Em novo livro de Verissimo, a rotina de pessoas comuns em situações incomuns

Da Redação (*)
24/11/2018 às 08:27.
Atualizado em 28/10/2021 às 02:17
 (Divulgação)

(Divulgação)

Luis Fernando Verissimo, cronista do jornal "O Estado de S. Paulo" desde 1989, tem o passar dos dias como tema do livro Ironias do Tempo (Objetiva), seleção de 77 textos dos publicados por ele entre 1998 e 2018, a maioria nesse jornal. A organização ficou a cargo de mãe e filha escritoras, Adriana e Isabel Falcão, que relatam o sofrimento que enfrentaram até encontrar o conceito dessa antologia.

"A opção 'por sorteio' foi descartada, por honestidade", escrevem elas, no prefácio. Mas, bastou uma leitura atenta do material para chegarem à conclusão que abria o caminho: "Ali estava a vida, acontecendo, em tempo real, através dos olhos do Verissimo". E continuam: "Fatos, pensamentos, desastres, escândalos, sentimentos, a história de uma época, no Brasil e no mundo, registrados pelo Verissimo, sua graça, poesia, sua lógica, sua ética".

Verissimo exerce sua verve impagável para comentar situações inusitadas que, graças ao bom humor, se tornam plenamente factíveis. Sobre o assunto, veja as respostas do autor:

Qual a essência do tempo cotidiano nas suas crônicas?

Muitas das crônicas do livro são sobre o cotidiano de gente comum em situações incomuns. O tempo entra como medida de degeneração orgânica, como na história do encontro de dois amigos que não se veem há anos e começam a comentar o aspecto um do outro, e a se criticarem mutuamente por não terem se cuidado e envelhecido mal, e acabam brigando, desta vez para sempre.

O efêmero é a identidade de um cronista?

Depende do cronista. O grande Rubem Braga fazia crônicas inesquecíveis sobre o efêmero. No fim, o fato de serem inesquecíveis desmente a efemeridade...

A crônica tem a capacidade de revelar, por meio da superfície, uma dimensão mais profunda da vida e das relações humanas?

Eu gosto de fazer crônicas em que os personagens se revelam pelo que dizem, sem a necessidade de descrevê-los, ou localizá-los. Às vezes, só com o diálogo você pode descrever um drama ou uma comédia, sem precisar de detalhes.

Escritores do século 19, tanto José de Alencar como Machado de Assis escolheram, como símbolo da crônica, o beija-flor. Qual seria o seu eleito?

O beija-flor paira no ar e dá bicadas nas flores. Não se parece com nenhum cronista que eu conheço. Talvez um símbolo para os jornalistas brasileiros em geral seja o quero-quero, sempre pedindo emprego ou aumento de salário.

O historiador italiano Carlo Ginzburg utiliza o pormenor como instrumento para compreensão dos homens no tempo. Assim, é possível dizer que o despretensioso, que alimenta o cronista, é igualmente um forte sustento para o historiador?

Não sei se entendi a pergunta, mas historiadores como (o francês) Fernand Braudel usaram o pormenor, os detalhes do cotidiano, para escrever sobre as civilizações do Mediterrâneo, o que ajudou a torná-lo famoso. Talvez a contribuição da crônica para a narrativa histórica seja a valorização da concisão e dos pequenos, mas significativos detalhes.

Durante o período da ditadura militar, alguns cronistas que até então se dedicavam à abordagem de amenidades passaram a expressar suas opiniões de maneira mais explícita. Você acredita que isso é mais comum em tempos de exceção ou não há exceção nenhuma?

Entendo que foi o contrário, a ditadura reprimiu quem queria ser mais explicitamente contra o regime. Houve exceções, como o escritor Carlos Heitor Cony, mas a maioria teve de recorrer às entrelinhas para dizer o que queria. Não vamos esquecer que havia censura da imprensa. Que pode voltar com esse novo governo.

Ainda sobre esse assunto: o risco de dividir o humor de seu eleitorado ao se manifestar mais diretamente é um fator preocupante quando você vai começar uma nova crônica?

Eu escrevo o que penso, sem me preocupar muito com a reação. Quem não gosta do que eu penso e escrevo tem a opção de não me ler, para não se incomodar. Tem os que mandam cartas agressivas. No tempo do Collor, ameaçavam minha família se eu não parasse de criticá-lo. Mas a reação não incomoda. As cartas me chamam de comunista, me mandam ir viver em Cuba ou na Venezuela. Uma me mandou ir para a Coreia do Norte! Mas não passa disso. Só quando me chamam de esquerda caviar eu reclamo. O caviar não tem chegado à minha mesa, acho que o Chico Buarque está ficando com a minha parte.

(*) Com Estadão Conteúdo

Leia mais:

  

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por