Defensora estrênua do diálogo, Marcia Tiburi aposta em provocação filosófica

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
22/11/2015 às 13:04.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:02
 (Gabriel Araújo / Divulgação)

(Gabriel Araújo / Divulgação)

Logo no início de sua mais nova incursão no mercado literário – “Como Conversar com um Fascista – Reflexões Sobre o Cotidiano Autoritário Brasileiro” (Editora Record, 196 páginas) – a filósofa Marcia Tiburi discorre sobre um ato que, por mais prosaico e incorporado ao cotidiano que possa parecer – reveste-se internamente de uma importância que precisa ser constantemente ressaltada.

O ato ao qual estamos nos referindo é o diálogo, “ato linguístico complexo, capaz de promover ações de transformações em diversos níveis”, assinala Tiburi, que passou pela capital mineira na última terça-feira, para falar sobre o conteúdo da obra em mais uma edição do “Sempre um Papo”.

O diálogo, frisa a ex-integrante do “Saia Justa” (GNT), é uma prática da não violência. Quando não entra em cena, pois, abrem-se as comportas da violência, o que favorece o direcionamento dos holofotes na cena sobre os “fascistas” apontados pelo título – na verdade, o que Marcia Tiburi denomina fascista seria “um tipo psicopolítico bastante comum”. “Sua característica é ser politicamente pobre”. O empobrecimento do qual é portador se deu pela perda da dimensão do diálogo.

No prefácio, o deputado Jean Wyllys colabora com o ensejo de debate ao falar sobre o analfabetismo político da contemporaneidade, que participa dos acontecimentos políticos “opinando” nas redes sociais digitais sem qualquer cuidado crítico”. Confira, a seguir, uma entrevista com Tiburi.

Como se deu o insight de escrever esse livro? Surgiu de um, digamos assim, conjunto de observações sobre o recrudescimento do ódio no Brasil, ou houve um fato específico (que leu, observou), emblemático?

O livro nasce da percepção do empobrecimento da linguagem, do empobrecimento da política pela interrupção do diálogo. As manifestações de autoritarismo no cotidiano brasileiro têm sido objeto de minhas reflexões há algum tempo, mas é inegável que, nos últimos anos, cresceram as exteriorizações de ódio e outras práticas que costumam ser chamadas de “fascistas”.

Todo mundo conhece um “fascista”, um tipo psicopolítico bastante comum, alguém que perdeu a dimensão do diálogo, intelectualmente pobre, que reproduz discursos prontos, discursos de ódio, justamente porque é incapaz de ouvir o outro e de refletir sobre a diferença.

Ao abrir qualquer jornal, podemos constatar que o autoritarismo contagiou parcela considerável da sociedade brasileira, naquilo que chamei de autoritarismo cotidiano, com atos de violência simbólica e física, linchamentos, odes à ignorância, a aposta em soluções de força para os mais variados problemas sociais, a demonização de pessoas, a recusa ao diálogo. Por tudo isso, me pareceu importante escrever esse livro para pensar com os leitores sobre questões da cultura experimentadas diariamente, de modo aberto.

Que fatores, na sua opinião, corroboraram para esse ódio disseminado hoje na nossa sociedade, e que vemos por toda parte, nos supermercados, nos restaurantes, no trânsito?

A meu ver, há uma autorização geral ao ódio que se exerce sobretudo como linguagem. O fascismo sempre foi um jogo de linguagem forjado a partir do ódio, mas o ódio não é um afeto natural. Assim como o amor, ele é cultural. Se alimentamos o ódio, se fomentamos o ódio, ele cresce, se fomentamos o amor, ele cresce.

É claro que temos que nos perguntar por que algumas pessoas são mais suscetíveis à propaganda do ódio, mas é verdade também que a expressão é poder e muita gente se sente mais poderosa por aderir ao discurso pronto. O discurso que está em cena atualmente, que está valendo, é o que nega o outro, que maltrata, que humilha, que se posiciona como uma verdade enquanto oculta-se como preconceito.

O fascismo precisa expressar-se por meio de palavras e imagens. Temos que perceber que ele é um processo discursivo para poder mudar esse jogo. Parece que as pessoas se sentem poderosas por meio do xingamento e do rebaixamento do discurso à gritaria justamente porque, por meio disso, se consegue parecer melhor do que se é. Fascista é aquele que, ao humilhar o outro, acredita tornar-se superior a ele.

Quem pensa e age dentro de um regime de pensamento autoritário precisa dessa lógica inferior/superior, quem funciona dentro de um regime de pensamento democrático não usa essa binariedade que está no cerne de todos os preconceitos. As pessoas têm preconceitos, mas o fascismo é a espetacularização e a ação que nasce desses preconceitos expostos como um capital, um poder, algo que se pode ostentar.

Há “cura” para tanta intransigência? Pelo que vejo, as pessoas estão estanques em suas posições, não abertas a dialogar com quem discorde de suas ideias...

É bem mais grave do que uma doença que pudesse ser curada. Digamos que haja uma relação com a cura quando se trata de doença. Mas no caso do fascismo, se trata de um modo de ser psicopolítico. Há afetos que são forjados. Esses afetos são produzidos pelos poderes vigentes, sobretudo pelos meios de comunicação de massas que não oferecem a chance do pensamento reflexivo às pessoas, mas que servem pensamento e afetos prontos.

O ódio tem sido muito divulgado por meio da TV, dos jornais, das revistas, das redes sociais. Creio que as pessoas poderiam se posicionar a favor do diálogo se esse jogo de linguagem fosse proposto em uma escala maior. É o que eu estou tentando fazer com o meu livro, propor que a gente pense no motivo pelo qual conversar com o outro não interessa, motivo pelo qual nos tornamos facistas.

Desde que o livro foi lançado, que reações tem aferido?

Eu escrevi esse livro pensando que, se não pudermos conversar com um fascista, o que está posto no livro com ironia filosófica, pelo menos não nos tornaremos um... claro que ele é uma provocação filosófica. O livro está sendo muito bem recebido por muita gente. Gente que ainda quer conversar...

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