De forma angustiante, filme de Ken Loach mostra precarização do trabalho

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
28/02/2020 às 09:49.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:47

"Você Não Estava Aqui” não foge ao mote de outros filmes do diretor inglês Ken Loach: a luta do trabalhador diante de um sistema capitalista que lhe suga cada vez mais, oprimindo-o a um ponto em que é preciso tomar medidas drásticas para poder sobreviver.

Em cartaz nos cinemas, o filme, porém, não tem o humor que caracteriza várias obras do realizador. “Chuva de Pedras” (1992), por exemplar, exibe protagonista similar, casado, com uma filha pequena e desempregado, mas é conduzido com certa leveza, ao mostrar a realidade do subúrbio londrino.

Outro diferencial em “Você Não Estava Aqui” é que não há um “culpado” visível. Não se trata de um problema de governo, como a batalha do personagem de “Eu, Daniel Blake” (2016) para se aposentar. E muito menos de uma empresa convencional que explora seus funcionários.

No lugar da informalidade vista em “Riff-Raff” (1991), em que um ex-detento trabalha como operário da construção civil de forma ilegal, “Você Não Estava Aqui” registra um modelo de trabalho em que, apesar de se dizer autônomo, os laços de exploração continuam os mesmos.

A cena de abertura é muito didática neste sentido: Ricky está numa entrevista de emprego numa empresa franqueada de entregas de encomendas. Ele é aceito não como aquele que estará “com”, mas sim “conosco”, aparentemente usufruindo de certa liberdade e bom salário.

No contrato, apesar de não ser assalariado e não receber qualquer outro tipo de benefício, se vê preso a uma armadilha em que precisará vender o carro da esposa e criar uma dívida para comprar uma van e assumir todos os riscos – desde encomendas extraviadas à perda do rastreador.

Para cumprir as rotas com rapidez e eficiência, Ricky passa a trabalhar o dia inteiro, vendo o valor que ele e sua esposa Abbie tanto preservaram ruir em pouco tempo: a união familiar. O único “bem” sucumbe diante de um sistema que transforma o ser humano em robô.

Loach consegue traduzir esta “automação” nos tensos diálogos de Ricky com o chefe, a quem só interessam os resultados. Os problemas que naturalmente surgem na vida de uma pessoa são “punidos” com severas multas –a única forma de evitá-las é encontrar um motorista substituto.
Num ritmo progressivamente angustiante, Loach mostra que as responsabilidades que antes pertenciam às empresas foram transferidas para os funcionários, Numa das melhores cenas, Abbie e filhos cercam a van e tentam a todo custo tirar um Ricky em frangalhos do volante.

Sem o recurso do humor, Loach faz um de seus longas mais pessimistas, embora se enxergue nos filhos de Ricky uma mudança futura, apontando para uma geração que, após acompanhar o sofrimento dos pais dentro daquilo que seriam modelos de sucesso, opta por caminhos alternat

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