Filme registra os últimos 37 dias de Tancredo Neves

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
03/09/2018 às 18:50.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:16
 (DOWNTOWN FILMES/DIVULGAÇÃO)

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Um dos mais importantes atores do cinema brasileiro, tendo trabalhado em filmes históricos para nossa sétima arte como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “São Bernardo”, Othon Bastos cita um acontecimento particular para exemplificar como a tragédia vivida por Tancredo Neves – que não tomou posse como presidente da República em 1985, devido a um diagnóstico de apendicite – pode se interpor a grandes projetos de vida e mudar rumos que pareciam muito bem delineados.  Em 1977, ele foi ao último dia da peça “Hamlet” para prestigiar o amigo Walmor Chagas. No camarim, ficou sabendo que o ator seguiria para a Bahia, para fazer um dos personagens principais do filme “A Queda”, de Ruy Guerra. “Desejei-lhe felicidade, mas dias depois o Paulo José, que era produtor do filme, me bate à porta, desesperado, para substituir o Walmor, que estava com hepatite”, recorda. Guardadas as devidas proporções, tal episódio inspira Bastos a falar de seu novo desafio nas telas, já que, no caso do protagonista do filme “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, dirigido por Sergio Rezende e que entrará em cartaz no próximo dia 13, ele observa que a insistência do político mineiro para não ser internado na véspera da posse nada tinha a ver com o ego. “Ele pensava numa coisa: a pátria. Precisava pegar a faixa para garantir a democracia, mais uma vez frágil diante dos acontecimentos”. Ser humanoNa pele de Tancredo, Bastos diz que não procurou fazer uma construção fiel. Mais do que o Tancredo “político”, interessava a ele o Tancredo “ser humano”. Apesar de assimilar alguns trejeitos (as mãos do bolso, com os polegares para fora), o ator se agarrou a dor física e emocional do personagem. “É um ser humano que sofreu desesperadamente, que lutou o quanto pôde, pensando no Brasil”, registra. No dia do anúncio da morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985, Bastos lembra que estava num set de filmagem e, como toda a população, ficou estarrecido diante da TV. “Foi um momento de lástima, de grande tristeza por ele, pela pátria e pelo Brasil, num momento em que um civil estava voltando ao poder. O país parou. Os teatros estavam vazios porque todo mundo queria ver o último momento dele”, rememora. Thriller médicoDiretor de filmes históricos e políticos, como “O Homem da Capa Preta” (1985), “Lamarca” (1994), “Guerra dos Canudos” (1997), “Mauá – O Imperador e o Rei” (1999) e “Zuzu Angel” (2006), Rezende concebeu um <CF36>thriller</CF> médico, passado durante os 37 dias que o político, na época com 75 anos, ficou internado. “Tem a questão do erro, do poder, da família... Cada um pode ver essa história por um ângulo diferente”, analisa Bastos. No elenco, Esther Góes vive a esposa Risoleta. Otávio Müller, Paulo Betti, Emiliano Queirós e Leonardo Medeiros são os médicos que vão se rivalizar e levar o presidente a sete cirurgias. Antonio Britto, assessor de comunicação que dá a notícia da morte de Tancredo, é interpretado por Emílio Dantas. “O personagem de Emílio sintetiza tudo, ao dizer que está mentindo pela mentira dos outros”, destaca Bastos.  DOWNTOWN FILMES/DIVULGAÇÃO / N/A

