Dercy Gonçalves “ajuda” perfil no Facebook a inspirar o bom comportamento

Elemara Duarte - Hoje em Dia
03/02/2016 às 07:28.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:17
 (Hoje em Dia)

(Hoje em Dia)

A memória da desbocada artista Dercy Gonçalves serviu de inspiração para a técnica em química Jessica Daiane, de 24 anos, criar, por pura brincadeira, um curioso perfil no Facebook: “Alunos da aula de etiqueta da Dercy Gonçalves”.

Despretensiosamente Jessica, moradora de Rio Claro (SP), marcou o dia de uma das “aulas” para o último 15 de janeiro, quando reuniu inscrições de mais de 295 mil participantes on-line. “Do nada veio a Dercy, que falava muito palavrão. Mas é uma ironia. Em uma semana, tinha 100 mil confirmados. Joguei uma data qualquer. Mas foi um evento fake. Eu não falo palavrão. Nunca fiz aula de etiqueta, minha mãe e meu pai me deram educação suficiente”, avisa a administradora do perfil.

Pela internet já foram promovidas por outros internautas datas fake como “Teste coletivo de DNA”, “Excursão com o Titanic”. "Mas com a minha aula, tentei chamar a atenção tanto de homens quanto de mulheres”. E ela conseguiu. Com os esculachos presentes nas frases de Dercy, que morreu em 2008, indiretamente, a jovem levantou uma bandeira para o bom comportamento.

“Boa tarde e boa noite – para falar e responder. A gente chega em um lugar e fala ‘bom dia’ e nem um grilo responde. Obrigada, por favor, desculpe-me. É comportamento básico e que todo mundo deveria ter”, ensina. Para Jessica, a “aula de etiqueta da Dercy” é o que acontece hoje no mundo, nas reações ruins das pessoas. “Quando vejo um casal brigando e xingando um ao outro, fico horrorizada. É feio. A brincadeira mostra a realidade”.

Mundo real

E as aulas de etiqueta de verdade, tão comuns há algumas décadas, ainda existem? Sim, mas agora colocadas como “etiqueta moderna” ou "contemporânea", portanto, mais flexível. “Se a pessoa tem um hábito que é grosseiro ou que prejudique outras pessoas, e de alguma forma ela mudou e está se tornando mais gentil, ela já cumpriu a aula”, explica a professora e proprietária da Sofist Etiqueta Social e Profissional, Chris Millard.

A professora explica que a educação de uma pessoa não pode depender da outra pessoa. “Eu não posso ser seu espelho, agindo grosseiramente de forma gratuita. É preciso ter uma barreira para isso. Seja com o motorista do ônibus, com o trocador. Comportamentos inadequados não precisam se tornar uma bola de neve”, ensina.

Para Chris, “falta de educação deve ser respondida com boa educação”. “A maior falta de etiqueta é não respeitar o outro. Essa é a falta de etiqueta mor. Pior que errar os talheres é destratar o garçom”.

 

CHRIS MILLARD - "Delicadeza não é questão de dinheiro, é questão de atitude". E uma "atitude" chique e contra o desperdício, ensina a professora, é levar para casa o vinho e a refeição que sobraram de um pedido no restaurante

 

Professora quer implementar curso nas escolas públicas

A professora de “etiqueta moderna” Chris Millard é fina. Carrega um sobrenome de origem suíça, é formada em administração com especialização em Recursos Humanos, e aluna de psicopedagogia. E ao terminar a formação, se lançará em um projeto para ensinar etiqueta voluntariamente em escolas públicas de Belo Horizonte.

Aos 13 anos, ela fez aulas de etiqueta na Socila, sigla para Sociedade Civil de Intercâmbio Literário e Artístico, extinta escola que ensinava regras de etiqueta e beleza para mulheres em várias filiais pelo país. “Porém, de lá pra cá, diz, muita coisa mudou”, observa Chris, que publica artigos sobre o assunto em um blog.

“Todas as mocinhas tinham que fazer Socila, senão estavam desatualizadas. Era uma preparação para a vida da mulher adulta. Aprendia a andar, montar a mesa, receber visitas. Mas era voltado para adolescentes. Nas consultorias, percebi que estas questões eram uma dificuldade de pessoas adultas”, relata.

Na Sofist, ela organiza encontros e cursos com grupos de quatro pessoas para um jantar harmonizado. “É o ‘Encontrinho Sofist’. Chego com duas horas de antecedência e faço uma aula de ‘etiqueta moderna’”. Nas consultorias de RH, de tanto ficar dando dicas sobre etiqueta em eventos para as empresas, viu a necessidade de ingressar no segmento, em 2008.

“Se você está em um restaurante, antes, chamaria o garçom. Hoje apanha o guardanapo e depois o chama. A nova etiqueta veio para facilitar. É se adequar ao ambiente em que se vive respeitando inclusive o próximo. Ficam tão preocupados em saber o que é etiqueta e se esquecem de agradecer e dizer ‘por favor’”, afirma a consultora.

