'Divino Amor' projeta Brasil do futuro

Paulo Henrique Silva
27/06/2019 às 07:59.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:17
 (VITRINE/DIVULGAÇÃO)

(VITRINE/DIVULGAÇÃO)

 Oriundo da classe média baixa de Recife, o diretor Gabriel Mascaro acompanhou de perto a transformação de cenário no próprio bairro, quando percebeu “uma consolidação muito expressiva de igrejas e templos, provocando um impacto social e cultural na comunidade”. É a partir desse olhar – agora mais amplo, buscando antecipar um Brasil do futuro em que o Estado religioso passaria a predominar – que Mascaro concebeu “Divino Amor”. Estreia de hoje nos cinemas, o filme protagonizado por Dira Paes é um alerta para um país que parece rumar a passos largos em direção ao conservadorismo. Antes que alguém pergunte, Mascaro avisa que a produção é muito anterior à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. Curiosamente, porém, algumas das decisões do governante, em torno de questões morais, ganham uma “resposta” no filme, em forma de alegoria. “Há quatro anos, quando comecei a escrever o roteiro, após ver cada vez mais o conservadorismo chegar à política, fazer esse filme se tornou prioridade minha”, diz o cineasta de obras premiadas, como “Ventos de Agosto” (2014) e “Boi Neon” (2015). Na história, Dira Paes interpreta uma evangélica que, no cartório onde trabalha, tenta fazer com que casais mudem de ideia sobre o divórcio.  “Estamos falando de uma religião hegemônica que mudou culturalmente o país. Começo o filme fazendo uma alteração simbólica, em que a festa maior do país, o Carnaval, já não existe mais (no filme, é trocado por uma espécie de rave evangélica, com música eletrônica e ambientes sofisticados)”, analisa. Ele pondera que existem várias correntes evangélicas, mas que um projeto maior acabou prevalecendo no Brasil. Drive-thruA partir da protagonista, o realizador imprime uma visão menos maniqueísta. Joana (Dira Paes) é uma anti-heroína, pela qual Mascaro projeta os desejos divinos ao mesmo tempo em que questiona as atitudes, “abarcando as contradições do sistema”. O ponto máximo desta análise se dá quando Joana passa a frequentar um drive-thru evangélico, em que um pastor oferece sermões como se fossem fast food. “É um exemplo da sofisticação e da complexidade destas igrejas, que, em nome de um projeto de poder, vão aonde o povo está. O drive-thru seria o instrumento de radicalização deste discurso, em que se tem uma palavra de conforto rápida ao mesmo tempo que se apropria de elementos da cultura pop. É um gesto que soa liberal, mas é ultraconservador. A religião está cada vez mais viva e perigosa”, observa.

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