Filme acompanha intelectual que se reinventou aos 80 anos como ator

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
02/09/2018 às 21:21.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:15
 (ESPAÇO FILMES/DIVULGAÇÃO)

(ESPAÇO FILMES/DIVULGAÇÃO)

Embora algumas passagens da trajetória de Jean-Claude Bernardet - um dos maiores teóricos do cinema brasileiro - estejam presentes em "A Destruição de Bernardet", em exibição no Cine Belas Artes, o documentário assinado por Claudia Priscilla e Pedro Marques se conecta com o personagem de hoje.

Pouco antes de completar 80 anos, Bernardet passou a dedicar à atuação em filmes independentes, dirigidos por nomes como Cristiano Burlan e o mineiro Kiko Goifman (marido de Priscilla e produtor do documentário). É esse Bernardet mais performático que se sobressai, dentro de um processo de reinvenção que desafia a ideia de velhice.

A palavra "destruição" ganha, neste sentido, um significado mais amplo, entendido figurativamente como a passagem de um Bernardet para outro, desconstruindo a figura do intelectual a partir de curiosas imagens em que a expressão formulada em vários livros de destaque é substituída pela expressão do corpo.

É muito significativo que a primeira sequência exiba a câmera perseguindo Bernardet de costas, caminhando num matagal. Uma voz off (do realizador Francisco César Filho) expõe a mudança do belga radicado no Brasil, chegando a dizer, em tom provocativo, que se trata de uma estratégia oportunista da parte dele.

Assim temos esse homem que não se alcança de forma convencional e que vira, a partir de agora, objeto de análise - um objeto que fazia parte de sua produção intelectual. Não se trata de uma mudança simplória, como o filme deixará claro, potencializando um discurso muito particular de Bernardet sobre corpos decadentes.

Soropositivo, convivendo constantemente com a noção de morte, fala em determinado momento que, se internado, não gostaria que sua vida fosse postergada artificialmente. Entra ali a ideia, compartilhada também no filme de ficção "Antes do Fim", de Burlan, do interesse da indústria farmacêutica na bio como forma de lucro.

Ele fala de um suicídio "assistido" e Goifman, durante uma entrevista, enxerga neste desejo uma espetacularização que é do próprio cinema. Estes termos vão se conectando (a decadência como ator, manifestada no início) , atrelados ainda a um cartomante que avisa que ele está num momento de despedida de "alguém que já se foi".

Assim fica muito claro que o objetivo de "A Destruição de Bernardet" é apresentar essa nova pessoa,  que, não por acaso, dança livremente em dois filmes ("Pingo d'Água" e "Antes do Fim"), e admite, numa conversa com Burlan, a vida diferente que atuação passa a lhe oferecer - "uma longevidade criativa", assinala.

Entender esse momento faz parte do jogo que o documentário exige, em que ele é mostrado comendo uma borboleta, tirando um dente da boca e fazendo exames radiológicos, para se chegar, perto do fim, à síntese deste pensamento: "um corpo idoso que encontra uma linguagem". E "A Destruição" é mais um filme a permitir esse ato de expressão.

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