Genialidade do nova-iorquino Basquiat em exposição no CCBB-BH

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
14/07/2018 às 06:00.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:24
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

“O que te detém não é quem você é, mas quem você acha que não é capaz de ser”, cravou Jean-Michel Basquiat (1960–1988). De fato, a frase diz muito sobre o artista norte-americano – que nunca se furtou a ser quem queria e chegar onde almejava, driblando percalços de um metiê elitista e veladamente racista. Trinta anos após sua morte, Basquiat segue como um dos pintores mais icônicos de sua geração, com obras cada vez mais valorizadas e disputadas por museus e galerias. 

Algumas delas chegam pela primeira a Belo Horizonte neste sábado (14), na exposição inédita que fica em cartaz até dia 24 de setembro, no CCBB. Gratuita, a mostra conta com 80 trabalhos – entre pinturas, desenhos e gravuras – que pertencem à família Mugrabi, dona das maiores coleções de Basquiat e de Andy Warhol, amigo e influência direta do pintor.Flávio Tavares

As obras dispostas na exposição revelam a mistura de linguagens característica do trabalho ímpar de Jean-Michel Basquiat, que mesclava texto e imagem, pintura e desenho, sempre com suportes curiosos e cores fortes

“Basquiat é, hoje, um artista muito valorizado. Em termos práticos, a exposição nos colocou algumas questões de logística bem interessantes, porque suas obras são bem grandes. Financeiramente, também foi um desafio, porque são obras com um valor enorme. Foi uma luta de dois anos para trazer a exposição ao Brasil”, conta o curador da montagem, Pieter Tjabbes, da Art Unlimited. Ele lembra que a mostra passou antes pelo CCBB de São Paulo, onde foi visitada por 282 mil pessoas.

“Espalhado”

Meteórica, a carreira de Basquiat encerrou-se precocemente quando ele morreu de overdose, aos 27 anos. “Sua obra é muito associativa. Ele não gostava de se explicar. Era como uma esponja que juntava tudo e devolvia. As obras são como seu cérebro aberto, espalhado”, coloca Tjabbes.

Desde o início, aos 16 anos – com a pichação SAMO, assinada junto a frases provocativas em Nova Iorque –, até o sucesso estrondoso, elementos se repetem nas obras. Alguns deles são o uso do texto e da imagem, a preferência por suportes alternativos, a ausência da profundidade, o gosto pela anatomia humana e as mensagens de protesto, principalmente contra o racismo. 

“Sua arte é como um bombardeio de pequenas informações, o que o aproxima muito dos jovens de hoje, que consomem tudo ao mesmo tempo, de forma desordenada. Talvez por isso sua obra esteja mais atual que nunca. Hoje, ela se conecta com o público de um jeito bem mais forte que há 30 anos”, sublinha. CCBB/DIVULGAÇÃO

A exposição “Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi” fica em cartaz até o dia 24 de setembro no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450). A entrada é gratuita e a visitação acontece de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h

Um artista genial envolto em mitos, excessos e preconceitos

Antes de começar a visita guiada com jornalistas, nessa sexta-feira, o curador Pieter Tjabbes fez uma confissão. “Basquiat passou de desconhecido a celebridade em muito pouco tempo. Aos 22 anos, já era um artista consagrado; aos 26, foi capa da revista do ‘New York Times’. Era um fenômeno e, como tal, muitos achavam que aquilo não era verdadeiro, que tratava-se de um movimento de comércio criado pelas galerias. Críticos achavam que as obras não tinham tanto valor artístico, que em poucos anos se esvaziariam. Eu era um deles”, diz. 

“O que aconteceu foi o contrário. Trinta anos depois da morte de Basquiat, sua fama só tem crescido. Gradualmente, cada vez mais curadores têm se convencido de seu valor artístico. Eu, que sou especialista em arte do século XVII, achava horrível. Me convenci, ao longo dos anos, e hoje sou um grande admirador”, admite, revelando que conheceu Basquiat em Paris, em 1985.CCBB/DIVULGAÇÃO


Acesso

Tjabbes chama a atenção para os mitos que envolvem a vida de Basquiat. “Muita gente diz que ele foi um jovem pobre, que viveu nas ruas e foi descoberto grafitando. Não é verdade. Ele era um garoto de classe média, que vivia no Brooklyn com os pais, que vieram de Porto Rico. O pai era contador e tinha uma coleção de discos de jazz; a mãe, interessada por cultura, o levava para conhecer museus desde pequeno. Nesse sentido, ele teve uma infância muito privilegiada”, conta. 

Outro mito é que Basquiat era grafiteiro. “Ele começou com a pichação SAMO, abreviação de Same Old Shit (A Mesma Merda de Sempre, na tradução livre), que fazia com o amigo Al Diaz. Diferente do grafite ou da pichação, ele não queria ser anônimo e marcar território, mas chegar ao meio cultural. Por isso, as frases pichadas, críticas e enigmáticas, eram sempre voltadas para o mercado da arte. Esses foram os únicos trabalhos na rua, e que ele próprio renegou, anos depois, dizendo que não passavam de brincadeira de adolescentes”. Flávio Tavares

O curador Pieter Tjabbes mostra as obras de Basquiat e conta um pouco da história do artista


Abusos

Outros traços marcantes da vida de Basquiat são os excessos e o preconceito racial. “Ele contou, numa entrevista, que era aclamado nas galerias, mas que, ao voltar para a casa, nenhum táxi parava para levá-lo, pelo fato de ser um jovem negro”, conta Tjabbes. “Basquiat tinha consciência de que era o único negro de sucesso no mercado da arte, naquela época. E muitas de suas obras trazem essa crítica”, completa.

Já o abuso de drogas, que tirou sua vida precocemente, acelerou-se com a fama e o dinheiro. “Quando, em 1987, o grande amigo Andy Warhol morre, Basquiat vai ao chão. Tanto que sua overdose, que já era tristemente prevista pelos amigos, acontece apenas um ano depois”, relembra. 

Veja galeria de fotos feitas durante visita guiada no CCBB-BH:

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