“Será para meninos e meninas. Se eles tiverem uma aula, e se for gratuita, isso pode abrir portas par eles”, acredita Chris Millard. Na cartilha, ela pretende ensinar como reclamar pelos direitos “sem perder a cabeça”; como se comportar em uma confraternização de empresa ou em um casamento; como usar uma roupa adequada para ir ao trabalho; e como se comportar em uma entrevista de trabalho. “Não é futilidade”, conclui. E ela tem razão.

Além disso...

A Escola de Princesa é uma franquia de etiqueta para meninas que tem feito a cabeça de muitas meninas – e das mães delas também. “A Missão da Escola é oferecer serviços de excelência que propiciem experiências de natureza intelectual, comportamental e vivencial do dia a dia da realeza, para meninas com idade entre 4 e 15 anos que sonham em se tornar princesas e fazê-las resgatar a essência feminina que existe em seus corações”, diz o site da empresa, que possui filiais em MG e em SP. Entre as modalidades estão os cursos “Vida de Princesa” e “Férias da Princesa”. São atividades teóricas e práticas para boa postura, oratória, organização, e também, ampliação de conhecimentos globais, relações interpessoais, política e sustentabilidade. Chris Millard lembra que ministrou palestras sobre “etiqueta para rainhas” na Escola, ou seja, para as mães das “princesas”. “É bem próximo do que era a Socila, mas para crianças”, comenta.

 

A seguir, confira algumas dicas de etiqueta atualizadas da professora Chris Millard:

Intolerância

“Também é deselegante. Evite assuntos como religião, política e futebol, que não deveriam estar presentes em momentos de confraternização. Em rede social evite polêmicas, inclusive se você for um formador de opinião”.

Ostentação

“A etiqueta moderna é não ostentar. Está em uma balada e vem uma moça com champagne caríssimo com fogos de artifícios no gargalo. Entendo que a boate precisar vender. Mas não é elegante chamar atenção para a própria mesa. Não precisa disso. Outro caso: a pessoa faz uma viagem ao exterior e usa todas as redes sociais para mostrar as fotos. Será que a vida dela é só glamour? Sou professora de etiqueta, mas tem dias que chego em casa e vou fazer um mexidinho. Há dias que acordo e calço pantufas ou tenho que usar uma calça de moletom. Isso porque todos temos altos e baixos. Um artista sai de casa sem maquiagem e vira notícia. A pessoa está chorando vira notícia. Nós temos que nos policiar diante disso”.

Gourmet

“Às vezes tudo que você quer é uma comidinha simples. Não é falta de etiqueta gostar de uma comidinha caseira. Às vezes, a simplicidade pode ser totalmente sofisticada. Já ouviu falar no Tropeiro do Zezé? (Restaurante em Contagem) O tropeiro é comido com colher e em uma cumbuca. Como ter etiqueta ali? Você vai pedir 'por favor' e 'obrigada' ao garçom. Se você vai a um pagode, não vá com vestido longo, mas também, não precisa ir pelada. Não mostre tudo ao mesmo tempo pois parece que está em promoção”.

Pegação

“É deselegante. Você tem um comportamento que é seu, mas se você fica com todo mundo, é no mínimo curioso diante de outros olhos. Depois você vai querer que as pessoas lhe vejam de forma diferente. E para alterar esta imagem é muito difícil. É um comportamento deselegante tanto para homens quanto para mulheres. Estamos em uma sociedade que tem parâmetros de comportamento. O seu comportamento vai ditar a sua maneira de agir e isso pode ser benéfico ou maléfico”.

Gritar

“Os extremos são deselegantes. E não toque nas pessoas quando fala. A distância média de uma pessoa é de um braço. Não leve para as redes sociais o berro do campo. Palavrões presentes no cotidiano ditos para felicidade ou para a raiva podem ofender alguém. Os integrantes de um time de futebol 'vão tomar' nada mais que água, e não 'vão para lugar' algum, que não o campo. Somos a somatória das nossas palavras e sobretudo ações. Ainda mais no tom que for dito. Já reclamar não é sinônimo de ser agressivo. Deve-se reclamar dentro do seu direito, mas também sabendo quais são os seus direitos e deveres”.

Ônibus

“Ônibus cheio, lotado? Peça licença, se ofereça para carregar objetos de alguém. Um dia fui tirar xerox e pedi 'por favor' e parece que o balconista achou tão educado e diferente (como se ela estivesse implorando) que respondeu: 'A gente não faz fiado'. Muita gente usa a falta de tempo para não ter educação. O 'por favor' demora menos que dois segundos, e o 'obrigado', também. E dá para ter etiqueta na fila do banco? Sim! Não fure a fila”.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por