Crianças e pré-adolescentes conquistam milhares de seguidores na internet

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
03/05/2015 às 07:55.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:52

No final da década de 70, longe da radical transformação tecnológica na produção audiovisual, com a popularização de equipamentos portáteis de gravação e, pouco depois, com a internet, o diretor Francis Ford Coppola previu que, no futuro, não seria impossível imaginar uma obra-prima concebida por um pré-adolescente.    Corta para 2015: Carolina Monteiro, oito anos, é sucesso no YouTube com “Cabelo duro?” (mais de 157 mil views). De Divinópolis, ela defende seu cabelo crespo e dá dicas para outras crianças enfrentarem o preconceito. Janine Vitória, Julia Silva (foto acima) e Raíssa Lima são outras estrelas no YouTube, gerando conteúdo específico para o público de sua idade, a partir de um telefone celular e de programas simples de edição de imagens.    Além de produzirem reviews e tutoriais sobre brinquedos, as três têm em comum as raízes mineiras. De suas casas em BH, Betim e Itajubá, onde gravam seus vídeos, elas ganharam uma legião de fãs: juntas, já contabilizam mais de 100 mil seguidores, a maioria crianças, que se cansaram da programação televisiva e se acostumaram a passar o tempo à frente do computador.   Janine, Julia e Raíssa começaram postando vídeos de forma despretensiosa, para registrar um momento de lazer. No caso de Julia, de 9 anos, a origem do sucesso de seu canal está na mudança repentina para a França, onde seu pai foi trabalhar. “Como na TV só tinha programas em francês, ela ficava assistindo ao YouTube”, registra a mãe, Paula Queiroz.   Ao procurar vídeos sobre montagem de casinhas para bonecas, Julia reparou que não havia nenhum tutorial em português. Quando retornou, há três anos, para São José dos Campos (SP), onde nasceu, resolveu fazer ela mesma uma versão em português. Foi um sucesso. Os espectadores pediam mais. Uma outra mudança, agora para Itajubá, estimulou novos encontros com a câmera (no caso, de um celular).   “Não tinha amigos e ficava sozinha com minha mãe nas férias, sem ninguém com quem brincar”, explica Julia, agora a protagonista de mais de 500 vídeos. Ela não só conquistou amizades virtuais e passou a ser reconhecida nas ruas de Itajubá como também foi convidada para participar de um comercial de cadernos escolares.    Recentemente, esteve do outro lado da TV, como uma das entrevistadas de Fátima Bernardes.   Adolescente se livrou do bullying das colegas ao postar vídeos sobre sua paixão por bonecas   Com o êxito de seu canal no YouTube, Janine Vitória, de 14 anos, pode comemorar outra conquista: o bullying sofrido na escola já não lhe incomoda mais. Criticada pelas colegas por ainda brincar de boneca, no lugar de estar namorando, ela agora distribui autógrafos e recebe comentários carinhosos de seus seguidores, que já até formaram um fã-clube.   Alguns destes fãs estão em países como China, Japão, Laos e Camboja. Com mais de 105 mil inscritos em seu canal, o tempo de visualização de todos os seus vídeos, somados, resultaria em 115 anos. Números que chamaram a atenção dos consultores do YouTube, impressionados com os cerca de mil seguidores acrescidos a cada dia.   Embaixadora   A Hasbro também se atentou para o sucesso de Janine, convidada para ser a embaixadora no Brasil da famosa fábrica de brinquedos. “Estou muito feliz com o sucesso dela, porque foi a forma como ela superou as dificuldades da vida”, observa Cássio de Carvalho, que, como especialista em TI, logo percebeu o dom da filha para lidar com tecnologia.   “Desde pequenininha meu pai me incentivou a mexer no computador, onde eu via desenhos e tutoriais de brinquedos. Há três anos resolvi pegar meu celular e comecei a gravar vídeos em que ensino a cuidar das bonecas, além de criar uma historinha com elas. É tudo feito de forma improvisada, sem qualquer preparação”, salienta Janine.   O dinheiro que recebe com publicidade é investido em equipamentos para melhorar a qualidade da produção. Apesar de orgulhoso com o fato de sua filha já fazer o seu “pezinho de meia”, Cássio mostra preocupação com os estudos. “A escola é bem puxada e vejo até que a Janine fica um pouco angustiada por não poder postar mais do que um vídeo por mês”, afirma.   Falta de tutoriais de brinquedos em português estimulou jovem a gravar seus próprios vídeos    

