Fanzines resistem às novas tecnologias, fazendo ecoar a música do Hanoi Hanoi

Hoje em Dia (*)
20/05/2015 às 08:28.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:07
 (Divulgação)

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A palavra fanzine remete a uma publicação feita em papel de xerox, no melhor estilo “faça você mesmo” – como na célebre música da banda Hanoi Hanoi. Mas que fique claro: ninguém precisa embarcar em uma máquina do tempo para ter um zine em mãos. Em BH, um giro pelos bares do Edifício Maletta já é suficiente para se guarnecer de alguns exemplares.

Mesmo com dezenas de plataformas de blogs gratuitas, redes sociais e todas as possibilidades da internet, há quem prefira ter todo o trabalho de recortar, desenhar, escrever, colar e construir um produto mais pessoal, artístico e tátil! É o caso do selo independente Coletivo ZiNas, formado por Aline Lemos, Ana Schirmer, Bianca, Carolina Cunha, Carol Rossetti, Day Lima, e Priscila Paes. “Nos conhecemos numa feira no Maletta no início de 2014. Foi legal porque sacamos que havia mais meninas fazendo zines. Um dia, topamos montar um coletivo para falar de coisas do universo feminino”, lembra Priscila.

As Zinas

As Zinas estão em sua segunda publicação e não se preocupam em criar um calendário de lançamentos. Mas o trabalho vem despertando atenção por tratar de assuntos cercados de tabus: o primeiro número, “Tranza”, se define como “um zine que combate o sexo heteronormativo”. Já o segundo trabalhou com o tema que migrou para o título, “Aborto”. E “foi o mais demorado”, “por ser um tema muito delicado”. “Ficamos pensando em como abordá-lo”, explica Priscila.

E a intenção seria provocar? Bem, só se a palavra “provocação” for entendida como uma forma de ampliar o debate. “Essa é a nossa principal intenção: provocar e informar”, esclarece Ana Schirmer. “Escolhemos temas que achamos relevantes como mulheres, artistas, feministas – que é a pegada do coletivo”, completa Aline Lemos.

A venda das publicações não se restringe a bares: as fanzineiras também participam de festivais, inclusive em outras cidades, como São Paulo. Por retratarem temas polêmicos, sem se constranger pela nudez nas páginas, as ZiNas já passaram por situações complicadas. “A questão da agressividade, infelizmente, também faz parte do rolê. Algumas pessoas não sabem lidar com o diferente e acabam respondendo de maneira agressiva”, lamenta Carolina Cunha, a Carolita, que já chegou a ser ameaçada por um rapaz com uma garrafa de cerveja. “Mas é a minoria: ufa!”, emenda. Tanto que a novata do grupo, Aline Lemos, nunca passou por nenhuma situação de constrangimento. “Pelo contrário! Temos uma resposta muito positiva e carinhosa das pessoas”, comemora.

A Zica

Além das publicações coletivas, cada uma delas tem seu projeto solo, onde apresentam trabalhos mais elaborados, com direito ao uso de técnicas como serigrafia, recorte, etc. Carol Rossetti, por exemplo, lançará, pela Editora Sextante, um livro de ilustrações concebido a partir do seu “Projeto Mulheres”, que surgiu de forma espontânea, apenas para que pudesse praticar sua técnica com lápis de cor e passar uma mensagem boa para os amigos que já a acompanhavam, como explica em seu site. Já Aline Lemos e Carolita contribuíram com a recém lançada Revista A Zica.

A publicação se define como um fanzine temático anual, chancelado pelo selo independente Urubois. Em sua quarta edição, A Zica optou pelos temas funk, dinossauro e Rússia.

Todas integrantes mantêm páginas no Facebook, onde é possível acompanhar os projetos e até comprar os produtos.

 

HISTÓRIAS – “Já jogaram açaí em mim, a camisa era branquinha. Mas pensei: ‘é só uma cor nova’, e segui meu dia”, diz Matheus (Foto: Divulgação)

 

‘Deu certo um dia, no outro também...’, lembra Vagabundo

Produzir fanzines pode ser uma forma de se expressa – mas também de complementar a renda. Entre as meninas do coletivo, Carolita é a única que vive, hoje, essencialmente da venda de fanzines, embora hoje também se dedique à cerâmica. Graduada pela Guignard, a artista, 29 anos, criou Kaka Kú e Fudivaldo, que muitas vezes dividem histórias (Kaka ganha traços diferentes a cada quadrinho).

Com um traço mais masculino, como ela reconhece, e sempre em P &B, seus fanzines ilustram histórias bizarras. Leitores mais puristas ganharam uma série em que a autora satiriza suas reações. Em “Sugestões de leitores sensíveis”, Carolita incorpora situações adversas pelas quais passou. Em uma delas, um personagem masculino rejeita o seu trabalho, justificando que é muito pesado, um deleite para o humor ácido da criadora, que responde com um irônico “diminuirei na gramatura das folhas”. Em outro, a ilustração é de uma senhora mal humorada que pergunta se a autora não trabalha com temas “normais”. A resposta vem com uma provocação: “Você prefere fanzines com desgraças sobre seus vizinhos?”.

Vagabundo Iluminado

Os zines surgiram quando ela decidiu desengavetar desenhos. “Resolvi imprimi-los, fiz capa e fui vender por R$ 5 e um abraço”. De lá para cá, expôs em festivais e estima ter vendido cerca de quatro mil exemplares, incluindo os das ZiNas. E ficou viciada em abraços.

Matheus Garcia, 25, também se sustenta com fanzines, incluindo livretos de poesias. Aliás, Matheus nem é mais Matheus, e sim Vagabundo Iluminado. Explica-se: em 2012, o jovem de classe média não via sentido em seu trabalho ou no curso de engenharia ambiental que seguia. No Carnaval, foi para a Bahia. Ao regressar, decidiu desistir da faculdade. Do trabalho, foi demitido. Foi quando ouviu o que era para ser uma ofensa: “vagabundo!”. De imediato, refletiu: “pô, posso até ser, mas sou iluminado de não querer isso (trabalho só pelo salário)”.

Despretensioso

“Vagabundo” começou a frequentar os saraus no final de 2011. A vender poesia na rua, em 2013. Passou um tempo vivendo de seguro desemprego, da grana que tinha guardado e de bicos – chegou a aprender malabarismo e artesanato, mas não se sentia plenamente contemplado.

Conversando com um poeta nômade, veio a ideia de criar um fanzine. “Foi despretensioso. Tipo: ‘vamos ver o que é que dá’. E deu certo em um dia, no outro... e agora já tô há dois anos e cinco meses”. Nesse período, o moço passou por vários estados. Entre copos de cerveja, recorda situações como quando passou por uma abordagem policial. O agente acabou comprando um fanzine.

O conteúdo de “Dualidade”, de Matheus, foi publicado de trás para frente. Em um trecho, lê-se: “quem respeita cerca é gado, homem pensante é transgressor”. “Acredito que o poeta que não faz provocações, não transgride, não é marginal, mas um poeta sem editora”, categoriza

(*)Colaborou Alex de Bessas/Especial para o Hoje em Dia

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