Documentário acompanha legado multiplicador deixado por Marielle Franco

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
13/09/2020 às 20:10.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:31
 (ELISÂNGELA LEITE/DIVULGAÇÃO)

(ELISÂNGELA LEITE/DIVULGAÇÃO)

Três meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco, em janeiro de 2018, no Rio de Janeiro, a quantidade de mulheres negras que se lançavam como candidatas a deputada estadual e federal para as eleições daquele ano, no estado fluminense, chamou a atenção da roteirista Helena Dias.

“A Helena teve esse tino jornalístico, de olhar para a cena e falar: ‘está pipocando candidatura de mulher negra’. Realmente, essa quantidade foi muito impactante no Rio. A gente leu isso como uma resposta (ao assassinato de Marielle) e logo vimos que tínhamos um filme”, registra a diretora Júlia Mariano.

Dois anos depois, mais uma vez próximo a uma eleição, o resultado dessa jornada estimulada pelo desejo de luta e justiça, num claro legado multiplicador deixado por Marielle, está expresso no filme “Sementes: Mulheres Pretas no Poder”, que pode ser visto gratuitamente no site da distribuidora mineira Embaúba.

Para a realizadora carioca, o filme parte de Marielle, “como essas candidaturas também partiram, mas o que realmente nos moveu foi ver a força delas logo em junho”. Júlia se perguntava como aquelas mulheres já exibiam força para se colocar na disputa da política institucional. Na ponta do lápis, 4.398 mulheres negras disputaram as eleições de 2018 no país. Um aumento de 93% em relação ao pleito anterior.

“O filme tem esse compromisso de ser um registro histórico num momento dramático da democracia brasileira, construindo o nosso imaginário político”, salienta a codiretora Éthel Oliveira, que se juntou à equipe após Júlia perceber que não faria nenhum sentido realizar o documentário sem a parceria de uma cineasta negra.

“Não tínhamos trabalhado juntas, mas a gente se conhecia. Ela aceitou a proposta indecente de fazer um filme sem dinheiro, no perrengue, mas com a certeza de que era um momento histórico que tinha que ser registrado”, lembra Júlia, que usou equipamento e recursos da própria produtora para iniciar as filmagens.

Diversidade
O documentário foca em seis mulheres negras que se lançam candidatas, seguindo os passos delas durante os comícios e ouvindo suas histórias de vida. A escolha, explica Júlia, partiu da diversidade de pautas. Ela observa que, quando se fala em mulheres negras, logo se imagina uma espécie de entidade.

"É como se fosse um bloco unido, sem diferenças. Isso foi uma coisa que a Éthel trouxe de maneira muito assertiva, ressaltando a importância de se mostrar essas nuances”, destaca Júlia. Entre elas está Mônica Francisco, pastora que, de acordo com a diretora, mostra para “a esquerda branca” que há evangélicos progressistas.

“Pela gente, teríamos filmado em todos os estados, mas filmar seis já foi muito para uma produção de guerrilha. Adoraria ter ido a Minas para filmar a Áurea (Carolina, eleita deputada federal) e a Andréia (de Jesus, atualmente na Assembleia Legislativa). Infelizmente não tivemos perna”, assinala Júlia.

 FABIO CAFFE/DIVULGAÇÃO / N/A

Após assassianto da vereadora, houve um aumento de 93% em candidaturas autodeclaradas pretas em 2018 

 “Estar a postos rapidamente, após uma tragédia, é uma vivência de mulher negra", afirma diretora

No material bruto colhido durante a campanha da candidata Taliria Petrone, as realizadoras só encontraram uma cena em que a atual deputada federal sorri. É a cena que fecha “Sementes: Mulheres Pretas no Poder”.

Júlia Mariano lamenta não ter conseguido fechar o arco dramático de todas as personagens, mostrando a vitória delas nas urnas, mas encontra na jornada de Taliria um elemento-chave em sua narrativa.

“Vemos o desespero dela após a perda da Marielle. Chegar onde chegou após tudo que passou é uma vitória. Mas como ela fala com a mãe no carro, é difícil celebrar depois do que aconteceu com Mariellle”, assinala Júlia.

Éthel Oliveira entende a razão deste sentimento. Estar a postos “muito rapidamente, após uma tragédia”, como Talíria e outras candidatas fizeram, “é uma vivência de mulher negra”, segundo ela.

“O tapa é todo dia, o tiro é todo dia, a humilhação e a injúria acontecem todo dia. Se eu esmorecer em todo xingamento racista que receber... Temos que estar sempre a postos para dar as respostas”, avisa.

Éthel salienta que todo mundo já sabe o final de “Sementes” – o “quem ganhou e quem perdeu”. Mas a luta, frisa, está sendo travada todos os dias no Brasil. “Meus ancestrais foram sequestrados, amarrados e vilipendiados, mas estou aqui , né?”, indaga.

  

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