Entrevista: próximo dos 80 anos, Zé Celso afirma que a arte ainda é uma arma

Personalidade polêmica e genial, Zé Celso falou ao Hoje em Dia sobre sua carreira, drogas, política e o momento do teatro brasileiro.

César Augusto Alves
cpaulo@hojeemdia.com.br
08/07/2016 às 18:42.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:13
 (Divulgação / Museu de Congonhas)

(Divulgação / Museu de Congonhas)

Não pretenda nunca prever o que sairá de seus lábios. Por trás de um sorriso debochado que diz mais do que as palavras prestes a pronunciar, o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa guarda ideias que vão na contramão do censo comum e nunca corresponderão à expectativa de seu interlocutor. Sua presença se traduz na maneira como ele se define: “Sou uma entidade”.

Personagem central do teatro brasileiro, grande criador, louco, revolucionário e libertário sexual. Seus títulos são muitos. E não por acaso: ele é idealizador e diretor do Teatro Oficina, em São Paulo, uma das companhias que modelaram o teatro do país e que influenciaram gerações inteiras de artistas.

Em cenário de paz e tranquilidade, “musicado” pelo canto barroco do coral da igreja mais próxima, o dramaturgo recebeu jornalistas no anfiteatro a céu aberto do Museu de Congonhas para uma conversa que, por certo, marcou a todos presentes. A pauta era o Manifesto Antropófago. Cercado pelos insurrecionais, nas palavras de Zé, Profetas de Aleijadinho, e na companhia da autora Beatriz Azevedo, que lança agora seu livro "Antropofagia Palimpsesto Selvagem", a conversa se deu com tom e sabor de descoberta e deleite.

“Ação!”, gritou o diretor. Invocando o silêncio, parecia se conectar com os deuses do teatro. “Tem mais poder que a palavra. O silêncio é poderoso. Vamos apreciá-lo”, reverenciava, dando início à conversa.

“Existe uma insatisfação política absoluta que é uma insurreição, acho que vai derrubar tudo”


Transgressão
Sempre sorrindo, sem se furtar a citar sempre o poeta Oswald de Andrade. Zé Celso se personifica no próprio Manifesto Antropófago. Seu teatro, desde “O Rei da Vela”, peça de enorme sucesso em 1967, transgride e transcende ao usual, “devorando” a caretice dramática e evocando novas linguagens. “Drama não existe mais. Drama deixa pra Globo”, sentencia. “A gente descolonizou o Brasil e tudo voltou a ser como era”.

Em cartaz com a peça “Para Dar um Fim no Juízo de Deus”, do dramaturgo e poeta Artaud, que será apresentada hoje meia-noite no Sesc Palladium, dentro da programação da Virada Cultural de BH, Zé Celso toca na ferida política do país com personagens conhecidos da crise atual. “Tudo tem que ter um riso debochado, principalmente hoje. A palavra tem que ser desordem e regresso, é isso que eu acho”, afirma.

Aos 79 anos, acumula 58 de teatro. Neste tempo, lutou pela arte, por seu espaço, pelo reconhecimento. Foi preso, exilado, paralisou, ou melhor, foi paralisado. "Eu nunca paralisei. Me paralisaram", conta. "Quando a polícia vinha assistir minhas peças, eles não sabiam de nada, só depois é que iam censurar, quando viam a reação do público". A idade avançada, no entanto, não é problema (sequer existe nele, a bem da verdade). “Eu acho a velhice formidável. Adoro todas as peças que fiz. Sem exceção, isso é impressionante. Eu só consigo fazer se eu for apaixonado, e quero continuar assim. Com a minha percepção atual, tenho uma espécie de reciclagem.”.César Augusto Alves

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Entrevista

 O que é o tempo “oswaldiano”?
Estamos ouvindo um coral cantando, o céu está maravilhoso, o dia está lindo, o lugar é inspirador... É isso o tempo. O tempo dele tem um troço: o aqui e agora, mas Oswald de Andrade emerge dos tempos que têm grandes abalos sociais, cósmicos, exatamente no tempo como agora. Se as pessoas estão imersas neste tempo, vivendo no que o inconsciente delas sente, de insurreição, tudo passa a ser uma coisa única. Antropofagia. As coisas se comem em um tempo que tudo está rolando ao mesmo tempo.

