Estação da Cultura é principal legado de Eliane Parreiras

Cinthya Oliveira - Hoje em dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
03/11/2014 às 07:41.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:52
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O processo eleitoral praticamente não levou em conta o setor cultural, mas essa é uma área que tem tido crescimento relevante em várias instâncias de poder – tanto de investimentos quanto de reconhecimento como um ponto fundamental para a economia e a cidadania. Em nível estadual, os recursos cresceram. Nos últimos quatro anos, cerca de R$ 1,7 bilhão foi investido no setor.

A dois meses da troca de governos, a secretária de Estado de Cultura, Eliane Parreiras, faz um balanço de sua gestão de quatro anos, que foi marcada principalmente pelos projetos de descentralização da cultura e pela construção da Estação Cultural Presidente Itamar Franco – um complexo arquitetônico no Barro Preto que vai abarcar uma sala de concertos para a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e um prédio que abrigará a Rede Minas e a Rádio Inconfidência.

Quais foram os principais desafios de sua gestão?

Minas tem algumas questões que todos conhecemos. O tamanho, a diversidade, o número de municípios, regiões muito desiguais, e dentro das regiões muita desigualdade, alguns municípios são muito pequenininhos... Mas no caso da cultura, e também de outras pastas, é muito importante a descentralização e regionalização da política pública. E este é o principal desafio.
Há a necessidade do aumento de investimento e do orçamento para a área. Mas isso sozinho não é suficiente, a gente tem que avançar ainda mais nos marcos legais para que garanta a diversidade cultural. Esse é um desafio comum a todos os Estados, não basta ter o recurso, tem que descobrir como criar fontes de verbas de financiamento que garantam a diversidade cultural. Isso foi uma coisa que a gente debateu muito na secretaria.

Outro grande desafio é o patrimônio cultural. Em Minas, não há um único município que não tenha um patrimônio material ou imaterial muito forte e muito presente. A gente viu a dificuldade que é trabalhar isso. É um setor que demanda não só muitos recursos, como também mão de obra especializada e parceria nas três instâncias.

E o programa Patrimônio Vivo (que repassou mais de R$ 9 milhões a vários municípios mineiros para desenvolvimento de projetos e obras) foi justamente uma parceria entre Estado e municípios...

Exatamente. Temos dois programas ligados ao patrimônio. Um é o ICMS Patrimônio Cultural (que repassa verba para municípios bem estruturados sobre patrimônio), que é um projeto de descentralização muito importante. A maioria das cidades já tem seus conselhos municipais de patrimônio e isso cria uma consciência no município. E o programa Minas Patrimônio Vivo foi criado porque, assim que assumi, o governador Anastasia me pediu: ‘quero um grande programa relacionado a patrimônio’. E fizemos um projeto que é grande, porque ele não abarca só o investimento em elaboração de projetos e intervenções de obras. Ele tem a parte de educação patrimonial, a ampliação do Minas Para Sempre, que é a instalação de alarmes contra incêndio e roubos nas igrejas, e tem a parte de inventário. O Patrimônio Vivo é um programa muito grande e esperamos que tenha continuidade no próximo governo.

E os municípios aderiram bem ao programa?

A gente entende que houve uma conscientização e uma maior participação, algo que é muito diferente do que havia há 15 anos. Não é só o poder público injetando dinheiro. A partir do programa, os municípios passaram a conhecer a sua história, os conselhos municipais de cultura passam a ter tudo registrado, as pessoas passaram a ter participação efetiva no processo de memória, registro, monitoramento.

A interiorização foi uma marca de sua gestão. Que resultados você tem do Minas Território da Cultura (programa que abraçou várias ações no interior, voltadas para agentes culturais e gestores públicos)?

Vou voltar um pouquinho, porque o programa Minas Território da Cultura faz parte de um processo de regionalização e descentralização. Esse esforço ganha peso com a criação da área de interiorização dentro da secretaria. Depois, em 2011, foram criados núcleos regionais, ano em que fizemos um primeiro fórum de gestores de cultura, para estabelecer diálogo com as regiões, uma ação importante para levantar as principais demandas e mapear como seria o trabalho com cada região. A partir disso, passamos a desenvolver um programa que atingisse as regiões como um todo, para que pudesse apresentar política pública e discuti-la, vendo o que era possível em cada região, observando as visões do interior. Um trabalho que também envolvesse a capacitação, seja para a atividade cultural em si ou voltada para a compreensão da política pública: como participa do fundo, como participa da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, como presta contas. Decidimos juntar tudo numa grande ação, com esses três eixos. Fomos a todas mi-crorregiões, para não ficar dentro das cidades-polo, e tinha envolvimento dos municípios. O planejamento era feito com os municípios, que traziam as demandas. Foram quase 1.700 ações.

