Filha de Elizabeth Bishop visita Ouro Preto após 40 anos

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
15/02/2014 às 16:30.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:02
 (Sônia Costa/Hoje em Dia)

(Sônia Costa/Hoje em Dia)

“Conforme fui entrando, senti uma energia muito boa. Confortável. Devo ter sido muito feliz ali”, relata a estilista Mônica Stearns Morse, em visita à “Casa Mariana”, em Ouro Preto, no último fim de semana. O casarão histórica pertenceu a uma de suas três “mães”, Elizabeth Bishop (1911-1979), uma das maiores poetizas da língua inglesa, radicada no Brasil a partir de 1951, e em Ouro Preto, entre 1968 e 1974.
 
Em depoimento exclusivo ao Hoje em Dia, recém-chegada da viagem, Mônica conta que foi até a cidade anonimamente para reconstruir parte de seu passado. Estas lembranças serão relatadas em sua autobiografia, ilustrada com dezenas de imagens inéditas da família.
 
A previsão de lançamento do livro é para 16 de março de 2015, aniversário da outra mãe dela, a urbanista e paisagista brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967), com quem Elizabeth, durante cerca de dez anos, formou um triângulo amoroso completado pela companheira de Lota, a bailarina Mary Morse (1920-2002). Porém, a morte dramática da urbanista, após ingestão de medicamentos antidepressivos, separou a família definitivamente.
 
A história tão íntima de Mônica e de sua incomum mas amorosa formação familiar veio a público no ano passado, com o lançamento do filme “Flores Raras”, do cineasta Bruno Barreto.

Depois do rebuliço com o longa, a herdeira se vê na necessidade de contar a sua versão dos fatos. “Sabia que viria à tona (a história pessoal), mas não com tanto impacto”, diz.
 
Aos 53 anos, Mônica mostra uma alegria de viver de 20 e aparência de 40. Mãe de dois filhos, de 22 e 19 anos, e egressa de um casamento de mais de duas décadas, ela diz estar “recomeçando a vida” na bucólica Itaipava, na região serrana do Rio de Janeiro.
 
A partir da casa em Ouro Preto, visitada juntamente com amigos, Mônica quer dar um dos primeiros passos rumo aos novos tempos. “No domingo, na casa, chorei pelo que aconteceu. Mas é preciso tocar o barco. É isso que elas queriam de mim”, deduz.
 
Adoção emociona e gera esperança
 
Mesmo com a intrigante relação amorosa entre as três intelectuais – Lota-Bishop-Mary – em meados do século passado, Mônica Morse diz que, hoje, o que mais lhe perguntam é sobre o sucesso da adoção da qual foi protagonista. “As pessoas ficam emocionadíssimas. Querem saber como a adoção deu certo e por que deu certo”, aponta.
 
Mônica explica que sempre teve dosagens de amor e de educação “muito pesadas”. “Sem querer ser arrogante, acredito também que fui um ser que elas queriam”. “Nunca tinha conhecido um bebê que realmente me desse vontade de pegar para criar. Nunca vi tanta felicidade a troco de tão pouco”, escreveu a poetisa norte-americana, em carta. “Vejo que fui uma criança fácil de lidar, sorridente e que trazia felicidade para elas”, concorda Mônica. Hoje, ela exerce a presidência do Conselho de Administração do Instituto Lotta de Cultura e Arte-Educação, no Rio de Janeiro.
 
Mônica diz que teve três mães. “Quatro com a biológica, que não conheci e não sei quem é”, diz. Em 1960, Mônica chegou na família. No filme de Bruno Barreto, ela está sob o pseudônimo de “Clara”.
Cuidado
 
Em pleno século 21, ainda é polêmica a adoção de crianças por casais homossexuais estabilizados. Imagine isso em meados do século passado. A pequena Mônica, viveu, em Petrópolis, até os sete anos, numa casa com a “mãe”, Mary, ao lado de uma casa principal, onde moravam Lota, “a avó” e Bishop, “a tia” – alcunhas que elas organizaram.
 
Mônica mostra que foi preservada a respeito do triângulo amoroso. Ela diz que entendeu a peculiaridade que elas viviam na adolescência, mas sem traumas. Mais tarde, Mary adotou outras três meninas, porém, diz a filha, ela nunca gostou de falar do passado.
 
Com a morte de Lota, Mary distancia-se de Bishop e Mônica não vê mais a “tia”. A poetiza envia cartas e presentes para a criança, mas nada chega às mãos dela. Porém, tudo isso é perfeitamente perdoável e passível de entendimento. “São três pessoas que eu amo muito. Pessoas excelentes, boníssimas”, frisa.
 
Além de Ouro Preto, para a feitura do livro Mônica planeja ir também à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Ali, Elizabeth Bishop lecionou entre temporadas no Rio de Janeiro e em Minas. A instituição guarda o acervo da escritora
 
Prosa de escritora é relançada neste mês

 
A produção literária em prosa de Elizabeth Bishop está sendo relançada pela Companhia das Letras, neste mês, com tradução do poeta Paulo Henriques Britto.

A edição inclui a maioria dos textos publicados em “Esforços do Afeto e Outras Histórias” (Companhia das Letras, 1996). O livro traz ainda artigos que falam do Brasil, além de correspondências e artigos da autora quando era estudante universitária.
 
Principal tradutor de Bishop no Brasil, Britto acompanhou a admiração e polemização em torno do nome da escritora no último ano. “A grande imprensa sempre se interessa mais pelo escritor do que pela escrita, e no caso de Bishop, por ela ter morado no Brasil, ter sido lésbica, ter conhecido Lacerda (Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, hoje, Rio de Janeiro) não poderia ser diferente”, avalia.
 
Porém, Britto se mostra esperançoso: “Se de cada 50 pessoas que leram as matérias e viram o filme, ao menos uma ler os poemas, está mais do que bom. É uma excelente poeta”.
 
Bishop na UFMG
 
Entre as dezenas de oficinas do 8º Festival de Verão da UFMG, o encontro “Os Sonhos de que Temos a Linguagem” propõe a seleção e tradução de poemas das escritoras norte-americanas Elizabeth Bishop e Emily Dickinson e, que têm como temática o sonho e o incomum.
Inscrições a partir do dia 17 no www.cursoseeventos.ufmg.br/CAE. O Festival, todo gratuito, acontece de 28 de fevereiro a 4 de março no Centro Cultural UFMG (av. Santos Dumont, 174).

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