Há 30 anos, Belo Horizonte perdia o tradicional Cine Metrópole

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
12/05/2013 às 12:50.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:36

O historiador Carlos Henrique Rangel recorre à palavra "derrota" ao se lembrar do fechamento de um dos mais imponentes cinemas de Minas Gerais, o Metrópole, que ligou seu projetor pela última vez há 30 anos, em 27 de maio de 1983.

Vítima da especulação imobiliária, como tantos outros cinemas de rua no país, a sala localizada nas ruas Goiás com Bahia, no centro de Belo Horizonte, representou um duro golpe entre os defensores do patrimônio histórico e cultural.

"Até então tínhamos vencidos todas, tombando o Parque Municipal e a Praça da Liberdade, entre outros", diz Rangel, que, em 1993, assinou, ao lado de Cristina Pereira Nunes, o único livro dedicado ao controverso tema: "Metrópole, a Trajetória de um Espaço Cultural", distribuído pela Secretaria Municipal de Cultura.

Amadurecimento

O longo, discutível e misterioso trâmite para impedir a demolição e venda do terreno, encerrado com um despacho do governador Tancredo Neves contrário ao tombamento do prédio do Metrópole, resultou no amadurecimento para a criação de uma política mais incisiva para o setor.

"Deixamos de ser tão ingênuos e passamos a embasar melhor os processos", diz Rangel. Ele destaca que o caso Metrópole contribuiu não só para a criação de um órgão de preservação em âmbito municipal, como também ajudou a engrossar as fileiras daqueles que se dedicam à preservação.

Muitos dos estudantes de arquitetura da UFMG que promoveram protestos direcionaram suas carreiras para a área. O único órgão dedicado à patrimônio, na época, era o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais(Iepha).

Trauma

"A instituição era formada por jovens, na geração de vinte e poucos anos, que se engajaram numa luta que era legítima, em defesa de um templo da sétima arte", recorda. A derrota, porém, provocou um trauma no Iepha.

"Estávamos trabalhando no tombamento do Cine Brasil e recolhemos, com medo de perder de novo. O processo só foi concluído nos anos 90, porque preferimos que a Prefeitura pedisse o tombamento primeiro", registra o historiador e pesquisador.

Tombamento provisório não foi respeitado

O Metrópole funcionou como cinema de 1942 a 1983. Antes, no local funcionava o Theatro Municipal, construído em 1906. O estilo eclético foi substituído, no final dos anos 30, pelo art déco a pedido do então prefeito Juscelino Kubitschek.

"Apesar da reforma, eles sentiram que era necessário algo maior. Já pensando na construção do Palácio das Artes no Parque Municipal, venderam o prédio para ser cinema", relata Rangel.

Em 1983, quando a Cinemas e Teatros de Minas Gerais anunciou a venda do cinema a um banco, o Iepha fez um tombamento provisório. "Os proprietários recorreram, contratando arquitetos que deram pareceres contrários, alegando que a arquitetura era pobre, o prédio novo e de interesse apenas local".

Comissão

Para se tornar definitivo, o tombamento precisava ganhar a forma de decreto assinado por Tancredo Neves, o que não aconteceu. Ele preferiu criar uma comissão especial formado por nomes da cultura, como os escritores Affonso Ávila e Murilo Rubião, o diretor teatral Jota Dangelo e a pintora Sara Ávila.

"O Affonso saiu da comissão alegando que a existência dela não tinha sentido e que seu único papel seria o de referendar o conselho do Iepha. Os que ficaram não chegavam a um consenso até que a presidente do Iepha, Suzy de Mello, soltou um parecer, dizendo que já não cabia mais a preservação depois que os proprietários haviam destruído internamente o prédio", detalha Rangel.

Resultado: a comissão seguiu o parecer de Suzy – que um mês depois se demitiu, alegando problemas de saúde – e Tancredo Neves deixou de tombar o prédio. "Hoje percebemos que seria viável, mesma para a época, a reconstrução interior do prédio", lamenta.

Nas escolas

O historiador registra que outra entrave foi o não envolvimento da população. "Você tem que trabalhar a questão do patrimônio histórico dentro das escolas. Tem que estar na ordem do dia de todos nós. Tombamento tinha que ser algo como o meio ambiente hoje é. A memória é tão importante quanto beber água ou ter um rio limpo".

Rangel alerta que preservar um prédio é como conservar a nossa sanidade enquanto humanos, enquanto ser que tem história. "A memória é uma questão de autoestima. Preservar suportes de sua memória é preservar a si mesmo. É igual fotografia. Por que guardamos aqueles papéis? Porque é um canal de lembrança", afirma.

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