Dibigode mostra em 'Garnizé' leitura para composições do sambista mineiro Ataulfo Alves

Patrícia Cassese* - Hoje em Dia
14/04/2015 às 08:37.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:38
 (Bárbara Magri)

(Bárbara Magri)

Contrariando a máxima de que o Brasil é um país sem memória, o segundo disco do Dibigode lança novas luzes sobre a lavra de um dos ícones das páginas musicais do país: Ataulfo Alves (1909 – 1969). O quinteto – Gabriel Perpétuo (guitarra), Vicente França (guitarra), Guilherme Peluci (sax), Antônio Vinícius (baixo) e Tiago Eiras (bateria) – submete o resultado de sua imersão no universo do mineiro de Miraí à aprovação do público nesta terça-feira (14), no palco do Francisco Nunes. Batizado de “Garnizé” (apelido de Ataulfo), o segundo álbum do grupo passeia por composições como “Atire a Primeira Pedra”, “Você Passa eu Acho Graça” ou “Ai, Que Saudades da Amélia”.
Na verdade, trata-se de um repertório sobre o qual seria injusto dizer que estava no limbo. Ataulfo Alves tem sido uma fonte constante para artistas contemporâneos. E os exemplos estão aí para dar calço à afirmação: o grupo Angu Stereo Clube, por exemplo, gravou, em julho do ano passado, a canção “Laranja Madura”, para disco (homônimo à banda), lançado durante o festival Verão Arte Contemporânea (VAC)
“Ataulfo tem um samba de harmonia sofisticada e melódica. Acho que isso vem do mineiro, de fazer algo elegante e rebuscado. Além disso, as letras contêm uma crítica social de ironia refinada, e bom humor. O que ele fazia era diferente de outros caras, como Adoniran Barbosa, Nelson Cavaquinho. Ataulfo é uma pérola da nossa música”, frisa o cantor e compositor Deco Lima, que começou a escutar o trabalho de Ataulfo ainda na infância. “Me lembro dos meus pais ouvindo”.
Dona Jandira, 76, é outra que cresceu ouvindo Ataulfo. “Canto há dez anos. Em todos os meus shows tem que ter uma canção dele, como, ‘Leva Meu Samba’ ou ‘Ai, Que Saudades da Amélia’. Ele transformava coisas simples em grandes melodias e versos”.
A cantora, aliás, estará logo mais no palco, junto ao Dibigode, repetindo a dobradinha que, na verdade, foi o epicentro de toda essa história. A convite do produtor Pedrinho Alves Madeira, as duas partes se encontraram em dezembro de 2013, no Memorial Minas Vale, dentro do projeto “Mistura Minas”. “A gente (o Dibigode) conhecia o básico de Ataulfo Alves, compreendia a importância de sua música, mas não conhecia a fundo, a obra completa. Quando veio a ideia do disco, a gente resolveu que não queria fazer uma simples releitura, mas criar sobre a música dele. Deixando o rastro da composição original, mas sob um novo olhar”, diz Tiago Eiras. Quanto ao repertório, a ideia foi buscar o equilíbrio, “sem ficar só no óbvio, mas também sem enfatizar só o lado B”. Ataulfo, sem dúvida, aprovaria o resultado.   Compositor centenário aos dias de hoje

O álbum “Garnizé” foi produzido por Zachary Hollander, em abril de 2014 no estúdio The Pearl em Mineápolis, Estados Unidos, e, além de Dona Jandira, traz participação do clarinetista americano Pat O’Keefe. "Garnizé" sucede  “Naturais e idênticos ao natural de pimentas da Jamaica e Preta”, primeiro álbum da banda,  lançado em 2011 e oferecido para download gratuito no site oficial. Cumpre dizer que, à época, o grupo criou um livro de 60 páginas de poesia, fotografias e ilustrações de diversos artistas para o lançamento do álbum. Desde então, o Dibigode não parou mais. Nos últimos anos, o quinteto assinou projetos como a trilha sonora “Plano”, para a Cia. Sesc de Dança, uma performance na São Paulo Fashion Week, o lançamento do EP Live Session Midwest Tour 2013e um show na casa de um excêntrico colecionador de tigres em Chicago. O segundo álbum da banda, junto a uma  turnê por sete cidades, foi selecionado no edital Minas Gerais Natura Musical para receber o patrocínio do programa. A turnê de lançamento de “Garnizé” começou mês passado e já foi inclusive aos EUA (quatro shows em Minneapolis) e Rio de Janeiro. Depois de BH, o grupo segue para Juiz de Fora (dia 22/4), Uberlândia (15/05), Salvador(23/5) e São Paulo(28/5).