A Beatriz de Azevedo é um profeta, um Xamã, como Aleijadinho. Profetas têm uma capacidade humana, inclusive de percepção espacial... Aleijadinho é, antes de tudo um grande encenador, que ensina, Oswaldianamente, o aqui e agora, porque estão aí ligados à luz da cidade, olhando em pontos diferentes, pontos cardiais, relacionando com a cidade. Tem um poema belíssimo, que chama  OCASO (O. de Andrade)... “No anfiteatro de montanhas / Os profetas do Aleijadinho / Monumentalizam a paisagem/ As cúpulas brancas dos Passos/ E os cocares revirados das palmeiras/ São degraus da arte de meu país/ Onde ninguém mais subiu/ Bíblia de pedra-sabão/ Banhada no ouro das minas”. É o que ele chama de arte sacra. Esse lugar, esse espaço aqui agora é um espaço Oswaldiano no sentido de que ele é um espaço órfico, um espaço Xamânico. Ele tem a mesma importância que tem os grandes espaços religiosos. É uma religião de um sujeito bastardo, mestiço, uma igreja só dele e praticamente ele tem os profetas todos amaldiçoando, talvez a própria Bíblia. Eu não sei, mas vi algo de insurrecional nestes profetas.

A arte em si é uma religião. Te liga, te pluga no lugar que você está em você mesmo. A arte desenha seu inconsciente, delineia de várias maneira

Quando você diz deste sentimento órfico, é um resgate primitivo do manifesto?

Todas as religiões, sobretudo muita bruxaria e nenhuma igreja. Essa igreja vale muito mais como obra de arte sacra. Ela é um terreiro também, feita na terra, com as minas, com pedra sabão, ferro. É um espaço terreno religioso. E aí ele tem uma coisa ancestral nele, que transcende o catolicismo, sobretudo da arte. É todo encenado. Devia deixar sempre como um lugar sagrado. Ainda não compreenderam o que é um lugar sagrado. A arte sacra é uma abstração, não leva a sério. Qualquer imagem sacra, arte sacra, tem um poder energético nela, tem alguma coisa, não é só uma coisa que enfeita. É usado muito como enfeite, não é decoração. É uma arte que procura o sagrado. O sagrado é algo imanente, que irradia, da relação entre os astros, da gravidade da terra, da gravidade entre os corpos, entre todo o espaço... A arte em si é uma religião. Te liga, te pluga no lugar que você está em você mesmo, de maneira que aciona o teu DNA, o teu mundo de percepção inconsciente, que é muito mais rico que seu consciente. A arte desenha seu inconsciente, delineia de várias maneiras. Aqui, a mesma coisa em Pampulha, que tem a igrejinha do Niemeyer que é belíssima, uma mistura que tem antropofagia de vários artistas, que é da arte, religião da arte aquilo, você entra lá e você pira. Minas tem essa coisa. Pampulha, aqui, Inhotim, a possibilidade do teatro... Na montagem de O Rei da Vela eu comecei a viajar com maconha, ayoasca, peiote, ácidos maravilhosos, e eu me lembro de todas as viagens. Eu me lembro de todas as viagens.

Eram viagens que te trouxeram frutos de produções?

Peças! Nós todos viajávamos, nos eramos uma geração que viajava muito. Como que era tal pessoa? Sempre viajando! Era assim mesmo.

Seu trabalho nos anos 60 tinha a ver com a repressão?

Claro que tinha! Porque, inclusive, você cria a obra de arte e ela dribla a repressão. A repressão tem conceitos sempre atrasados. Na época, eles queriam combater o realismo socialista, peças do Teatro de Arena, do Teatro do Oprimido. E as minhas passavam porque eles não entendiam. Eram revolucionárias, mas mexiam com o inconsciente, com o contato dos corpos. (encena) Muito humor, humor... Tragédia, tragédia... Tesão, tesão... Daí nasceu a tragi-comédia-orgia, que nós fazemos no Oficina.

O que significa a orgia, que você tanto cita, no seu trabalho?

No nosso trabalho, porque nós somos da mesma espécie. A gente é gente. Todas as cores, disso ou daquilo. Os grandes acontecimentos. Por exemplo, os gregos quando nasciam gêmeos faziam orgias. Orgia é dança, amor, amor livre. Dança livre. Por exemplo, se usou muito estes termos nos grandes sambas dos anos 30. “Não posso mais... Eu quero voltar pra orgia”. Orgia é festa sem limites, que não tem limites, você bebe, você canta, você trepa, você fode. Não tem limites. É orgia porque você... Orgia é aquilo que você sente quando você se entrega totalmente a um bloco de carnaval, num transe coletivo. Aquilo é orgia, porque você comunga com a espécie inteira, é uma plenitude, você se religa. Mesmo sexualmente, a orgia é um ato religioso maravilhoso. Mas neste sentido ela vem com música, com teatro, com todas as artes. É a tragicomédia, porque o drama acabou. O drama deixa pra Globo. (encena) O bem e o mau, será que eu dou, ou não dou, se eu como, ou não como, o Drama, ah meu Deus! Drama da morte! Morreu, renasceu... Ta em mim o morto, toca em frente. Come o morto.

