mais poli”.

Por um cotidiano impregnado de arte

Um dos princípios para escolha de um ponto para uma intervenção do Mulambo é que o lugar esteja em “má situação”. “De abandono, por exemplo, ou que seja um espaço público que ‘merece mais’”, diz Bill. Hercúlea, pois, a tarefa de mapeamento. “Com as sugestões podemos ‘diagnosticar’ melhor uma intervenção e um bom lugar”, lembra.

A curto prazo, o coletivo quer terminar os projetos colocados como meta para esse ano. Para o futuro, Bill diz que gostaria de ver mais poetas saindo de suas alcovas. “Mais artistas saindo de seus ateliês, mais vida pulsando nas veias, nas vias da cidade. Queria que as pessoas percebessem mais a rua, o outro e a si mesmos. De aproximar os imortais das academias de Letras espalhadas por aí. Quero o cotidiano das pessoas impregnado de arte e de polissemias. Que as pessoas percebam que também podem usar o comum, a rua, como suporte. Aguçar o imaginário”, enumera.

Sem imaginário, sustenta Bill, não há espaço público. “Há metros quadrados descobertos e espaço vago entre edifícios. O imaginário urbano é esse infinito mundo de possibilidades de interação com o espaço, e com as pessoas, que faz da vida cidadã uma experiência cultural rica e gostosa. Frequentemente, a evolução da qualidade de vida na cidade não é positiva e um maior desenvolvimento não traz um melhor espaço público. Por isso é importante cuidar de nosso imaginário e tentar renová-lo com boas ideias”, diz Bill, lembrando que, mais do que para ler, poesia é para sentir. “Parar no meio do dia, da correria e se deparar com uma poesia ou uma obra de arte oferecida de graça e sem nenhum motivo aparente por alguém que você nunca vai conhecer. Alguém te fez sentir alguma coisa, mesmo que você não estivesse esperando. Isso torna a poesia uma gentileza, um respiro no meio do caos”. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por