Em ‘Rubi’, Odette Castro compartilha as dores e delícias de ser mãe de Beatriz

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
04/01/2016 às 08:23.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:52
 (Divulgação)

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Odette Castro conta que foi em um ano de muitas perdas que veio o insight de escrever o livro “Rubi” (Editora Impressões de Minas, 106 páginas), lançado no mês passado, na Casa-Atelier, Santo Agostinho. “Final de casamento, perdas financeiras, morte da minha mãe e das tias que me criaram. Quando dei por mim, estava em frente à tela do computador, escrevendo compulsivamente. Uma catarse. E assim foi acontecendo por dias a fio. Como se eu expelisse as dores através das letras. Em nenhum momento pensei na reação das pessoas. Foi uma surpresa. Talvez se tivesse pensado, não escreveria”, diz ela, frisando, ainda, a importância da palavra liberdade. À ela, pois: “Quando você tem que lidar, diariamente, com as diferenças, você se liberta de julgamentos. Esta é a maior liberdade que uma pessoa pode conquistar”.

Ao usar a palavra “diferenças”, Odette se refere, particularmente, à filha, Beatriz, hoje com 28 anos, e portadora da Síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT), ou Rubi, que dá nome à obra. A síndrome, cuja causa ainda é desconhecida pela medicina (há algumas hipóteses aventadas, como uma mutação no cromossomo 16), exige, por parte da família, cuidados constantes, no que tange, por exemplo, à alimentação e ao trato respiratório.

Sem dourar pílula

É a Beatriz que o livro é dedicado. Mas é importante frisar: em momento algum Odette pleiteia olhares especiais do leitor. “Não queria autopiedade. Começaram a dizer que tinha que escrever o livro, e procurei pessoas críticas e sinceras, para opinarem”, relata, citando, em particular, Wilson Miranda, diretor de teatro, o designer Gustavo Greco (responsável pela capa) e “meu filho de coração, Flávio de Castro”. “São pessoas extremamente sinceras. Sem dourar pílula. Com a aprovação deles, me senti segura. Procurei Laura Cohen, que me deu umas dicas, e Elza Silveira da Impressões de Minas, que acreditou. Foi assim. Como tudo na minha vida, sem ensaio”, enumera.

No curso da caminhada, foram vários momentos difíceis. “Momentos aflitivos, porque paradas cardíacas eram frequentes. Mas, com certeza, o momento mais marcante foi quando Laura, minha outra filha, tomou os remédios da irmã para se sentir amada”, rememora, acrescentando que Bê sempre levou uma vida normal.

“Viajou, frequentou festas, escolas. Nestes últimos dois anos, está mais limitada. Está com a ossatura mais frágil e tendo convulsões. Então sua vida está mais limitada. Sem frequentar aulas e outras atividades. Em 2016 (a entrevista foi feita ainda no ano passado), se Deus quiser, ela voltará a ter a uma vida mais ativa. Como consequência, a minha vida está mais limitada também dado aos cuidados que ela inspira, e que são muitos”.

‘O maior sonho foi um mundo sem preconceito’

Foi em seu perfil no Facebook que Odette Castro começou a contar suas dificuldades, alegrias e aflições no convívio com a filha. Os relatos logo começaram a reverberar, e não só entre pessoas que conheciam a questão. Aliás, Odette concorda que ainda há muito desconhecimento, no Brasil, acerca da síndrome. “Em São Paulo, há uma associação, a ARTS (Associação Brasileira dos Familiares e Amigos dos Portadores da Síndrome de Rubinstein-Taybi no Brasil), que cadastra e discute a síndrome. Mas as diferenças de sintomas são muito divergentes. Posso dizer que a Beatriz é uma das mais comprometidas. Numa escala de 15 sintomas típicos, ela apresenta 14”.

Evidentemente, no curso da história de vida de Bê, Odette travou conhecimento com outras mães que vivem a mesma situação. “Várias. Mas temos modo de pensar um pouco diferentes. Acho que sou muito dura nas minhas auto-análises. Tenho uma amiga em especial, Deize Anzolim, do Rio de Janeiro, cujo filho tem a mesma síndrome. Nós duas temos o mesmo modo de ver a vida, enxergar a realidade do tamanho exato. Com ela compartilho nossas alegrias e angústias”.

Angústias sim, lamúrias não. “Penso todos os dias que tudo valeu a pena. Apesar de todo dia matar um leão, valeu a pena”.

Na orelha da obra, a publicitária e escritora Cris Guerra sintetiza o espírito que norteia o relato: “Odette voltou da maternidade para a casa trazendo nos braços uma criança pela qual não esperou. Era preciso refazer a rota e sonhar de novo. Num dia, sonhar que Beatriz pudesse dar seus primeiros passos. No outro, sonhar simplesmente com a vida, que parecia correr da Bê o tempo todo...todos os dias, o maior sonho foi um mundo sem preconceito”.

Já no posfácio, a professora de literatura Glória Magalhães escreve: “Odette manifestou, em alguns momentos, certo receio que fosse julgada pela exposição de sua vida. Medo passageiro. Odette não é mulher de melindres. E quem tem a alma escancarada jamais seria diferente no escrever”.

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