Na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, já houve uma mudança na participação do interior? O interior está participando mais da captação de recursos?

Pela primeira vez batemos o número de 45% de proponentes de Minas Gerais que receberam recursos captados. A gente tem um número muito importante de que 104 novas empresas que passaram a usar a lei. Acho que há dois incentivos para isso. Um é a redução da contrapartida, que permitiu que as empresas de pequeno e médio porte pudessem participar de forma diferente. São empresas que não possuem um caixa reservado especialmente para isso. Mas isso sozinho não é estímulo suficiente. O Estado tem que fazer um trabalho de mobilização superior a isso. Que é qualidade de programação, incentivo para diferentes projetos, para que tenha diversidade, para não ter só um perfil de projetos inscritos. Fizemos mapeamento de ações muito interessantes, iniciativas culturais de todas as áreas artísticas no interior, de muita qualidade.

Conversei com produtores, perguntando sobre questões que ainda precisam ser resolvidas na área da cultura, e vários disseram que algumas das grandes empresas os chantageiam para acertar um patrocínio. As empresas pedem de volta a contrapartida obrigatória “por debaixo dos panos”. Essas denúncias chegam à Secretaria?

Você tocou num ponto crucial. A denúncia não existe.

O produtor acredita que não vai conseguir mais patrocínios depois da denúncia?

Não estou julgando, mas só contextualizando. Como poder público, não posso trabalhar um processo sobre uma empresa X ou Y sem a denúncia formal. O que nós temos feito de maneira efetiva é um processo de acompanhamento da prestação de contas, para tentar evitar relações que são inadequadas. O problema é que só temos condições de identificar isso na prestação de contas, quando a coisa já aconteceu e, por isso, temos vários processos administrativos. Mas não é só a Secretaria de Cultura que faz o monitoramento, a Secretaria de Fazenda também. Fazemos um acompanhamento, mas isso não pega essa situação que você está citando, de proposta de utilização inadequada do recurso.

O fundamental é que o produtor não aceite esse processo de corrupção, porque a conivência também é um problema grave. E é importante colocar os pingos nos is, sim, tem que ter coragem de falar sobre essas propostas inadequadas, até porque isso não parte só das empresas, nós sabemos que há intermediários. Mas isso precisa ser formalizado. A gente tem conversado muito com as empresas para estimular editais públicos, para que fique mais transparente o processo. Isso não tira a liberdade da empresa na escolha dos projetos.

E acredito que a Lei Estadual de Incentivo à Cultura é instrumento que precisa ser avaliada anualmente, porque o cenário muda. O cenário de hoje não é igual ao de 18 anos, o cenário do ano que vem não é igual ao deste ano. A gente entende que o debate tem que ser forte, com a participação da sociedade civil.

Em que pé está a Estação da Cultura Itamar Franco, onde estará a sala de concerto da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais?

Esse é um grande orgulho nosso. É um dos maiores investimentos em infraestrutura dos últimos 40 anos. Seu tamanho só é comparável ao Palácio das Artes. É um projeto muito importante porque descentraliza a cultura dentro da cidade, pois cria um outro núcleo dentro da cidade relacionado à cultura (a construção está sendo feita no Barro Preto, próximo ao hospital Vera Cruz), e insere Minas Gerais no circuito internacional das orquestras. Hoje, por mais teatros que tenhamos, é muito difícil encontrar datas. Quando a Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo) vem a Belo Horizonte, ela tem que se apresentar um único dia, porque a gente não consegue data.

A agenda do Palácio das Artes é fechada com um ano de antecedência...

Exatamente. Mesmo que a gente esteja deixando algumas coisas para serem definidas na próxima gestão, os primeiros seis meses do ano já estão resolvidos. A nova gestão precisa de um tempo para se estruturar e se não planejássemos, íamos parar o mercado. E a gente deixa uma agenda proposta para o segundo semestre, para uma avaliação da nova gestão.

