(LUME/DIVULGAÇÃO)
Os filmes da produtora Alumbramento estabelecem um acesso menos direto do espectador às suas histórias, o que não quer dizer que sejam obras impenetráveis. Muitos dos longas do coletivo cearense têm portas de entrada alternativas, mais ligadas à simbologia e à atmosfera, que entrelaçam temas universais a questões muito particulares. É o caso de “O Último Trago”, que estreia nos cinemas de Belo Horizonte nas próximas semanas. Somente ao final do longa-metragem, dirigido por Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes, temos uma noção mais definitiva sobre o que se quer discutir – assassinatos de motivação xenófoba, contra mulheres, ocorridos ao longo da história no estado. O tema é bastante atual, embora “O Último Trago” tenha ficado pronto em 2016. Curiosamente, o atraso no lançamento fez bem à obra da Alumbramento. Antes de dar esse recado contundente, por meio da reiteração da ideia de que os vivos estão inertes, enquanto os mortos querem um acerto de contas, o filme percorre caminhos mais metafóricos e elípticos a partir de representações bastante comuns à história do cinema, como as referências ao western e ao terror, presentes fundamentalmente na fotografia de Ivo Lopes Araújo.
Os planos muito abertos de lugares quase desérticos, em que se destaca a geografia, simbólica da solidão do homem e da ocupação das terras, trazem o peso histórico de uma época sem lei. Essa evocação violenta, nos repassada apenas em sensações, é confirmada no desfecho, que oferece a explicação histórica de um passado de homicídios reais, devido à religião e ao gênero, ligados a indígenas e negros. FantasmasOs fatos começam a se clarear quando a trama se concentra num bar de beira de estrada, frequentado por pessoas estranhas que ganham um acento fantasmagórico, próprias dos filmes de terror. A fotografia aumenta o contraste, com os personagens geralmente mostrados à penumbra. O vermelho-fogo também tem destaque antes de sabermos para onde a trama aponta: uma história sobre espíritos que tentam se comunicar com os vivos – especialmente mulheres. A mensagem de “O Último Trago” fica ainda mais forte depois do assassinato, no início de 2018, da vereadora carioca Marielle Franco, feminista e defensora dos direitos dos negros e de grupos LGBTQ+, apontando para uma história manchada por sangue que vem desde o Brasil colonial.