Não. Tudo tem que ter um riso debochado, principalmente hoje. A palavra de hoje tem que ser desordem e regresso, é isso que eu acho.

porque teatro é uma coisa séria. A pessoa que é busto, não mexe na parte de baixo, que tem sempre uma indignação... Não. Tudo tem que ter um riso debochado, principalmente hoje. A palavra de hoje tem que ser desordem e regresso, é isso que eu acho. O Impeachment que transformou o Estado nesta porcaria que ele é... O Estado já é ruim, e nas mãos de evangélicos é pior ainda. Neste momento de maior desigualdade do mundo, causado pelo Neoliberalismo de Margaret Thatcher, existe uma insatisfação absoluta que eu acho que é uma insurreição, que eu acho que vai derrubar tudo.O que lhe faz revisitar Antonin Artaud, poeta e dramaturgo francês de aspirações anarquistas? Os sentidos mudam?

Isso é eterno. Os sentidos mudam, as pessoas mudam. É uma peça de sucesso. Nós a fazemos há 20 anos. Paramos, voltamos e é um maior sucesso, lotando os teatros. E colocamos máscaras também, de figuras deste ridículo absoluto, de (Eduardo) Cunha a (Michel) Temer, (José) Serra e (Rodrigo) Janot fanático.

O público reage como a estas intervenções?

Nossa! O público delira. Principalmente no dia do Impeachment, porque a gente foi em Brasilia fazer, né? Uma maravilha, uma chanchada política, metafísica. Metafísica não, porque o ator não é metafísico. O ator é corpo, é físico. Mas a peça é... Por exemplo, em Brasília a peça foi no último dia do Impeachment, a gente não estava bem. As pessoas na plateia estavam desesperadas. Aí voltamos agora porque o Artaud diz a todo ator: “é preciso saber o inconsciente da sua época, o ator precisa saber”. É insurrecional. O inconsciente do ator mesmo é a insurreição pra dar um fim no Juizo de Deus. Deus mesmo, desta pirâmide, do topo que juga, que se intromete na vida particular, etc. Esse horror de ideologia dominante.

E Oswald comeu isso. Ele comeu o messianismo, ele não quer nada. Ele tem horror de esperar por um dia mais justo, uma sociedade justa, ir pro céu, ficar rico. É aqui e agora. O tempo exige isso. Hoje eu nem tomei banho, vim pra cá. E eu nem sei o que eu to falando, eu tenho que ir indo. Isso acontece na sociedade também. No momento que tem esse golpe, houve um despertar enorme. Começou pelas crianças ocupando escolas, se beijando diante da PM, sinais diários de transmutação que não param.

"A arte em si é uma religião. Te liga, te pluga no lugar que você está em você mesmo, de maneira que aciona o teu DNA, o seu mundo de percepção inconsciente, que é muito mais rico que seu consciente. A arte te delineia de várias maneiras”

Esse corpo deglutido...

É um corpo sem órgãos. Por exemplo, é mentira que eu sou um indivíduo. Esse lugar (o anfiteatro) foi feito por outras pessoas, aqui tiveram muitos acontecimentos, a gente é tudo isso. É tudo. A gente não é só. A gente é hoje. É uma espécie ligada a outras espécies. Uma espécie que tem medo de ser gente e que quer fazer uma ordem neste caos que é a vida. A ordem sem o caos não existe. O caos é movimento da vida. Se você estabelece uma ordem rígida, piramidal, com departamentos, qualificações, você é jornalista, tal coisa, então não tem isso... Tem um mistério. Tem um combate a todos os muros que querem impedir essas coisas de fluírem. A infra da vida é a cultura da vida. Não é a economia. É uma ideologia, o neoliberalismo é uma ideologia, embora digam que não.

Zé, com este seu trabalho, desde quando você fundou o Teatro Oficina, o tempo que você paralisou, o exílio, depois quando você voltou... Há como resumir o que você busca e o que você alcança?

