Do palco para o bloco: músicos profissionais caem na folia e fortalecem o aprendizado

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
09/02/2018 às 18:58.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:15
 (Adiene Oliveira, Isadora Werneck e Erivaldo Brito/Vinicius Rezende)

(Adiene Oliveira, Isadora Werneck e Erivaldo Brito/Vinicius Rezende)

Carolina Fonseca/Carlos Hauck

Marcelo Pereira com trio de choro no Cine Theatro Brasil e no bloco Unidos do Queimalargada deste ano

Carnaval é lugar de mistura, coletividade e aprendizado. A festa mais democrática do país aglutina nas ruas diferentes tipos de pessoas, bandeiras, estéticas e sonoridades. Quando o papo é música, as mesclas são notáveis. Nas baterias, diletantes e iniciantes fundem-se a músicos de formação profissional – que, cada vez mais, vêm participando da folia e fortalecendo os processos de musicalização.

É o caso do soprista Marcelo Pereira, que acumulou décadas de experiência profissional antes de se jogar na festa. “Comecei a tocar aos 11 anos numa banda de sopros no interior, por incentivo do meu pai. Depois, ingressei no Cefar, da Fundação Clóvis Salgado, e tive o primeiro contato com uma formação mais formal. Aí veio o vestibular na UFMG e a vida foi seguindo”, conta o músico, que já tocou na Orquestra Sinfônica Minas Gerais, na big band da UFMG, em projetos como a Orquestra Uirapuru e Quarteto Carajás, além de rodas de choro e samba, quartetos jazzísticos, bandas de baile e casamentos.

Pereira, que é mestre e hoje leciona música da UEMG, conta que sempre gostou de carnaval. “Quando menino, eu já curtia muito o carnaval como folião. Depois, fui convidado para tocar numa banda de salão, em que fiquei por dez anos”, relembra. “Em BH, meu primeiro contato foi em 2014, com o bloco Atrás do Jacaré, que sai na Pampulha. Com os anos, essa participação foi ficando mais intensa e, em 2017, toquei no Pega que Sara, Tico Tico, Pula Catraca, Juventude Bronzeada e Como te Lhama”, elenca, lembrando que atualmente é membro fixo da Juventude e da Orquestra Atípica de Lhamas. Glenio Campregher/Ana Bitar

Rodrigo “Boi” Magalhães em ação com o Semreceita e regendo o Juventude Bronzeada

Ambas as bandas contam, também, com a presença do baixista Rodrigo “Boi” Magalhães, que é regente da Juventude. “Entrei no carnaval totalmente por acaso. Frequentava muito o pré-carnaval, a Praia da Estação, o Mamá na Vaca. Mas o carnaval, mesmo, eu passava em Recife. Até que um dia os amigos sugeriram fazer um bloco da Juventude Bronzeada, que já existia como banda”, afirma o músico, que também participa das bandas dos blocos Havayanas Usadas e Então Brilha.

Para todos

Mestre em etnomusicologia, formado na UFMG e na Bituca Universidade de Música Popular, Magalhães defende o poder de musicalização da folia e lida bem com os gaps de conhecimento. “Têm pessoas que não querem ser músicos profissionais e eu sempre entendi e respeitei isso, já que a razão central da festa não é a musica. Ao mesmo tempo, sem a música a festa não existiria. Então, ela tem que funcionar minimamente, para ser divertido para quem toca e para quem curte”, afirma. “É um desafio com o qual lidamos de um jeito único em BH, simplificando as levadas, equilibrando as formações. Hoje, estamos vendo baterias tocando muito bem”, diz.

Ex-integrante do Semreceita, grupo instrumental que Magalhães faz parte, o músico Rodrigo Heringer “Picolé” concorda. Doutorando na Unirio e formado na UFMG, o baterista e vibrafonista é regente do bloco Tchanzinho da Zona Norte. “O carnaval tem uma grande potência no sentido pedagógico. Isso gera uma aproximação das pessoas com a música, desmistificando essa prática. Elas vêem que é possível aprender a tocar um instrumento e o receio vai se quebrando aos poucos”, reflete o músico, que também integra o grupo de choro Assanhado Quarteto. 

Ao mesmo tempo, Henriger lembra que é preciso achar um meio-termo entre a diversão e o compromisso para se chegar em bons resultados. “Hoje, no Tchanzinho, sempre enfatizamos a necessidade das pessoas irem aos ensaios para se alcançar uma qualidade musical”, afirma, ressaltando que o processo também traz aprendizados para os músicos. “Temos aprendido a trabalhar com grandes grupos, lidando com outros espaços e formas de construção de conhecimento e partilha”.Adiene Oliveira, Isadora Werneck e Erivaldo Brito/Vinicius Rezende 

De um lado, Rodrigo Heringer toca vibrafone com banda; do outro, puxa o Tchanzinho

E qual a outra dica os músicos dão para quem quer aprender a tocar um instrumento e fortalecer a música da folia momesca? “Estudar, estudar e estudar”, crava Marcelo Pereira. “Quem está num processo de formação formal já prática os estudos de técnica. Já quem não tem a música como profissão deve procurar cursos, professores, projetos sociais. Se dedicar durante o ano para já chegar no carnaval preparado, tendo a consciência de que, em qualquer área do conhecimento, só se faz algo bem feito com muito treinamento”, diz. 

Sem preconceito

Rodrigo Heringer conta que os primeiros ensaios do Tchanzinho Zona Norte foram feitos em frente à escola de música da UFMG, o que gerou polêmica. “Era uma turma muito conservadora, mesmo o pessoal da música popular. E estávamos lá, tocando É o Tchan. No fim das contas, deu muito certo. Aos poucos as pessoas foram entendendo, participando”, relembra. 

O músico ressalta que o debate sobre qualidade musical é enorme, mesmo na área acadêmica. “É um debate que diz muito pouco quando levado tanto para o lado técnico quanto para o lado subjetivo. Essa coisa de falar do que é bom ou ruim não cabe nem na música nem em nenhuma manifestação artística. A arte é inclusiva”, afirma. 
“Profissionalmente, me afeta de forma muito positiva ter uma prática profissional diversa, tocar diferentes tipos de música. Muitas vezes, por exemplo, a música mercadológica traz timbres que não são explorados na música erudita. Isso é muito enriquecedor para quem está na ponta da performance musical”.

Rodrigo Magalhães faz coro e reforça as transversalidades que incorrem sobre a música. “A música é uma expressão. Quando falamos em música ruim, corremos o risco de silenciar vozes que querem cantar. Muitas vezes o que é julgado como ruim diz respeito a fatores sociais e culturais e não musicais”, diz, ressaltando a aceitação do axé nos últimos anos.

Para Marcelo Pereira, o carnaval é o espaço ideal para quebrar paradigmas e expandir horizontes. “Um grande aprendizado para mim tem sido desapegar desses conceitos pré-estabelecidos. O carnaval é uma festa popular e nunca vai deixar de fora as músicas que estão fazendo sucesso. A música ser boa passa pelo momento a que se presta aquela ação. Ou seja, se é para dançar na rua que seja uma música que faça dançar na rua”, finaliza. 

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