Do outro lado do oceano, um oásis de preservação de uma cultura milenar

Elemara Duarte e Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
21/07/2015 às 06:30.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:00
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

A Grécia está quebrada financeiramente, mas quando o assunto é a sua cultura milenar, tudo está intacto, mesmo entre os filhos que, há décadas, escolheram outras nações para viver. A força deste legado tem, entre seus representantes em BH, Filippos Xenos, 89 anos. Ex-presidente da Comunidade Helênica por três vezes, o ateniense fez, de sua casa, uma espécie de “ilha” de cultura do país que não sai da mídia.

Neste sentido, não há crise na visão do artista plástico. Filippos radicou-se no Brasil por amor à família – a esposa, a mineira Marília de Dirceu, e o filho. “É o nosso maior patrimônio”. Estudo e cultura também. “Sempre disse a meu filho: não vou deixar riquezas, mas se quiser estudar, terá sempre meu apoio”. O rebento, hoje, fala seis idiomas e trabalha como consultor em uma multinacional.

Filippos recebe a reportagem em uma sala cheia de “ícones” gregos – quadros de imagens sacras. E a com três mãos? “É uma Nossa Senhora. As três mãos significam que ela pode fazer muita coisa ao mesmo tempo. Tem algo a mais que o ser humano”, explica ele, que foi criado na Igreja Cristã Ortodoxa Grega.

Cristão ou pagão?

A estatueta da esfinge, meio humana, meio bicho, está logo na entrada do apartamento. Mas, diferentemente do mito grego, a representação não está ali para desafiar visitantes com enigmas à maneira do “decifra-me ou devoro-te”, e sim para ilustrar parte de uma das inúmeras histórias guardadas pela família greco-brasileira. “São dez mil anos de histórias”, pontua o anfitrião.

“O grego ainda é meio pagão. Estes mitos ainda têm muita importância folclórica por lá”, justifica Filippos. O artista aponta para um dos mitos, que parece uma estatueta do Oscar. É uma representação humana e faz parte da mitologia das ilhas Cíclades.

Na cozinha, prepara o famoso “café grego”. A bebida é fervida com pó em um “brikis”, micro-chaleira típica grega, para uma dose apenas. Costume que trouxe desde 1957, quando pisou no Brasil pela primeira vez.

Café grego não se coa. O pó é mais fino e tem uma torra mais clara. É preciso esperar um pouco para que a borra decante. E fica bom, mais cremoso, mais forte. “Algumas pessoas dizem que conseguem ler o futuro nisso que sobra no fundo”, diz ele.

Para acompanhar, Marília traz queijo grego (feta) – feito com leite de cabra e ovelha – e servido com melancia. Exótica mistura. Na boca, o queijo salgado se derrete e se mistura à suculenta e doce melancia – em um “Romeu e Julieta” à grega. Porém, mais saudável.

Sobe a fumaça do café e Filippos fala da crise gerada porque houve mais gastos do que lucro.

E defende o corte de privilégios. “A crise não vai acabar, é no mundo todo. Porque quanto mais cresce a população, mais as necessidades aumentam e mais o capital quer o dinheiro de volta”, opina.

Filippos cita um dos descompassos da economia grega: “Aposentam um cara com 50 anos de idade e dão a ele 18 salários por ano. Depois, ninguém quer perder os privilégios. Se endividaram sem ter a renda. E não era nem dinheiro deles, era importado de bancos europeus”, analisa o artista, que ainda hoje, perto de completar 90 anos, trabalha diariamente no ateliê de restauração.

 

No exército - Artista plástico Pilippos Xenos guarda carteira com passado militar

 

No Brasil para fugir da Guerra

Mais uma fatia – ou “feta” – de queijo com melancia e a cultura volta aos temas na casa dos Xenos. Na Grécia, Filippos conta que estudou teatro, aprendeu a restaurar artes com o pai e se viu ser transformado de “príncipe a mendigo” com a 2ª Guerra Mundial.

