Documentário envereda pela formação de David Lynch

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
01/09/2017 às 18:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:22
 (Fênix/divulgação)

(Fênix/divulgação)

A expectativa é a mesma de quem assiste a uma cinebiografia sobre alguma cantor ou ator de sucesso. Sempre esperamos por aquele momento em que o filme cruzará com o que temos de informação, envolvendo os bastidores de um disco ou longa-metragem conhecidos.

Mesmo no caso de um cineasta como David Lynch, que pautou sua carreira por narrativas bizarras e enigmáticas, a expectativa é, no mínimo, pelos relatos que levaram o realizador a mudar a história da TV americana, nos anos 90, com a sombria série “Twin Peaks”; ou por marcar seu nome na calçada do melhor da sétima arte através de filmes icônicos como “Veludo Azul”, “Coração Selvagem” e “Cidade dos Sonhos”.

Com exceção de seus minutos finais, em que o diretor menciona o curta “Alphabet”, “David Lynch – A Vida de um Artista”, em cartaz nos cinemas, leva ao pé da letra o que está no título: interessa menos o que ele produziu e mais os elementos que formaram o artista.

Uma das primeiras frases do documentário já aponta para esse caminho, quando Lynch afirma que as obras são resultado do que ele carrega de seu passado. Apesar de viver uma infância feliz, numa família amorosa, ele se sentia sempre impelido para a estranheza.

Frutas podres
A impressão é que a história de Lynch avança entre um estado doentio, de alguém que parecia ter um buraco em sua alma, como evidencia várias de suas pinturas, igualmente obscuras, e um artista que, mesmo sem perceber, se preparava para afrontar os cânones.

Várias passagens mostram essa encruzilhada, como o instante em que uma experiência com um negativo não é bem-sucedida. Diferentemente da reação desolada da namorada Peggy, Lynch enxerga nessa desventura um primeiro passo para algo maior, em que os erros se fazem necessários. Em outro momento, ele recebe a visita do pai e não consegue esconder o prazer em exibir o seu lado mórbido, como diferentes estágios de uma fruta podre ou de animais mortos. Por fim, o pai lhe recomenda que não tenha filhos, temeroso que Lynch sofra de alguma psicopatia.

Frieza
O cineasta, aliás, não se preocupa em soar agradável. Está constantemente fumando e preso em seu estúdio. Não há nada forte ou surpreendente, num caminho contrário às narrativas que ele criou para o cinema, em que nada é o que aparenta ser. Um homem comum, podemos dizer.

O filme de Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm busca emoldurar este homem num tom nírico, com enquadramentos incômodos, longos silêncios e em diálogo constante com os seus quadros, culminando no pesadelo que é buscar em seu âmago um autorretrato.

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