Leia, a seguir, sobre o disco "Garnizé" faixa a faixa

Laranja Madura

Um dos maiores clássicos do mestre Ataulfo Alves, essa canção carrega uma pegada muito forte com timbres jazzísticos e frases que  visam prender a atenção. O único tema que remete ao sucesso de Ataulfo é o refrão. É como uma obra sobre outra obra. Foi uma música feita em cima da música “Laranja Madura”, e não uma releitura. Essa música está presente em todos os shows da banda e é um dos cartões de visita. Será a primeira a receber um clipe desse disco.

Lá na quebrada do monte

"Essa é a música mais desconhecida de Ataulfo Alves que está no repertório. Na quebrada do monte é um lado B do compositor. A nossa versão é chamada internamente de Madonna, por ter uma pegada mais pop. O tema central de Ataulfo também é explícito, embora se desconstrua durante a música".

Meus tempos de criança

Nessa música, o Dibigode trabalha com um estilo totalmente inusitado para a banda, o eletrônico. A música se constrói de forma que fica irreconhecível o clássico de Ataulfo Alves e, para finalizar, entra a voz original do Ataulfo cantando um refrão que é o hino nostálgico para milhares de famílias mineiras “Que saudades da professorinha, que me ensinou o bê-a-bá” e faz da música do Dibigode um hino nostálgico também.

Atire a primeira pedra

Para dar uma inusitada no disco, o Dibigode improvisa um chorinho com um ar hilário e espontâneo. Com uma nítida falta de experiência no estilo, a música se coloca como uma quebra de gelo, um momento para relembrar as mesas de boteco, aonde surgiu o samba e aonde milhares de brasileiros o reproduz. Essa música possui a participação 100% improvisada do clarinetista americano Pat O’Keefe.

Mulata Assanhada

Mulata Assanhada possui o tema central de Ataulfo Alves bem camuflado em meio a guitarras viajadas e introspectivas. A música é vista pelo grupo como o momento ápice do disco, com um auge que chega ao topo e depois retorna com toda a cautela. "A Mulata Assanhada de Ataulfo remete a uma moça que tira o sossego da gente, nossa versão retira o sossego e te devolve ainda mais assossegado. Uma mulata bem diferente daquela do Ataulfo Alves".

Ai, que saudades da Amélia

Com uma combinação inusitada entre o samba clássico e a música gipsy, ambas típicas dos anos 20/30, o Dibigode expõe a universalidade e a atemporalidade de Ataulfo Alves. A música se constrói de uma forma que deixa o ouvinte na dúvida se a música é de fato um gipsy clássico ou o grande sucesso de Ataulfo. Com a participação na Clarineta e no Clarone do americano Pat O’Keefe a estética da música se alimenta ainda mais com os timbres e pegadas tipicamente americanas, o que dá ainda mais uma caracterização do estilo gipsy.

Na cadência do Samba

Como o maior sucesso de Ataulfo Alves, essa música foi respeitada em seu gênero canção e é a única música com letra que o Dibigode já gravou. A participação da Dona Jandira traz a malemolência que faltava para o disco se firmar como uma homenagem à um sambista. A cantora fez uma impecável participação com sua interpretação digna de uma cantora de samba dos anos 30. A amizade do Dibigode com a Dona Jandira começou antes da gravação e perdura até hoje. A cantora irá se apresentar no show de lançamento em Belo Horizonte.

Você passa eu acho graça

A releitura de “Você passa, eu acho graça”, é a música do disco mais presente nos shows. Com uma levada funkeada e um final puxado pro frevo, ela é a música mais animada do show. O tema clássico de Ataulfo é explicitamente citado na música, o que deixa a canção com um ar mais claro de releitura. Essa música possui duas versões, uma está no EP “Live Session Midwest Tour 2013” e a outra no disco “Garnizé”.

Para ver e ouvir
Dibigode – Sessão Alto Falante 2013


Dibigode - Clipe da faixa “Mongra do Criolo Doido”


Dibigode – Midwest Tour USA 2013



 

Redes

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SoundCloud - Dibigode
YouTube - youtube.com/Dibigode

* Colaborou Vanessa Perroni
Dibigode – nesta terça-feira (14), 20h, no Francisco Nunes (Parque Municipal). R$ 10 e R$ 5 (meia).

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