Nunca paralisei. Fui paralisado! (ri) Uma coisa que eu busco, a única coisa que eu busco mais palpável... A primeira é o Aqui e Agora. Outra é, como os índios, é o objetivo do Teatro Oficina, ter o entorno transformado num espaço público, isso há 36 anos. É uma luta quase diária. Em 36 anos conseguímos que não fosse construído nada no entorno. Eu busco. Eu preciso do teatro. Eu preciso. Eu busco minha necessidade maior que é exatamente estar vivendo em cena. Mesmo minha vida pessoal, eu busco teatralizar ao máximo. Nós moramos em 5 pessoas, em 2 apartamentos, e é uma espécie de terreiro também, a gente é muito bagunceiro, temos uma ligação que compensa. Enfim, minha busca maior é estar aqui agora e vivo e ligado. Principalmente num momento destes. Por exemplo, agora, eu vou fazer 80 anos. Vai ser um momento maravilhoso. Vou pegar mais uma terra em transe, vou embarcar em outra viagem, tornar essa viagem uma transformação. Oficina tem sido um lugar de belíssimo teatro cultural. É resgatar a vida.

Eu vou fazer 80 anos. Vai ser um momento maravilhoso. Vou pegar mais uma terra em transe, vou embarcar em outra viagem, tornar essa viagem uma transformação.

O que te faz permanecer na velhice?

Eu acho a velhice formidável, cara. Eu tenho 58 anos de teatro. De lutar, de ser preso, de ser exilado, voltar, fazer peças maravilhosas. Adoro todas as peças que eu fiz. Sem exceção, isso é impressionante. Eu só consigo fazer se eu for apaixonado, e quero continuar assim. Tem várias coisas que estão acontecendo, que estão rolando. Nessa idade você recebe o dom de Senador e de Xamã. Eu percebo que eu sou Xamã também, porque me lembro de todas as minhas viagens. Com a minha percepção atual, tenho uma espécie de reciclagem. Principalmente nesta época que a sociedade está desiquilibrada, em movimento, a insatisfação, que pra mim é de insurreição, entendeu, eu vou relendo tudo, relendo as peças que fiz, os autores que conheço, trazendo sempre para o agora. E realmente eu tenho insights que eu não tinha antes, coisas que só fui perceber agora. Eu vou pulando, pulando, isso dá uma juventude. Isso transmite o eterno. É uma coisa maluca no teatro, é antropofágico. Fiz Barcantes (peça encenada em 2012 com direção de Zé Celso), aí pensei, “sou apaixonado pelos gregos!”, depois fiz O Banquete, e nossa! Sou apaixonado por isso! Isso é terno. Mas tem que trazer para o tempo. Se você está vivo, não é uma coisa superficial, de trazer para o tempo de colocar umas coisas moderninhas. Na realidade o tempo está na gente. A gente amadurece a partir do que o tempo está ensinando naquele momento. Radicaliza a percepção. Você vai pra cena e incorpora isso com lucidez. É um transe totalmente lúcido. Transe é uma coisa lúcida. Quando a gente está viajando, a gente está mais lúcido do que nunca. E eu procuro sempre, me encho de maconha e entro em cena. Não tomo mais ácido porque é vasoconstritor, eu sou cardíaco. E vinho bom. E aconselho. O teatro antropófago, os indígenas tomam alucinógenos para os rituais. Se a gente vivesse numa sociedade menos careta, a gente poderia perfeitamente começar o ato com todo mundo fumando maconha, sendo levado para outra religião, muito mais interessante do que ficar nessa série de cerveja. O vinho é muito doido e os alucinógenos também, e fazem parte da construção teatral. Em 67 a gente retomou a antropofagia, Oswald, que nos levou para os indígenas, ao Candomblé, a Tropicália, nós todos tínhamos a mesma visão. A gente descolonizou o Brasil e tudo voltou a ser como era. Não é mais assim.