Mas essa sala tem uma importância extraordinária, porque permite que a Filarmônica possa ter mais ofertas de programação, como a sala também poderá receber outras orquestras e ter uma programação de música sinfônica ao longo do ano inteiro. Ao mesmo tempo, é um espaço de ensaio para a Filarmônica.

Lá ainda tem o prédio que vai abrigar a Rede Minas e a Rádio Inconfidência. Pela primeira vez, as duas instituições vão receber um prédio feito com a finalidade de receber uma televisão e uma rádio. Então, foi pensada a funcionalidade inteira de estúdios, tecnologia, transporte...

E permite que as duas possam trabalhar de forma integrada.

É um sonho antigo ver as duas empresas trabalharem de forma mais integrada. A Estação Itamar Franco terá além dos dois prédios, uma grande esplanada, com um auditório externo. Ainda tem uma casinha antiga que vai abrigar lojinha, restaurantes e outras ações. A sala de concertos fica pronta este ano e a programação da Filarmônica começa em março do ano que vem. Está em processo de finalização, de afinação da sala com o corpo artístico. A sala conta com uma tecnologia que se vê em pouquíssimas salas de concerto do mundo. E o prédio da Rede Minas e Rádio Inconfidência fica pronto em janeiro, com a mudança prevista para abril. A previsão de construção era de três anos e meio e estamos entregando dentro do prazo.

O Circuito Cultural Praça da Liberdade foi um grande sucesso na Copa do Mundo. Não é a hora de o Estado investir em uma maior propaganda sobre como Minas é rico em cultura? Trabalhar a cultura mais integrada ao turismo?

Essa foi uma meta que recebeu muita ênfase na gestão do governador Anastasia. Dentro da estrutura do Estado existe uma Rede de Identidade Mineira e lá dentro estamos com ações conjuntas (entre as secretarias de Cultura e Turismo). Temos alguns projetos que foram feitos em conjunto, como, por exemplo a Rota das Grutas, que envolve meio ambiente, turismo e cultura, por causa dos museus que estão lá dentro. Sobre o Circuito Cultural Praça da Liberdade, nós temos o Centro de Atendimento ao Visitante, que está provisoriamente no prédio verde, enquanto a Rainha da Sucata é finalizada. Ele irá funcionar como um portal de entrada, apresentando informações sobre o próprio circuito e toda parte relacionada a turismo em Minas.


Outro trabalho em conjunto foi o Guia das Artes, onde a gente mapeou Belo Horizonte em circuitos, partindo do pressuposto de que temos circuitos estruturados e claros. Como o Circuito Cultural Praça da Liberdade, o circuito do Centro, com o Sesc Palladium, Centro de Referência da Moda e o Maletta. Tem ainda o eixo Avenida Afonso Pena, com o Palácio das Artes e o Oi Futuro, e o circuito da Pampulha. Tem outro circuito que não fica exatamente em Belo Horizonte, que é o movimento artístico do Jardim Canadá, em Nova Lima. E tem a Praça da Estação, onde vamos colocar o Centro Técnico de Produção da Fundação Clóvis Salgado (ficará atrás da Serraria Souza Pinto).

O guia foi inspirado no Guia das Artes de Buenos Aires. Lá, se você quer ir a um bairro, você tem mapeado todas as instituições culturais da região. A gente teve que suspender a produção do guia por causa da lei eleitoral, então só fizemos para a Copa do Mundo. Mas vamos retomar a produção do guia.

Outra ação forte que tem tudo a ver com turismo é que a gente vai lançar, até o fim do ano, o site dos festivais de cultura de Minas. Todas as regiões de Minas têm festivais dos mais diferentes perfis e o portal vai permitir a busca por região, área de interesse, por período e o internauta vai poder cruzar os dados de acordo com seu interesse. Isso vai permitir que as pessoas possam conhecer novos festivais. Por enquanto, são 400 festivais cadastrados, mas sabemos que há muito mais.

Tem muitas ações integradas, mas concordo com você, há uma dificuldade da gestão pública, em todas as instâncias, em trabalhar de forma integrada e compreender que cultura deve ser pensada junto com educação e turismo.
 

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