(Lailson Santos/Divulgação)
Como em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, o personagem principal de “Baal”, novo livro da psicanalista e escritora Betty Milan, é um homem morto. No romance da autora, o protagonista é Omar, um imigrante que deixa o Oriente Médio no século XIX para se radicar no Brasil.
“Queria contar uma história que dura cem anos e queria um narrador em primeira pessoa. Um centenário dificilmente poderia contar enquanto um morto indignado faria isso de forma expressiva. Ademais, o morto é o guardião da memória em várias civilizações”, explica Milan, justificando a opção por uma narrativa póstuma.
Nas memórias centenárias de Omar, que lançam um olhar sobre a trajetória e a vida de um imigrante longe da terra natal, se entrelaçam vários temas que permeiam as discussões na atualidade, tais como a xenofobia, o desenraizamento cultural e a própria imigração.
Embora tenha um enredo atual, Milan conta que não foram as temáticas que inspiraram a produção do livro, mas sim o desejo de abordar um drama familiar e o desrespeito à memória.
“Não escrevi o romance para abordar as questões da atualidade. Elas brotaram da história que eu narrei sobre Omar. Acredito que todos os imigrantes estão expostos à xenofobia e às dificuldades subjetivas do protagonista do romance, como, por exemplo, a que diz respeito à perda da língua materna”, diz a autora.
Apesar de não serem o ponto de partida da obra, as temáticas ganham ainda mais força graças à literatura. “Ela permite focalizar o drama subjetivo dos imigrantes e foi por isso que me interessei neste romance. Antes de escrever, ouvi os meus ancestrais e li muitos relatos num livro que se chama Histórias da Imigração”, conta a autora, neta de libaneses.
Família
Na obra, Milan também discorre sobre o descaso com a memória. Além da própria jornada de amor, o enredo acompanha também o comportamento dos descendentes do protagonistas e a relação deles com o patrimônio deixado pelo personagem.
“Depois da morte de Omar, os descendentes dilapidam a fortuna. Pervertidos pelo dinheiro e com medo do empobrecimento, os netos resolvem demolir o palácio criado por ele a fim de vender só o terreno e fazer dele um negócio mais rentável”, conta Milan.
A relação da família com o palacete – chamado de “Baal” e construído pelo protagonista como uma “joia do Oriente” – é um reflexo da própria relação da cidade natal da autora com a própria memória. “Me inspiro na história de São Paulo. O palácio deveria ter se tornado um memorial da imigração, porque muitos imigrantes foram recebidos ali. Mas é demolido como muitos outros da cidade, que destrói continuamente a sua memória em nome da rentabilidade”.