Aos 17 anos, foi espião na inteligência da guerrilha grega “por amor à pátria”. Após servir o exército e, cansado das crises políticas da época, veio para o Brasil e conheceu Marília, que era dona de uma livraria em BH. Eles se apaixonaram e Filippos não voltou mais para a terra de Sócrates e Platão. Aqui, passou a trabalhar com o ofício que aprendeu com o pai. “De São Paulo eu vim para Belo Horizonte por causa do clima, e tinha amigos aqui”.

Filippos chegou aqui e, por sentir preconceito com os atores, deixou a informação sobre a segunda profissão de lado. “Teatro parece um vício. Quando você sobe no palco, não quer sair mais”, afirma. Para Filippos, o teatro é exercício que qualquer pessoa precisa fazer. “Ele aguça os sentidos. E eu militei na melhor escola de teatro da Grécia”.

Ele lembra de ver um anúncio no jornal chamando candidatos a atores. Nas seleções, ele viu “umas 400 pessoas” em um pátio e lembrou do provérbio grego: “O que a raposa quer no mercado? Apanhar?”. “Era um mais bonito que o outro”. Pela escola em Atenas, cita, passaram atrizes como Melina Mercouri (1920-1994), Irene Papas (1926). “Era o ‘top’ do teatro grego. Então me disseram que faltavam os ‘tipos’ como eu”.

“Eu tomava café com Melina. Na Grécia, os artistas não têm vedetismos. Quem já se formou volta para a escola, que tinha um teatro, para conversar com o diretor, os novos alunos. Éramos conhecidos”, diz.

“Na Grécia eles têm costume de dar lembranças. Para agradar. Você vai em um restaurante e sempre chegam com um café, água, uma sobremesa de graça”, conta Marília de Dirceu.

Parece que a mineira que conquistou o coração do artista plástico também se rendeu à irresistível cultura grega. Ao se despedir da equipe, ela vai ao quarto e volta com um “komboloi” de pedras azuis-piscina e oferece de presente para a repórter. “É para desestressar. Veja o toque, é a eletrostática. É um passatempo”, explica o grego. “Efharisto”, Philippos! (E.D.)

 

O lado cristão - A Nossa Senhora com suas três mãos e muitos dons

 

Cineastas gregos retratam a crise econômica com ousadia

O cinema da terra de Irene Papas e Melina Mercouri – duas atrizes de rostos e estilos marcantes no Olimpo da tela grande– renasceu nos últimos cinco anos, como resposta à crise econômica no país, chamando a atenção em festivais por sua ousadia, provocação e bizarrice.

Não por acaso, essa safra, comandada por jovens diretores como Giorgos Lanthimos, Alexandro Avranas e Ektoras Lygizos, leva o nome de “Estranha Onda Grega”, que dribla a falta de recursos com produções de baixo orçamento, cheias de criatividade.

Alguns títulos já começam a chegar no Brasil, como “Dente Canino” (Melhor Filme na Mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes), “Miss Violence” (Ator e diretor no Festival de Veneza) e “O Garoto que Come Alpiste” (indicação ao Oscar).

É um cinema muito diferente das obras que Michael Cacoyannis (“Zorba, o Grego”) e Constantin Costa-Gavras (“Z”) lançaram entre as décadas de 1950 e 1980, que retratavam a situação política de forma mais direta, além de enaltecerem a riqueza histórica.

A nova geração não reverencia um dos berços da cultura ocidental e se escora em narrativas metafóricas, recorrendo muitas vezes à falência da instituição familiar como uma crítica ao papel do Estado, inoperante e manipulador.

A riqueza de conteúdo do cinema grego atual remete à produção argentina do início desse século, que refletiu a instabilidade social e econômica como pano de fundo, exibindo personagens divididos e perdidos em busca de suas identidades.

Apesar de igualmente baratos, os argentinos optaram pela ternura. Já os gregos se agarraram à estranheza. Como o protagonista Yorgos de “O Garoto que Come Alpiste” (filme de Lygizos), que, desempregado e despejado, vive uma peregrinação surreal por alimentos.

Mas foi “Miss Violence”, de Avranas, que mais impacto provocou nas audiências internacionais. A partir da morte de uma garota de 11 anos, que se suicida durante sua festa de aniversário, somos apresentados, de forma inquietante, a uma família atípica. (P.H.D.)

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