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SÃO PAULO – Guillermo Arriaga corrige o apresentador ao pegar o microfone, dizendo não ser o roteirista de “Falando com os Deuses”, um dos destaques da 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que terminou sábado.
Esforçando-se para falar em português, avisa à plateia, no Reserva Cultural, que acumula nesse filme as funções de produtor e diretor, ao lado de outros oito nomes – entre eles o brasileiro Hector Babenco.
A confusão serve também para evidenciar a autonomia e o prestígio do mexicano na indústria de cinema, após ficar conhecido como o roteirista de Alejandro González Iñarritú em “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel”.
Encerrada a parceria, investiu na direção (“Vidas que se Cruzam”, com Charlize Theron), conduzindo ele próprio as suas narrativas não-lineares e personagens que se encontram por força do destino.
Como produtor, convidou diretores consagrados para assinar um projeto ambicioso: quatro longas sobre temas que “sempre provocam brigas”: sexo, política, religião e substâncias proibidas.
O primeiro a ser concluído reúne nove episódios que tratam de diversas religiões com o propósito de promover, segundo Arriaga, maior tolerância e respeito às preferências pessoais. “Como diz o título, a intenção do filme é provocar o diálogo”, assinala.
Os episódios têm a assinatura de nomes como espanhol Álex de la Iglesia (catolicismo), do sérvio Emir Kusturica (cristianismo ortodoxo), do japonês Hideo Nakata (budismo), do israelense Amos Gitai (judaísmo) e do iraniano Bahman Ghobadi (islamismo), além de Babenco (umbanda) e Arriaga (ateísmo).
PERDÃO
Arriaga não escolheu o tema por acaso. Observa que cresceu numa família sem religião e que hoje vê no ateu um humanista, “alguém que deseja acreditar na vida”. Em seu episódio, o dono do Céu está cansado e revela querer morrer, seguido por uma chuva de sangue. Um espectador salienta que a história é, paradoxalmente, a que mais enaltece o sagrado e o sublime.
Arriaga cita outros, como os episódios que sublinham a absolvição dos pecados, como os de Kusturica, protagonizado pelo diretor de “Underground”, e o de la Iglesia. Esse último, por sinal, é o único que trabalha com o humor, em que um assassino profissional se vê confundido com um padre e é levado por um taxista a dar a extrema-unção em seu pai. “Nesse encontro deles e com Deus, recebem o perdão”.
Na função de produtor, ele afirma que buscou dar equilíbrio e unidade ao filme, respeitando a vontade dos seus realizadores, que são “fortes e experientes”. Em sua definição, o trabalho de roteirista é muito solitário, “criando um mundo sem ter ninguém para ajudá-lo”.
Já dirigir e produzir significa “jogar com os jogadores que quiser, podendo ter no mesmo time um Messi, um Neymar ou um Ronaldo”.