Encontros regados a palavras conquistam espaços na capital mineira

Pedro Artur - Hoje em Dia
23/11/2014 às 09:44.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:08
 (Samuel Costa/Hoje em Dia)

(Samuel Costa/Hoje em Dia)

Basta dar uma olhada na Wikipédia: a palavra sarau é “decifrada” como um evento cultural que, bastante frequente no século 19, vem sendo redescoberto. E replicado no Brasil inteiro, através de expoentes como Chacal, Jorge Vercillo ou Antonio Villeroy. Belo Horizonte não foge à regra. Saraus de música, poesia e literatura ocupam hoje vários pontos da cidade (até o recente Espaço Cultural Luiz Estrela).    Cultura alternativa de qualidade, levada a cabo de forma independente, com recursos próprios – ainda que parcos. Um dos criadores do Sarau Vira Lata, Renato Negrão, 46 anos, diz que música e crônicas povoam a iniciativa – no entanto, a poesia reina soberana. “Mas estamos abertos a outras manifestações culturais e até mesmo a manifestos políticos. Os saraus são um fenômeno nacional, mas, diferentemente de outras décadas, a gente sente que agora muitos identificam-se com iniciativas advindas da periferia”, explica Negrão, com uma respeitável bagagem na cena do sarau desde os anos 80, por meio do grupo Dragões do Paraíso, fundado por ele e pelo poeta Daniel Costa, que atualmente reside na Espanha.    Negrão conta que a frequência nos saraus é intensa – até 400 pessoas já foram ao Vira Lata, que é itinerante, e acontece em praças da cidade duas vezes por mês. O público é convocado pela página do grupo no Facebook.    Renato Negrão considera válida a realização de um fórum nacional de saraus, para a discussão de assuntos ligados à dinâmica deste tipo de manifestação cultural. “Como, por exemplo, a circulação de integrantes de alguns grupos por saraus realizados em outros estados, bem como para viabilizar publicações, estabelecer diálogo com a esfera pública, promover pesquisas e intervenções no espaço público”, diz o poeta.   Outro sarau que vem agitando a cidade é o Coletivoz Sarau de Periferia, que atua há seis anos como ponto de resistência da periferia. Eduardo DW, 34 anos, diz que os encontros são abertos à participação do público. “O nosso sarau funciona com o microfone aberto e inscrições livres para poesia e outras manifestações”, pontifica. O Coletivoz, que já “funcionou” em um bar, atualmente se abriga na Associação Comunitária do Bairro Santa Margarida. O encontro de seus signatários acontece toda segunda quarta-feira do mês. Aliás, a próxima edição do sarau já está devidamente marcada para o dia 17 de dezembro, e com tema livre.    Os saraus – cujas informações podem ser encontradas no coletivoz.blogspot.com.br – são prestigiados por um público diversificado: de adolescentes a pessoas de meia-idade.   Luiz Estrela abriga Sarau dos Cantores e Falantes   O Sarau Comum dos Cantores e Falantes entra nesta história meio que como um calouro: frequenta a cena há menos de um ano, no Espaço Comum Luiz Estrela (rua Manaus, 348). Ali se privilegia o enriquecimento que vem da mistura, como explica um de seus organizadores, o músico, ator e poeta Betto Fernandes, 27. “Há uma mistura de pessoas de todas as classes, politizadas ou não, fazendo coisas diferentes”.   Embora tenha surgido inicialmente com o foco na palavra falada, o Comum hoje comporta poesia, música, malabares, performances, dança, esquetes....    Betto conta que o Sarau Comum vai se tornar itinerante em duas edições (é sempre realizado de 15 em 15 dias às sextas-feiras). No último sábado (22) estava programado um sarau especial, com a temática da consciência negra. A ideia era reviver Zumbi dos Palmares. “No dia 21 dezembro, na comemoração de um ano do sarau, vamos homenagear Guimarães Rosa, indo a Cordisburgo”. As ações podem ser conferidas nas páginas de Betto Fernandes e do próprio Sarau, no Facebook.   Acesso à cultura   Os saraus já são mania também aos centros culturais, espalhados, sobretudo, na periferia de BH. Caso do Sarau Coletivo do Centro Cultural Vila Santa Rita, no Barreiro, realizado a cada última quinta-feira do mês, com a participação da comunidade e de alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) de Belo Horizonte. Este mês o encontro foi norteado pelo tema Consciência Negra.    Gerente do centro cultural, Ricardo Ulpiano diz que o sarau está sempre com lotação esgotada. “O pessoal está sempre motivado. O projeto acaba sendo uma via para possibilitar, a essa comunidade, que é formada basicamente por pessoas de baixa renda, o acesso à cultura”, enfatiza.   Em busca de reflexão sobre a arte produzida   Em 2005, o poeta Wilmar Silva de Andrade bateu o pé por uma boa causa: apostar na poesia, um gênero tão rico e com várias possibilidades e nuances, mas, às vezes, relegado. A teima deu certo: o projeto “Terças Poéticas” (que, sim, se constitui um sarau) completa dez anos, com mais de três mil convidados entre poetas, músicos, atores, performáticos, artistas e críticos de arte. Gente principalmente de Minas, do Brasil e também do mundo, pois a poesia é, em sua natureza, essencialmente inclusiva. O projeto é realizado na Casa Una de Cultura (rua dos Aimorés, 1.451, Lourdes).    O êxito da iniciativa, segundo Wilmar, está na abertura ao diálogo. “Há esse diálogo da poesia com as outras artes, como a literatura, a música, as artes sonoras, visuais. Além disso, o projeto abriu BH para um diálogo frontal com o Brasil e o mundo que se manteve ao longo dessas 500 edições”, assinala.   Wilmar, que é curador deste sarau poético, destaca também a importância do espaço como reflexão. “Na medida em que abrimos a iniciativa para a participação de poetas e artistas de outros países, ampliamos nossa capacidade de refletir sobre a arte que produzimos”, observa.   Uma edição histórica aconteceu em 2010. Naquele ano, o “Terças Poéticas” recebeu o poeta Ferreira Gullar, que havia acabado de faturar o Prêmio Camões, considerado o mais importante prêmio literário concedido a um autor de língua portuguesa pelo conjunto de sua obra. Recentemente, lá esteve a cantora lírica Maria Lúcia Godoy, que até exibiu sua potência vocal. Hoje o espaço está consolidado: é aprovado pela Lei Rouanet, tem patrocínio do BDMG e produção e realização Anome Livros, Soll Produções e Casa Una. 

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