Espaços voltados ao público gay tornam-se cada vez mais plurais

César Augusto Alves e Vanessa Perroni
almanaque@hojeemdia.com.br
08/04/2016 às 18:13.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:51
 (Rodolfo Duarte/Divulgação)

(Rodolfo Duarte/Divulgação)

Quem conseguiria imaginar, há pouco tempo, um camarote voltado ao público LGBT dentro de uma das maiores festas de música sertaneja do país? A 4ª edição do Villa Mix BH, que acontece hoje, no Mega Space, oferece exatamente isso. O Camarote Sense existe desde a 2ª edição do evento, e é (ou era) totalmente destinado ao público gay. Um dos grandes atrativos da festa, o espaço já está com ingressos (um dos mais caros do evento) esgotados. 

O preço alto e a exclusividade não são em vão. O público é exigente, o que fez com que o “Sense” tivesse mais atrativos que as demais áreas, como, por exemplo, shows exclusivos que ocorrem nos intervalos das apresentações principais do festival e decoração temática. 

“É um público que procura diferenciais. Decidimos propor ao evento que considerasse sugestões dadas pelas redes sociais para um espaço especial”, conta o relações públicas à frente do “Sense”, Victor Araújo. 

O Villa Mix BH terá shows de Jorge & Mateus, Wesley Safadão, Israel Novaes, Simone & Simaria, Matheus & Kauan e DJ Alok. Hoje, a partir das 15h, no Mega Space, em Santa Luzia. A festa oferece espaços diferentes

Pluralidade

Tantos diferenciais acabaram atraindo não só o público para o qual o camarote foi originalmente pensado. “Há muitos casais heterossexuais que vão para esse camarote. Ele se tornou um espaço aberto, apesar de 80% do público ser gay”, afirma Araújo. 

O relações públicas acredita que esse movimento acontece pelo espaço ser mais confortável. “O público LGBT não é preso a nada. Está ali para dançar e se divertir. É um pessoal animado, o que cria um ambiente tranquilo”, avalia.

Uma das premissas desse espaço é levar bandas que já são conhecidas no universo LGBT da capital mineira. “O legal é que as pessoas que não frequentam esses espaços acabam gostando e, depois, indo nesses lugares para conferir outros shows”, observa.

Espaços Híbridos

Depois de ter ido a uma festa “sem rótulos”, a arquiteta Ana Luiza Santiago, de 32 anos, nunca mais deixou de ir. “Isso tem uns dois anos. Foi no Mercado das Borboletas”, lembra. 

De acordo com ela, o ambiente é favorável para realmente curtir a festa. “São mais animadas. Não tem ninguém que chega em você de forma grosseira. Quando rola um flerte tem respeito e o ‘não’ é entendido”, relata ela, que namorou por sete meses um rapaz que conheceu em uma dessas baladas “híbridas”.

Assim como Ana Luiza, o engenheiro civil Gabriel de Paiva, 28 anos, também prefere ir a festas destinadas a um público diverso. “As pessoas são mais verdadeiras. As músicas são ótimas. Cada um é o que é e ninguém fica reparando muito em você”, justifica Gabriel, que foi pela primeira vez a convite do irmão, que é gay. 

 Festas ‘híbridas’ unificam públicos e são sucesso em BHLeo Lara/Arquivo Hoje em Dia/16-11-2014 / 

TRANSA! – Evento agrega público que curte se divertir ao som de música brasileira

 Para quem curte festas sem rótulos, onde todos são bem-vindos, opção é o que não falta em BH. Há cinco anos a cidade abriga edições da festa Transa!, que agrega público focado em se divertir ao som de música brasileira. “Não pensamos em um público específico quando começamos a festa”, revela o músico Alfredo Francis, de 30 anos, que criou o evento junto com a DJ Carou Araújo.

Ele comenta que o fato de serem gays acabou levando esse público para o evento, mas depois vieram os amigos dos amigos e as pessoas compraram a ideia da festa. “É um espaço híbrido. Sem rótulos e com muita alegria e bom humor”, pontua. 

A iniciativa deu tão certo que todo ano eles fazem uma edição comemorativa em um espaço aberto da cidade, além de uma festa mensal. “Já realizamos edições em São Paulo, Rio de Janeiro, Diamantina, Mariana, Sete Lagoas e Viçosa”, enumera Francis, que também leva a festa para eventos fechados como casamentos. 

 AbsurdaDynelle Coelho/Divulgação 

@bsurda – Festa toca “de tudo”, “sem frescuras”

Há seis anos no mercado, o DJ e produtor Ed Luiz é um dos criadores da festa “@bsurda”, iniciada em 2009. A ideia de criar o evento surgiu da necessidade que ele sentia de unir pessoas em uma festa que tocasse de tudo, “sem frescuras”. “Você tem que se sentir livre na @bsurda. É o espírito”, diz.
 
Entre festas tradicionais e as que vêm tomando o cenário alternativo da capital, Ed não vê diferença na hora de produzir. O que muda, na verdade, é a divulgação, o modo como a festa chega às pessoas. 

O DJ e produtor confirma a tendência que o mercado vive de “unificar” o público em um só. Essa mudança atrai héteros a festas que, até então, eram estigmatizadas como festas gays. “Muitos heterossexuais preferem festas alternativas, porque se sentem melhor. Essa diversidade é muito legal”. 

A MASTERplano é outro exemplo de festa com uma pegada livre. Trata-se de um evento de música eletrônica na rua. O convite é feito pelas redes sociais e o endereço divulgado poucas horas antes da realização

Embora crescente, diversidade não pode camuflar preconceito

Mesmo com a perceptível mudança comportamental, e até mesmo cultural, de uma sociedade que se “mistura”, não se pode ignorar que o preconceito ainda existe, é perigoso, e que há muito a se combater. 

O fenômeno que atrai pessoas com comportamentos diferentes é um passo rumo ao avanço. No entanto, ainda persiste um pensamento de que o espaço isolado é onde gays, drags, performistas podem dar vazão a algo que deve ser reprimido na sociedade. Lá dentro, tudo é aceitável e, por isso, convive-se bem. 

O fato da sexualidade (quando não hétero) ainda ser um motivo de vergonha social é algo que persiste e requer cuidado quando abordada. Para a socióloga Astreia Soares, professora do Mestrado em Estudos Culturais da Fumec, não é possível falar que não existem mais eventos e espaços não estigmatizados. 

“A gente sabe que são espaços que eram guetos isolados e que hoje são mais abertos e frequentados”, pondera. “Mas não podemos ignorar a homofobia. A sociedade tem dever de proteção a esse sujeito, a esse público”, observa. 


Interculturalidade

Como no caso da origem da festa @absurda, que hoje faz parte do circuito alternativo da capital, o intuito é atrair um público que se interessa por um mix cultural: ritmos, pessoas, grupos. Independentemente da sexualidade, há algo que atrai as pessoas e que cria um intercâmbio cultural. 

É um processo sem volta, que ascende e cria novas oportunidades de mercado e de lazer. “Independente do comportamento sexual, as pessoas participam e convivem muito bem, obrigado”, lembra Astreia. 

A socióloga cita ainda um exemplo recente que representa essa mudança de comportamento. Em um só espaço (o Viaduto Santa Teresa), aconteceu ao mesmo tempo um Duelo de MC’s e um Duelo de Vogue (competição de performances remanescente dos anos 1980). 

“Parece distante, mas é uma causa comum, pelo direito à voz, expressão artística. Essa identidade contemporânea é múltipla”.

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