'Como Nossos Pais' registra o universo feminino pela ótica das relações familiares

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
20/08/2017 às 18:02.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:10
 (IMOVISION/DIVULGAÇÃO)

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GRAMADO (RS) – O nome de Daniel Burman, que aparece como consultor de dramaturgia ao final dos créditos de “Como Nossos Pais”, exibido na noite de sábado (19), no 45º Festival de Cinema de Gramado, sinaliza para uma das proposições do filme dirigido por Laís Bodanzky: discutir o papel da família e a maneira como ela molda nossa personalidade, a partir de um olhar que mistura melancolia e humor leve.

Burman é um dos realizadores que participaram da nova onda do cinema argentino, na segunda metade dos anos 90, refletindo a crise política e econômica do país com filmes voltados mais para “dentro” dos personagens. Estes exibem suas crises pessoais tendo a realidade social como pano de fundo para uma busca de autocompreensão, que irá apontar para o passado, para os nossos pais e avós.

O título brasileiro já deixa claro essa resolução, com a protagonista Rosa, vivida por Maria Ribeiro, realizando uma longa caminhada até entender a importância do diálogo com aquela que sempre foi sua “sombra”: a própria mãe (Clarisse Abujamra). Rosa repete tudo o que a mãe representa – fumante, sem papas na língua, aparentemente descuidada com os filhos e condutora de uma família fragmentada.

Rosa orbita os vários mundos que foram criados nesta cisão, como a outra família do pai (o músico Jorge Mautner, que interpreta um personagem muito próximo ao que é na vida real), em especial com meia-irmã, e um pai biológico recém-descoberto (Herson Capri), que pertence ao alto escalão do governo. O que antes era um motivo de desconforto, ganha um certo valor no entendimento das diferenças.

Diferenças estas que, paulatinamente, vão se desvelando como convergências, como a sobreposição das vidas de mãe e filha. É um tema caro ao cinema argentino e, em particular, de Daniel Burman, que ressalta a ideia de continuidade e permanência num instante em que tudo o que está à volta parece ruir, da convicção de nossas simpatias políticas à segurança proporcionada pelo Estado.

O caminho feito por Rosa é o mesmo de vários personagens de Burman: a volta para casa no seu sentido mais amplo, como um lugar que retornamos para dar prosseguimento ao que vinha sendo feito. A cena final de “Como Nossos Pais” é exemplar, na repetição do gesto da mãe ao regar as plantas do jardim. Rosa faz o mesmo, desta vez com as duas filhas, fechando esse grande círculo.

A grande diferença aqui é a inserção da crise externa nos dilemas pessoais.  Na produção de Lais Bodanzky, ela praticamente inexiste. O que é exterior em nada interfere – até podemos forçar um pouco a barra e dizer que a falta de dinheiro do pai artista é responsável por levar a meia-irmã para a casa de Rosa, mas não é determinante, podendo facilmente ser trocada por outro artifício.

Em parceria com Luís Bolognesi, roteirista do filme, Laís troca o fundo sociopolítico do cinema argentino pela discussão do papel da mulher (e do homem, por consequência) na sociedade de hoje, com a transição daquela que é a faz-tudo de casa, desdobrando-se para cuidar de filhos e marido e ainda tendo que trabalhar, para alguém que sabe impor seus desejos e realizações.

A nova consciência não se dá como nas comédias atuais, entre elas e “Divã 2”, “Meu Passado me Condena” e “Um Namorado para Minha Mulher”, em que o conflito (e a razão do humor) está nas diferenças. O filme não quer enaltecê-las, mas sim perceber essa nova configuração familiar que surge a partir da falência do modelo anterior, reproduzido por gerações.

O marido interpretado por Paulo Vilhena não é um canalha ou estúpido, sem levar incômodo à plateia masculina, que se identificará com ele de certa maneira. Evidentemente é um personagem que não tem o mesmo desenvolvimento de Rosa, sendo responsáveis pelos momentos de leveza em seus desacertos com a esposa, pois o que Laís quer tratar, de fato, é a relação mãe e filha.

“Como Nossos Pais”, título retirado da música homônima de Belchior, tocada ao piano pela mãe de Rosa numa cena capital, é, como em muitos trabalhos de Daniel Burman, uma filme sobre a admissão de nossos genes familiares, não negando esses laços, e, ao mesmo tempo, a necessidade de amadurecimento e ruptura, não de uma maneira pontual e sim como parte de uma sociedade em transformação.

O repórter viajou a convite da organização do Festival de Cinema de Gramado

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