Em 'Ultrassom', Edgar traça narrativas distópicas com seu rap potente e não linear

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
26/09/2018 às 18:59.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:40
 (Pedro H. Ladeira/Divulgação)

(Pedro H. Ladeira/Divulgação)

“O futuro é uma criança com medo de nós”. Em tempos de ameaça fascista e fake news, o verso de Edgar em “Plástico” é, ao mesmo tempo, certeiro e desconcertante. Essa dualidade, inclusive, se repete na maioria das canções de “Ultrassom”, quarto disco do rapper paulista. Lançado pela Deck no início de setembro, o álbum catapulta Edgar para uma nova fase, depois da projeção alcançada pela faixa “Exu nas Escolas”, escrita em parceria com Kiko Dinucci e registrada por Elza Soares em “Deus é Mulher”, outro grande disco deste ano.

Com dez faixas autorais,“Ultrassom” tem produção musical de Pupillo, da Nação Zumbi, que já trabalhou com nomes como Erasmo Carlos, Gal Costa e Céu. Como é próprio de Edgar, o encontro com o produtor se deu de forma surpreendente. Em 2016, o pernambucano assistiu a uma participação do rapper no programa “Manos e Minas”, da TV Cultura, e ficou impressionado. Buscou contato com Edgar, que não o conhecia e esquivava-se das tecnologias móveis. Mas Pupillo insistiu. O criativo artista o lembraria do gênio Chico Science? Vai saber. Fato é que Edgar atendeu e acabou cedendo a uma nova experiência. 

É que a produção caseira até então era um traço comum dos trabalhos do rapper, nascido e criado na favela do Coqueiro, em Guarulhos. Mas experiências novas são combustíveis para Edgar. Tanto que, para além das questões artísticas, “Ultrassom” traz outro marco: é o primeiro disco que o artista compôs e gravou totalmente sóbrio. O reflexo é uma seriedade perceptível tanto na cadência da poesia falada quanto nas letras, que perpassam temas espinhosos como a tecnologia, a intolerância, a poluição e a liberdade. 

Além de Edgar com suas rimas tortas e sua voz nasalada, o disco conta apenas com beats e sintetizadores, gravados por Pupillo e Maurício Fleury, e com poucas guitarras, registradas por David Bovée. Duas participações também marcam o trabalho, a da cantora Céu (“O Dia é Meu”) e do MC Rodrigo Brandão (“Adorno”). O resultado descortina mais dualidades, dessa vez sonoras: lisérgico e sujo, experimental e pop, pesado e divertido, simples e sofisticado. Esquisito, em seu sentido mais puro, talvez seja a qualidade-interseção. 

Aos 25 anos, Edgar é um ponto fora da curva na produção musical brasileira. Derrete o rap com seu flow não linear e suas referências psicodélicas e eletrônicas; questiona o consumo e ilumina a transformação com seus figurinos criados a partir do lixo; põe em cheque o uso exagerado e mal intencionado da tecnologia; bota o dedo na ferida das mazelas sociais; expõe as vísceras líricas de um jovem artista em conflito com seus demônios. 

Muitos dirão, na toada da web, que Edgar “é muito ‘Black Mirror’”. Como se tratasse de um futuro longe e impalpável. Mas o “Black Mirror” é aqui e agora – e Edgar é tão somente um fruto criativo destes conturbados e distópicos tempos presentes. 

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