Helvécio Ratton: "Minas Gerais não teve política cultural"

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
15/12/2014 às 07:28.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:23
 (Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

(Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

Após filmar uma aventura de caça ao tesouro no interior de Minas Gerais, o cineasta Helvécio Ratton está às voltas com mais outro desafio. Lançar um longa-metragem, ainda mais de um gênero pouco tradicional no Brasil, que é o infantojuvenil, virou quase uma guerra, tendo como principais inimigos as superproduções de Hollywood. É nesse clima de correria e ansiedade, na sede da produtora no Cidade Jardim, que a reportagem do Hoje em Dia encontrou o diretor nascido em Divinópolis, responsável por obras como “O Menino Maluquinho” e “Batismo de Sangue”. A conversa não ficou limitada a “O Segredo dos Diamantes”, que chegará aos cinemas nessa quinta-feira. Outro tema que percorreu a entrevista foi a possibilidade de ser o futuro secretário de Cultura de Minas Gerais, logo descartada por ele. O que não o impediu de fazer uma avaliação sobre a situação do setor, carente de mais investimentos.


Na época da ditadura, você integrou o Comando da Libertação Nacional (Colina) ao lado de Fernando Pimentel, de quem se tornou muito amigo. Após participar da campanha política que elegeu o petista governador, como um dos diretores da propaganda na TV, você sente que já está na hora de retornar à política cultural?
Muitas pessoas vieram me falar isso. Na verdade, não fui convidado (para assumir a secretaria de Cultura), até porque eu não me coloco para isso. Não me vejo como um gestor cultural. Percebo que a maioria dos artistas que foram para essa área não deu muito certo, apenas transferindo a visibilidade de artista para o cargo. Foi assim com Gilberto Gil quando ministro da Cultura (no governo de Lula, de 2003 a 2008). Quem operava o ministério era o Juca Ferreira. Eu ajudo na produção dos meus filmes e na administração da produtora, ao lado da Simone (Mattos, esposa), mas o Estado exige outro aparato. Além de tudo, quero continuar com os meus projetos. Tenho uma admiração muito grande pelo Fernando e trabalhei na campanha. Também organizei encontros da classe com ele, mas não é o meu desejo.


Muitos realizadores mineiros gostariam que Minas Gerais repetisse o exemplo de Pernambuco, cujo governo investe recursos diretos no cinema (cerca de R$ 11,5 milhões), tornando-se uma das razões para os filmes daquele Estado serem os mais premiados dos últimos anos. Você é a favor desse mecanismo de apoio?
Sou a favor de um investimento mais significativo. Se compararmos com o Sul e Pernambuco, sem falar em São Paulo e Rio de Janeiro, o Estado é muito merrequinha com o nosso cinema. Mas o primeiro passo é ouvir a classe e esse foi o conceito do Fernando na campanha: ouvir as vozes de Minas. É ouvir para governar. A partir daí é que poderemos afinar a política cultural. O que sinto desses últimos anos é que não tivemos uma política cultural, especialmente no cinema. Ocorreram coisas absurdas, como a indicação de pessoas para a comissão julgadora do Filme em Minas virar uma espécie de eleição. A indicação de uma determinada pessoa por um grupo significaria que ele escolheria um determinado perfil de filme. A secretaria jamais deveria ter aceitado pressões desse tipo.


A Rede Minas também poderia ser um parceiro importante na produção de filmes?
A Rede Minas tem que passar por um processo de reestruturação, de redefinir que tipo de televisão quer fazer. E ter gente lá dentro com essa visão de TV. É importante discutir quais caminhos a TV pública deve seguir. Hoje ela está meio à deriva, produzindo apenas um terço do que vai ao ar. A maior parte da programação vem da Rede Brasil e da TV Cultura. Num aspecto mais amplo, temos que discutir a formação de quadros culturais. Na área da Cultura, tem muita coisa a se fazer. O Pimentel está herdando um Estado com economia de século 18, exportador de café e minério. É um Estado que vive de commodities. Se tirarem isso, a arrecadação cairá a zero. O desafio do próximo governo é ter renda para investir nas outras áreas. Na minha avaliação, a Cultura é a melhor forma de apresentar um Estado não só no Brasil como no mundo. Se você pensar no investimento que é feito em publicidade, que não é baixo, e usar uma parte dele para a Cultura como vitrine do Estado, alavancaríamos bastante o setor.


Você lançou filmes voltados para o grande público, mas, ao mesmo tempo, sempre adicionou temas muito pessoais, como a questão da falta de liberdade e a sua relação com Minas Gerais, visto com outros olhos desde quando retornou do exílio no Chile. São esses pilares que sustentam o seu desejo de fazer cinema?
Acho que todos eles têm uma coisa muito pessoal, em torno da minha visão de mundo. Já no meu primeiro filme, “Em Nome da Razão”, eu questionava esse poder do Estado em aprisionar uma pessoa, por achar que ela tem um problema psiquiátrico, e nunca mais tirá-la de lá. Isso sempre me mobilizou muito. É um tema que também está presente até em meus filmes infantis. Eu fiquei fora de Minas por oito anos e sinto que a minha ligação com a terra se firmou quando eu estava fora daqui. Lembro que, antes de sair, achava essa coisa de mineiridade um porre. Lá fora passei a ler Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, especialmente este, quando comecei a entender o que é o ser mineiro. Voltei reconciliado e já sem problema de ser chamado mineiro. Voltei em paz com as minhas raízes e gostando da cultura mineira. Foi muito gostoso exibir “O Mineiro e o Queijo” em outras cidades e fazer a plateia perceber que o mineiro não é só a coisa do chapéu de palha e do cigarrinho no canto da boca. É muito mais complexo. Percebi o quanto o nosso povo é mal representado nos meios de comunicação, mostrando personagens quase sempre meio bobocas. Como um Jeca Tatu esperto, mas de aparência boboca. E basta conhecer a nossa culinária para ver a complexidade da nossa alma.


Você lançará “O Segredo dos Diamantes” em meio a uma grande discussão sobre a tomada dos cinemas pelas produções americanas (“Jogos Vorazes” ocupou 1.400 salas no país). Qual será a estratégia para chamar a atenção para a sua obra?
Faremos um lançamento mais fechado, mas em lugares em que o filme possa permanecer em cartaz. Enfrentaremos uma competição extremamente desigual, apesar de sabermos que, dentro do que nos propomos, realizamos bem. É uma aventura que prende do início ao fim. O problema é que não temos tradição nesse gênero. Não quero que o vejam por ser um filme brasileiro ou por ser passado em Minas. Isso é ambientação. “O Segredo dos Diamantes” tem uma história universal, que poderia ser passada em qualquer lugar do mundo.  

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