Espelhos: FIT-BH aposta no teatro político para levar as pessoas a olharem para si mesmas

Vanessa Perroni
vperroni@hojeemdia.com.br
20/05/2016 às 19:49.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:32
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

A 13ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH) não termina no próximo domingo (29), como prevê a programação. “Temos um trabalho de pós-produção. E o exercício de tentar compreender esse festival para desenhar a próxima edição”, afirma o diretor de Artes Cênicas e da Música da Fundação Municipal de Cultura, Jefferson da Fonseca Coutinho. 

Antes de pensar o próximo, ele faz uma viagem de volta às origens do FIT. “Nós temos 13 edições para dissecar e compreender melhor os seus acertos e erros. Dessa forma podemos rascunhar algo melhor”, assegura Jefferson, que revela à reportagem a presença de um ombudsman nesta edição, papel assumido pelo diretor teatral Carlos Rocha, ex-coordenador do FIT. “Ele vem como um consultor para enxergar o que está aí e nos ajudar com um documento para a construção do festival seguinte”, complementa. 

Com uma fala apaixonada e um brilho no olhar de quem carrega a esperança de dias melhores para a cultura no país, Jefferson – que além de ocupar um cargo na FMC, é ator, diretor teatral e jornalista – falou ao Hoje em Dia sobre assuntos relacionados ao FIT e também o momento crítico que o país atravessa na órbita política.


Como você analisa a recente extinção do Ministério da Cultura?
Eu vejo como um grande retrocesso. É uma perda lamentável e muito triste para a população brasileira. A gente volta ao passado de uma forma muito dura. A cultura é um encontro e uma reunião de muitos conhecimentos. Não dá para mensurar e entendê-la como algo menor. Acredito que este também seja o sentimento de todos os outros gestores da Fundação Municipal de Cultura que, de alguma forma, participam da vida de muitos artistas. Quando você vê um ministério importante, como o da Cultura, sendo extinto numa canetada é muito triste. Isso coloca em cheque inclusive as secretarias de cultura de todo o país. Num momento em que a gente tem entendido que o melhor caminho é o diálogo e a escuta, eu acredito que numa ação como essa não houve a menor escuta e o menor diálogo. Isso amplia a necessidade das cidades agirem com muita força. Porque se, na esfera federal a gente tem esse enfraquecimento, vejo que é mais do que a hora das cidades se empoderarem no que se refere à cultura. Eu me preocupo especialmente com a população. Será que a população tem a percepção do tamanho deste problema? O que isso realmente significa? Será que a gente já não avançou o suficiente para entender que a cultura também é uma prioridade? Quantos projetos de cultura não foram fundamentais em lugares onde as pessoas não tinham outra opção que não o tráfico e a violência. Me recuso a acreditar que isso seja definitivo. Eu tenho muita esperança, muita fé que eles vão entender o absurdo e o tiro no pé que isso é. O risco que isso representa para toda a população.

Porque escolheram o tema resiliência para essa edição do FIT?
A resiliência é inerente ao ser humano. Desde que o mundo é mundo a gente se transforma para poder sobreviver. E o teatro é uma plataforma de reinvenção, desde os seus primeiros movimentos. E isso basicamente reforça e fortalece uma ideia do teatro político. Todo teatro é político, mas de alguma forma, em alguns momentos, como entretenimento isso pode se perder e não ter a força necessária para dizer aquilo que se quer dizer. Eu queria até ressaltar o valor que eu entendo e vejo claramente no teatro como entretenimento. Por outro lado nós temos o teatro que às vezes aperta uma ferida. Esse teatro é muito potente. E os festivais internacionais têm uma missão muito especial de lhe alertar. Esse teatro que faz refletir e lhe tira da zona de conforto, que lhe diz aquilo que você não quer ouvir, tem um lugar muito forte do ponto de vista da transformação. Às vezes o que incomoda você é o que lhe faz transformar. Nós precisamos, ainda mais nesse momento que o país atravessa, empoderar o teatro político. Esse é o lugar do teatro que nós encontramos e temos na grade do festival em 2016. Um teatro que lhe traz um espelho e faz olhar para você mesmo. Se não um espelho para lhe mostrar, um espelho um pouco enviesado para mostrar o outro. Para você ver o outro de frente e não de lado. 