Você acha que o teatro que se faz hoje é careta?
Drama já era. Pelo amor de Deus, em pleno século 21, vivendo a tragédia ecológica, econômica, a desigualdade nunca vista, vai falar em drama? Foda-se! Isso não tem importância nenhuma. É outra coisa que importa na vida. Essas decisões estão ligadas a oura coisa muito maior. Tupi or not tupi. Ou você tem coisas muito maiores para se preocupar, ou então já era. Não sou eu que digo isto. Tem um livro sobre o fim do teatro dramático. De qualquer maneira, ainda insistem. Os musicais da Broadway não têm tragédia, todos dramas. Eram muito bons anos atrás. Depois da Guerra, foram todos pra Hollywood e souberam fazer coisas maravilhosas com os musicais, mas agora virou enlatado mesmo. Coisa que tem público imenso, e não quer dizer absolutamente nada. O Falabella bota umas coisas ou outras, mas não chega na antropofagia, continua no bem e mal, no mocinho e na mocinha. Teatro de Shopping é um horror. Quem está em cena não é o teatro, é uma gaveta do Shopping. Por isso que o teatro luta muito para ter um espaço. 

O seu percurso teatral é um modo de guiar a antropofagia no teatro...
O que me inspira: Oswald de Andrade, Artaud, Nietzsche, Jean Genet, Brecht (a partir de Oswald).

Teve um momento de deslumbre, Zé, que você se deparou com o Manifesto Antropófago, o movimento e disse “É isso!”?

O Rei da Vela, cara. Eu li e não gostei. O Renato Borgh leu em voz alta em Ipanema, em um apartamento, e a peça se revelou. Tanto que ano que vem a gente vai refazer e o próprio Renato, que tem a minha idade, quase 80, que vai fazer, porque ninguém como ele sabe ler Oswald. Exige uma maneira de falar muito específica, porque é um teatro muito baseado nesta mistura. É um teatro que cria entidades. É um teatro de uma riqueza absurda. A única versão boa que eu vi de O Rei da Vela foi feita por gente que estava na cadeia, no Carandiru. Maravilhoso! Eles tinha necessidade de por pra fora aquilo, aquelas palavras. Eles se davam para o público. Teatro é muito ligado... Você precisa de outro, você se dá pra esse outro. Aí... E me perdi. Quem acha quer se perder... Se perder faz parte.

“A gente não é só. É uma espécie ligada a outras espécies. Uma espécie que tem medo de ser gente e que quer fazer uma ordem neste caos que é a vida”

64 afeta muito o Oficina. Como que 2016 afeta o Oficina?

Ótimo, porque está tendo um movimento de público. Mas a gente cobra barato, tem que cobrar barato. Temos um publico, infelizmente, só jovem. Antigamente nós tínhamos todo os públicos, inclusive a burguesia. Então a gente ganhou dinheiro, rodamos o Brasil todo, todos os teatros do Brasil. Aqui em Minas, no Teatro Marília, onde a gente fez até A Selva das Cidades, uma loucura.

Qual o lugar do artista?
Deve reagir com a arte dele. Insurreição. Acompanhando o movimento geral. Se abrindo. Insurreição, inclusive, de formas. O artista tem que intervir, não só no plano social, mas no plano dos partidos. Tem que ter um terceiro olho para ver mais claro. Mesmo essa coisa da corrupção. Se quer combater a corrupção tem que ir na raiz. É uma questão de distribuição, que o Oswald no manifesto coloca também. Distribuir nossos bens físicos. Hoje você gasta uma fortuna pagando embalagens de produtos péssimos, sintéticos, como diz o Artaud. “Natureza, beleza verdadeira, tem que ceder sua posição aos produtos de reposição”. Esses textos são muito lindos.

Não dá pra resistir a nada. Mudou, você tem que mudar o jogo. Não adianta ficar protestando. Muda o jogo

O teatro que você faz é de resistência?

Não! Jamais! Reexistência. Não dá pra resistir a nada. Mudou, você tem que mudar o jogo. Não adianta ficar protestando. Muda o jogo. Houve uma grande mudança antes do Impeachment, depois do Impeachment. A gente não resistiu. A gente embalou em outra onda. Não adianta ficar protestando. Muda o jogo. Quando a polícia vinha assistir minhas peças, eles não sabiam de nada, só depois é que iam censurar, quando viam a reação do público. Não eram os mesmos códigos de antes, eram códigos diferentes. A minha versão para “Os Pequenos Burgueses” e para “O Rei da Vela” eram completamente diferentes, tudo capturável. Cada peça é uma novidade. É um ser que é velho, mas que torna novo tudo. É como um ser vivo cada peça.

Qual a maior potência do teatro?
Ser ao vivo e na presença de humanos. É de uma potência extraordinária, mas uma potência que está esquecida. Celular, internet, rádio, televisão... O grande problema do teatro é o celular. Tem pessoas que gostam de ficar filmando, faz selfie. A gente proibiu.

O que a gente ainda não descobriu do teatro?
Tudo.

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