Humberto Werneck lança compilado de crônicas em “Sonhos Rebobinados”

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
31/05/2014 às 10:04.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:49
 (Mario Moreira Leite)

(Mario Moreira Leite)

Humberto Werneck reconhece que “Sonhos Rebobinados”, livro que lança neste sábado (31), em Belo Horizonte (na Quixote Livraria e Café, a partir das 11 horas), tem, sim, uma picada meio memorialística, “própria e até inevitável no caso de quem está na janela há tanto tempo”. “Mas sem saudosismo, pelo amor de Deus”, estabelece.

“Ao contrário do que diz o famoso verso de Jorge Manrique, não acho que ‘qualquer tempo passado foi melhor’. De jeito nenhum. No geral, o que predomina nas minhas crônicas, e nem são tantas assim, são lembranças boas. Aqui e ali, nessas e em muitas outras, não hesitei em ficcionalizar histórias, situações e personagens. Afinal, crônica, como a concebo, sai no jornal, mas nada tem a ver com jornalismo. Como cronista, não tenho o menor compromisso com a objetividade e a impessoalidade, obrigatórias no jornalismo. Vou pela contramão, o modo de contar pesando muito mais que a coisa contada: estou no terreno da literatura”, frisa.

O jornalista e escritor, autor do já clássico “O Desatino da Rapaziada”, entre outros títulos não menos elogiados, não se furta a eleger alguns textos favoritos nesta nova iniciativa, que compila 54 crônicas originalmente publicadas – menos uma – no jornal “O Estado de S. Paulo”, onde o jornalista, cronista e biógrafo escreve semanalmente desde 2010. “Gosto, por exemplo, de ‘Meu Quixote’, em que falo de meu pai, Hugo Werneck. Ou de ‘Minha Vida com Sartre’ e ‘Nas Barbas da Multidão’, relatos bem-humorados sobre os contatos que tive com o filósofo (Jean-Paul Sartre) e com Fidel Castro. E de ‘Cemitério Virtual’, escrita quando me dei conta de que o camarada, depois de morto, pode ter vida eterna se ninguém o tirar do Facebook”.

Radicado em São Paulo já há muitos anos, Werneck conta que vem a Belo Horizonte sempre que pode – e com enorme gosto. “Não vou dizer mais uma vez que a cidade melhorou muito depois que eu saí, fez agora 44 anos. Em Belo Horizonte estão meus oito irmãos, os cunhados e cunhadas, a sobrinhada, além daqueles que são os meus amigos fundamentais, fincados lá no fundo da minha juventude”.

‘No caso do jornalismo, é preciso não separar o saber do sabor’

Humberto Werneck conta que se formou “na leitura de uma geração de ouro” da crônica brasileira: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino... “E do ainda mal conhecido Antônio Maria, Nelson Rodrigues, Drummond, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes, mais recentemente Otto Lara Resende, no início dos anos 90”.

Dos cronistas “de hoje”, gosta em especial do “mestre” Ivan Angelo. “Recomendo as ‘Melhores Crônicas’, que organizei, e ‘Certos Homens’. E gosto do Verissimo, do Eduardo de Almeida Reis, do jovem paranaense Luís Henrique Pellanda – o recente ‘Asa de Sereia’ é uma preciosidade! Do ainda mais jovem Antonio Prata e do catarinense Victor da Rosa”, enumera. Leia, a seguir, outros trechos da entrevista.

Como foi a transição da reportagem para a crônica?
Como jornalista, fui aos poucos enveredando por um texto cada vez mais pessoal, mais autoral, sem prejuízo da obrigação da busca da objetividade jornalística. Estou convencido de que o leitor quer a informação, mas também sentir que há alguém por detrás dela, não um robô. E não tenho dúvida de que ele gosta, sim, de ler – basta ver a espessura física dos best-sellers – desde que o autor consiga seduzi-lo para a leitura. No caso do jornalismo, acho que é preciso não separar o que até etimologicamente deve andar junto: o saber e o sabor. Seduzir para passar a informação. Sem ter religião, tenho uma padroeira, a Sheerazade, empenhada ao longo de 1001 noites em seduzir o sultão com o encantamento de seu relato, como forma de salvar a própria vida. Foi esse o caminho que, de forma não premeditada, me levou à crônica.

E o que é necessário para ser um bom cronista?
Prestar muita atenção, se abrir às aparentes miudezas para nelas tentar garimpar alguma relevância ou grandeza. É preciso, também, ter pegada leve – quer dizer: não importa o assunto, o cronista tem que dar ao leitor a impressão de que está escrevendo só para ele, de que está sentado a seu lado no meio fio. Crônica é uma boa conversa. Muito diferente do que se vê na maioria das colunas que hoje sustentam a imprensa. Ás vezes abro o jornal e me pergunto se não estou numa espécie de Acrópole. Muitas vezes me enriqueço na leitura de uma coluna, especializada ou não, mas não deixo de sentir que o colunista está num plano acima do meu, fala do alto de um caixotinho, não está a meu lado no meio fio, como o cronista genuíno.

Sente falta do batente da redação?
A esta altura da vida, não, até porque, parece ter acabado, em muitas delas, senão em todas, um riquíssimo mix de idades que permitia a jovens, mas também a veteranos, se enriquecerem numa troca em mão dupla. Além disso, pelo que vejo, já não existe nelas apenas o temor do chamado “passaralho”, quer dizer, a demissão, mas também isso que alguém batizou com muita graça de “ficaralho”: a sobrecarga de trabalho para quem ficou.

Como você gostaria que fosse a sua última crônica?
Nunca pensei nisso. E, pensando agora, não imagino uma crônica que seja um fecho, um arremate. Quero ser cronista até o fim – e, como pretendo dar trabalho à morte, pode ser que a última crônica seja algo que deixou um fiapo para algo a continuar numa semana seguinte que só não houve.  

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