Estamos vivendo dias de turbulência política que afetam diretamente a vida de todos, como a polarização da sociedade, e, em consequência, uma certa intolerância ao que “pensa diferente”. Como isso reverbera no FIT?
Esse clima reverbera no FIT desde que surgiu nos idos de 1990. Um festival com essa capacidade e força de abrangência provoca essas questões, que são muito delicadas. Eu tento entender o FIT como algo que está acima de todas as inclinações particulares e políticas. É um festival que precisa ser pensado para a população da forma mais coerente, honesta e transparente possível. Não dá para pensar o FIT do grupo A ou B. Ele é da cidade. Nós precisamos superar essa ideia da intolerância. Nós temos artistas para todos os gêneros e inclinações nessa cidade com total capacidade de transitarem por todos os lugares. E essa é a beleza dessa cidade tão plural. 

A ocupação de lugares pouco explorados pelo teatro, como a boate Sayonara, é uma proposta mais atrelada aos espetáculos que serão apresentados ou também se conecta com um desejo da organização do FIT?
Isso é um desenho e um desdobramento do que acontece no mundo. Basta citar, por exemplo, o Teatro da Vertigem quando vem pra cá com sua trilogia bíblica, dirigida pelo Antônio Araújo, e ocupa uma igreja, uma delegacia e um hospital. Não dá para falar no teatro pensando nele apenas como espaço físico. Nós já tivemos experiências maravilhosas em Belo Horizonte com o Parque Lagoa do Nado, com o Parque Municipal, e outros. Eu acho que o teatro tem que acontecer em todos os lugares e nós temos que nos apropriar mais disso. Toda vez que o FIT puder promover esse deslocamento vai ser muito bom para a cidade. De ver o espaço não só como plataforma para a apresentação, mas como parte dessa história. 

A seção Projetos Especiais traz uma mostra de produções oriundas de escolas de artes cênicas da capital mineira, uma atualização da Mostra de Escolas, já feita em edições passadas. Esse resgate é uma tentativa de preservar a memória do evento?
Não só uma tentativa de preservar a memória, mas fortalecer o papel das escolas profissionalizantes de Belo Horizonte. A cidade é hoje esse grande celeiro por causa das escolas que temos aqui. A gente fez questão de fortalecer e recuperar essa ideia das escolas para que elas também pudessem se mostrar para essas plateias internacionais, para os programadores internacionais e para Belo Horizonte. Muitos dos belo-horizontinos não conhecem os trabalhos dos centros de formação. E o FIT é um ótimo lugar para mostrar que nessas escolas ensina-se um bom teatro e não é à toa que temos tantos coletivos que têm se projetado para fora de Minas Gerais e também para outras partes da América Latina. E, porque não dizer, do mundo.

Logo após a divulgação da programação, o Grupo dos Dez divulgou carta de repúdio ao FIT-BH, por falta de representatividade negra. Como este fato reverberou internamente?
O Grupo dos Dez tem todo o meu respeito. É absolutamente legítimo esse levante no que se refere a querer ser ouvido, a buscar visibilidade a um teatro tão bom que eles fazem. Como um espaço de encontro e de plataforma, o grupo está convidado a dialogar com a gente. Eles já estiveram aqui, inclusive, e estão convidados para, no dia 25, participar de um seminário para essa conversa sobre o teatro negro. Não se trata de discutir quantos negros trabalham no FIT ou quantos negros estão em cena. Posso garantir que são muitos. A pluralidade da cidade é tamanha que seria impossível que essa grade conseguisse contemplar todas essas demandas e vozes. Mas é hora de construir. Não acho que é tarde. Nesse momento estamos tentando construir um plano de ação para deixar para o novo governo. E as vozes deste movimento e os outros agentes culturais seguramente estarão no nosso projeto. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por