Daniel Moreira: fotógrafo dá rosto ao "invisível"

Elemara Duarte - Hoje em Dia
05/01/2014 às 08:35.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:09
 (Daniel Moreira/Divulgação)

(Daniel Moreira/Divulgação)

Aquele senhor queimado de sol que corajosamente enfrenta o trânsito à pé ou puxando um cavalo é o alvo do ensaio fotográfico “Catadores”, de Daniel Moreira. O projeto já dá os primeiros passos e deve virar uma instalação complementada com carrinhos desses catadores transformados pelo escultor e “mestre da solda” Leandro Gabriel. O trabalho deve ser finalizado no segundo semestre, quando será exposto em galeria, ainda não definida.


O embalo de transformar a normalidade das ruas em arte começou com uma indignação. No final de 2012, um vídeo amador postado no YouTube mostrava um catador de papelão denunciando que a Prefeitura estaria planejando a retirada de catadores e pipoqueiros das ruas, para a Copa do Mundo de 2014. O relato polêmico, em poucos dias, alcançou quase meio milhão de visualizações – hoje, já são 800 mil.


A revolta fazia referência à alteração do Código de Posturas da cidade que ameaçava os trabalhadores das ruas. Na época, a chamada “política de higienização”, foi negada pela prefeitura. Mas a ação “para gringo ver” repercute ainda hoje, inclusive com o trabalho de Moreira. “O catador ambulante faz um trabalho mais evoluído do que se imagina”, reflete Daniel.


Naquela mesma época, Daniel Moreira comemorava a seleção como finalista de um dos mais importantes prêmios de arte do Brasil, o Conrado Wessel, de 2012. Graças ao ensaio “Paisagens Ambulantes 381”, no qual fotografou andarilhos na BR-381. “E o andarilho cata muita coisa”, justifica, sobre as “bagagens” dos personagens que encontrou.


Assim, chegou-se aos catadores do meio urbano. A ideia, então, foi colocá-los num estúdio – com carroças, cavalos e carrinhos improvisados. Das ruas para um estúdio, o choque estético da proposta é pelo menos curioso. Até agora, as imagens foram feitas com trabalhadores da região do Barreiro.


“Fotografei eles de lado, pois queria congelar a imagem como a gente vê de dentro do nosso carro. Se a gente conseguisse parar e reparar nessas pessoas. É um núcleo de trabalho muito honrado”, defende. Dessa forma, os catadores passam de seres, infelizmente, quase invisíveis pela maioria de nós, a personagens únicos em um estúdio com cenário específico e luz controlada. O último passo de Daniel será encher um galpão ou galeria com as fotos.


O “mestre da solda”


Há catadores que empregam a força deles para puxar alguns carrinhos que eles mesmos fazem, lotados de materiais recicláveis. Nisso, há um só corpo também, acrescenta o fotógrafo. Esses carrinhos que viraram o início da atuação do escultor Leandro Gabriel.


Em vários pontos da cidade, shoppings e praças, é possível ver as esculturas com retalhos de sucata soldados por Leandro. São árvores e caracóis expostos ao ar livre, semelhante princípio que está sendo aplicado nos carrinhos (veja nas fotos ao lado).


Até o segundo semestre, pelo menos 30 catadores, homens e mulheres de toda Belo Horizonte serão fotografados. O projeto já foi aprovado na Lei de Incentivo à Cultura e está em processo de captação.


Mãe ingrata


A adesão dos personagens trouxe também histórias doídas ao fotógrafo. “Muitos tiraram a identidade há pouco tempo e alegam falta de preparo para um em prego formal. Alguns vieram de famílias desestruturadas ou são ex-drogados e viram no trabalho uma chance para recuperar a dignidade”. Há catadores que andam cerca de 15 quilômetros/dia.


A maioria dos fotografados nasceu em BH – implacavelmente, a mesma cidade-mãe que também os ameaça e exclui. “Eles disseram que são tratados como mendigos. As pessoas não gostam de conversar. Eles têm muito medo de serem roubados. Inclusive, os carrinhos geralmente são roubados. Acontece muito caso de atropelamento, por que os motoristas não respeitam”, enumera. 

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