Raissa, de 15 anos, ainda gosta de brincar: "Não ligo para os comentários" (Foto: Ricardo Bastos/Hoje em Dia)   Raíssa Lima tem na ponta da língua as razões que levaram o público infantil a migrar da TV para a internet. A primeira delas é não encontrar na programação televisiva tutoriais sobre brinquedos. A outra diz respeito aos comerciais. “Criança odeia propaganda”, assinala a youtubber de 15 anos, moradora do bairro Castelo, em Belo Horizonte.   Segundo Raíssa, as vantagens do mundo virtual são maiores, lembrando que boa parte das séries infantis exibidas na grade da TV está disponibilizada na internet. Mas o ingrediente mais importante carrega o nome interatividade. “Nesses canais do YouTube, a troca é bastante alta, com sugestões e mensagens que são respondidas”, explica.   Celular e computador   Raíssa abriu seu canal há um ano e o número de seguidores já ultrapassa os 30 mil. De lá para cá já realizou 70 vídeos, a maior produzida por ela, valendo-se de seu celular e um programa de computador que lhe ajuda a editar o material. Sua trajetória como blogueira começou, assim como algumas suas colegas, com a vontade de suprir a falta de tutoriais em português.   Foi o que aconteceu quando ela manifestou aos pais o desejo de ganhar um bichinho de pelúcia interativo e buscou na internet vídeos sobre o brinquedo.    “Era tudo em inglês. Assim que eu ganhei o Furby resolvi que faria um vídeo para mostrar para as crianças (como o brinquedo funcionava). Elas gostaram, os pedidos foram crescendo e não parei mais”, lembra.   Como Janine, Raíssa também sentiu na pele as observações maliciosas de colegas, sobre não se preocupar em ter um namorado, já comum nessa idade.  “Isso não tem nada a ver com a idade. Você pode brincar que terá maturidade do mesmo jeito. Não ligo para os comentários”, afirma a youtubber.   ‘Ela faz parte de uma geração que não vê TV’, diz mãe   Ao postar um vídeo em que ensina como brincar na casa de três andares da Barbie, há dois anos, Manoela Antelo só queria agradecer à amiga da avó que trouxe o brinquedo na bagagem ao voltar de uma viagem ao exterior. A gravação aconteceu no mesmo dia em que recebeu seu presente de Natal, com a ajuda da mãe Vênus. Dias depois, o número de inscrições e acessos chamou a atenção da garota carioca, hoje com 9 anos.   Mesmo assim, ela esperou seis meses para postar outro vídeo, que acompanha o momento em que Manoela adquire um Furby. Hoje, não passa uma semana sem que publique em seu canal do YouTube. “Ela faz parte de uma geração que não vê TV, a não ser quando era novinha. Para a idade dela, não há programas infantis mais”, observa Vênus.   A popularidade percebida nas abordagens nas ruas não é motivo de preocupação para a mãe, que viu uma garotinha tímida se tornar mais expansiva. Por conta dos mais de 300 mil inscritos e 73 milhões de visualizações, Vênus passou a enxergar na internet um mundo paralelo à TV, com a possibilidade de inserção de publicidade e patrocínio de empresas. “Muitas enviam brinquedos e, no caso de ela gostar, pagam um cachê”, revela.   Apesar do sucesso, Manoela não quer ser atriz ou apresentadora de TV. Gosta do termo “blogueira” e assim pretende continuar. “Evidentemente, quando ela crescer um pouco não irá querer falar mais de brinquedos, mas talvez sobre moda e maquiagem, assuntos que ela também gosta bastante”, analisa Vênus, que abandonou o emprego como auxiliar administrativa para ajudar na manutenção do canal.

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