Filme de Naomi Kawase discute as dificuldades da maternidade

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
09/05/2021 às 17:13.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:53
 (CALIFORNIA FILMES/DIVULGAÇÃO)

(CALIFORNIA FILMES/DIVULGAÇÃO)

À certa altura de “Mães de Verdade”, um dos destaques entre as estreias desta quinta nos cinemas e nas plataformas digitais, um garoto chamado Asato aponta para o mar que banha a sua cidade. Ele sabe que a mãe dele não é a biológica – esta mora em Hiroshima, que também está localizada na parte litorânea do Japão. Ele observa que, apesar de distantes, os lugares estão conectados pelo mesmo mar.

A cena é muito ilustrativa da proposta do filme de Naomi Kawase, que não é muito diferente dos trabalhos anteriores da cineasta. A histórias emanam um ser humano solitário e reverenciam a necessidade de se estabelecer conexão com outras pessoas. Em “Mães de Verdade”, esta ligação se dá entre as duas mães de Asato, construída de uma maneira muito particular por Naomi.

Elas têm apenas três cenas em que estão juntas num filme de pouco mais de duas horas. A trama conta a história delas como se dividisse a narrativa ao meio. Primeiramente somos apresentados ao drama de Satako, que não pode ter um filho devido à infertilidade do marido. A opção pela adoção vem na forma de flashbacks, após Asato ser acusado de ter empurrado propositadamente um colega de escola.

Neste ponto, “Mães de Verdade” se aloja num subgênero dos filmes de horror, lançando dúvidas sobre os genes do menino. Recebedor de tanto amor em casa, por que ele estaria mostrando um certo lado perverso? Essa “sombra” ganha maior projeção quando uma estranha mulher surge dizendo ser a mãe de Asato, ameaçando contar a ele sobre a sua verdadeira origem.

É assim que passamos para a outra metade, com a narrativa se ocupando de Hikari, uma adolescente que, na primeira relação sexual com o namorado, se engravida. A condução  poética e fantasiosa da parte anterior ganha uma abordagem mais dolorosa e social, em que vemos uma personagem completamente sozinha, psicologicamente abalada após ter que se desfazer do filho recém-nascido.

As conexões vão se construindo lentamente. Em especial a idealizadora do centro de doações, que surge como uma terceira mãe, ajudando a estabelecer uma dubiedade no título do filme. O que seriam estas mães (no plural) de verdade? Essa talvez seja a grande mensagem que o longa busque passar, sobre a ideia de unicidade.

A trama poderia ser contada facilmente de uma maneira linear, começando por Hikari e passando por Satako, mas os efeitos sobre o público não seriam os mesmos, entre uma mulher de classe alta que parece ter o controle das coisas e uma garota que se despedaça inteiramente nos solavancos que a vida lhe dá. Apesar destes universos distintos, Naomi evita o clichê fácil da questão socioeconômica.

O extremo controle do casal sinaliza para uma sociedade de códigos rígidos, em que a adoção ainda é vista como tabu. Não por acaso, antes de aceitarem este expediente, o marido diz que compreenderia se a opção de Satako fosse o divórcio. O mundo muito branco deles aponta para uma grande prisão envolvida em regras de toda ordem – e nada mais excruciante para ela do que a possibilidade de ter um filho malvado.

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