  Para Sergio Rezende, Tancredo foi ‘joguete nas mãos de médicos’ O que o motivou a realizar um filme sobre Tancredo Neves neste momento conturbado da política brasileira?Aí que está: não é um filme sobre Tancredo. Não é sobre política. A ideia me chegou após ler o livro de Luís Mir, que tem o mesmo título do filme. O Luís é um jornalista e médico de São Paulo e, para escrever o livro, teve acesso a todos os documentos oficiais desde a internação de Tancredo no Hospital Base de Brasília. Ele fez um relato do sofrimento do Tancredo até a sua morte. “O Paciente” é centrado nesta fatia. Por isso não digo que é uma biografia, pois parte do momento em que, três dias antes da posse, ele foi diagnosticado com suspeita de apendicite, sendo internado oito horas antes de poder receber a faixa presidencial. E como você define o filme?Acho que é um drama, sobre uma tragédia humana e, ao mesmo tempo, sobre uma tragédia nacional. A gente procurou nos apegar a esse lado humano. Lembro de uma edição dos Jogos Olímpicos em que uma corredora de maratona, depois de percorrer 42 quilômetros na frente, entrou no estádio sob os aplausos de 100 mil pessoas e, perto da fita de chegada, ela fraqueja e cai. É uma metáfora para o que aconteceu com Tancredo, um cara que estava quase lá, tendo costurado todo o processo democrático, sacrificando a própria saúde pelo projeto político. E não deu. Tem uma frase de um dos médicos que é a síntese do filme: “Não adianta salvar o presidente e matar o paciente”.Tancredo foi ministro de (Getúlio) Vargas e estava na sala ao lado quando este deu um tiro no coração. Aquilo foi um gesto político, de sacrifício pessoal por causa da política, estando certo ou errado. Tancredo também colocou em risco a sua vida – poderia ter ido ao médico antes – em nome da causa política. Ele pede para lhe darem oito horas, mas não teve esse tempo. Uma das primeiras cenas de “O Paciente” exibe uma conversa entre Tancredo Neves e o médico particular Renault, que lamenta o fato de ele ter preferido viajar para a Europa para estreitar relações internacionais do que se consultar para saber a causa das dores que vinha sentindo.É fato. Meio secretamente ele se tratava com um farmacêutico de São João (del Rei), que lhe dava antibióticos. O (Paulo) Maluf ficou sabendo e, durante a votação indireta para presidente, distribuiu um panfleto dizendo que Tancredo estava doente. Outro fato é que ele foi diagnosticado erradamente. Poderia ter tomado posse e feito o procedimento em seguida. Foi uma sucessão de erros que viraram uma bola de neve. Lançar o filme às vésperas da eleição presidencial serve para quebrar um pouco essa falta de encanto em torno dos candidatos?Achei ótimo (ser lançado agora). É muito bom para se criar uma conversa sobre o Brasil, sobre um processo importante da vida brasileira. O filme não é uma aula. Não sou professor. É a oportunidade de falar o que Tancredo representava, como esperança, de que dias melhores virão. No filme, a gente mostra o (cantor) Cazuza no Rock in Rio, falando da importância daquele dia (da votação no Congresso), que iria acontecer uma coisa nova. Para o dia nascer feliz – esse era o sentimento geral no Brasil. Espero que essa descrença na política, que é uma coisa terrível, se reverta. Não podemos abrir mão de construir um país melhor. O filme ratifica que houve erro médico, mas isenta um pouco o doutor Pinheiro, responsável pela primeira cirurgia, já que estava sob pressão, com vários políticos dentro da sala do UTI.Isso foi inacreditável. Se não fosse algo comprovado, diriam que inventamos isso. Sem falar que o doutor Pinotti deixou o homem aberto por uma hora, à espera de um fio (para sutura). Parece coisa de ficção. A questão do erro médico é pública, mas não acho que erraram com intenção. O problema é que, se eu erro, faço um filme ruim; se um piloto erra, mata dezenas de pessoas; se um médico erra, mata o paciente.... Outro equívoco foi a briga entre os médicos do Hospital de Base e os que vieram de São Paulo. Como o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e de São Paulo atestam, houve mesmo esse conflito... Sou de família mineira e um tio de Andrelândia dizia que quem tinha mais de um médico tinha a medicina contra si. Tancredo foi um joguete nas mãos dos médicos, piorando cada vez mais devido à arrogância deles. Em determinado momento, Tancredo sai de cena para dar lugar a essa disputa, apesar de o presidente ainda estar no centro do filme.Isso mesmo! A trama é dos médicos, mas o drama é do Tancredo. Procurei fazer um filme como um thriller médico, de hospital. Hoje (terça passada) estava falando para alunos de uma escola do Rio e eles falaram que entraram no cinema sabendo que o Tancredo iria morrer e, no entanto, estavam torcendo para que ele não morresse. Num país sem muitos heróis, o filme ajuda a mitificar Tancredo como símbolo da democracia.Ele é o El Cid brasileiro. Um guerreiro que sai para vencer uma batalha já morto. Se você olhar para as imagens reais do cortejo de Tancredo e perceber a cara das pessoas, entenderá perfeitamente o que ele representava naquele momento. Ficamos mais de 20 anos sob a ditadura militar e estávamos voltando a ser um país democrático. Neste sentido, ele era um herói sim. A morte dele resultou numa comoção popular. 

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