Impulso de reclamar dá lugar a agradecimentos

Elemara Duarte - Hoje em Dia
07/11/2015 às 09:29.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:23
 (Hoje em Dia)

(Hoje em Dia)

Tragédias, crimes, corrupção, queda de valores, crise. Neste mundo, motivo para reclamar é que não falta. Mas será que há também motivos para resgatar a esperança e a gratidão? Para três entrevistados pelo Almanaque, sim. O mais curioso é que para estas pessoas, isso não significa que a crítica tenha que ser deixada de lado. Para eles, a indignação é apenas um impulso para a superação e da renovação.

Quase 40 anos após compor a música “Pare o Mundo que Eu Quero Descer”, o cantor e compositor Silvio Brito recorreu a este que é um de seus maiores sucessos para fazer outra canção: “Pare Esse Mundo de Novo, que Agora Eu Quero Subir”.

De reclamar, mas com um jeito satírico, este mineiro de Três Pontas entende bem. A música será lançada em BH, dia 27 deste mês, no Maria das Tranças (rua Estoril, 938), quando Brito apresenta o novo disco, “Rockaipira II”.

Na nova canção, parceria com Antonio Bahense, que também participa da produção do disco e do show, Brito descreve o mundo tecnológico atual em que o homem está nas mãos de robôs. “As pessoas estão ficando cada vez mais solitárias”, constata. Ok, Brito entende de reclamar, mas também compreende que é importante olhar para um futuro sendo transformado a partir das bases, como cita na nova música.

“Com educação, conhecimento de vida, estimulando o lado filosófico e a noção espiritual. E isso não é religião”, avisa. Brito diz que as crianças “estão aprendendo a técnica daquilo que vai dar dinheiro para elas”. E não a qualidade dos relacionamentos.

“Pare o Mundo Que Eu Quero Descer” surgiu após uma viagem em um ônibus, lembra ele, insuportavelmente lotado. Ele diz que ainda não era famoso. A canção, por sua vez, inspirou Raul Seixas e Paulo Coelho que fizeram a não menos inesquecível “Eu Também Vou Reclamar”, na qual citam o verso de Brito.

“A minha música saiu em compacto, em 1966. Era o tempo da repressão. Estava em um ônibus lotado e um nordestino gritou: ‘Pare este ônibus que eu quero descer!’ Ele falou de um jeito tão engraçado que tive a ideia”, lembra o músico, hoje, com 62 anos e 230 músicas gravadas, inclusive por artistas como Sivuca, Fábio Jr. e Tonico & Tinoco.

Brito lembra que foi proibido de cantar esta música, mas apenas na capital federal. “Começou uma fofoca de que eu tinha sido preso em Brasília, mas não era verdade”. A música, lembra, foi usada “sem autorização” pelo partido MDB, na época, para uma crítica política contra os militares. “Mas minha conotação era social. Sempre fui muito independente, não sou partidário”.

Verdade e justiça

Sobre a letra do “Maluco Beleza”, houve briga? Afinal, a letra chamava Brito de “chato”. O músico mineiro desmente: “Nunca brigamos. Fizemos turnê juntos para a marca de jeans USTop. A gente tirava sarro de tudo”.

Em relação aos tempos atuais, Brito diz que “muita coisa melhorou, mas muita coisa piorou”. Mesmo assim, alguma razão para um “obrigado”, Brito? Ele diz que tem voz para cantar o que acha que está errado, mas também para levar a “esperança”.

E isso o motiva. “Sucesso é uma coisa, mídia é outra, credibilidade para ser ouvido é outra. A maneira de satirizar faz com que a mensagem chegue muito rapidamente às pessoas, mas para provocá-las e inspirá-las a melhorar. Sempre há uma verdade e uma justiça se manifestando”, acredita o artista.

 

GRATIDÃO À VIDA – Camila diz que sua principal alegria é o filho, o fofíssimo Gustavo (Foto: Arquivo pessoal)

Não basta se queixar de tudo, é preciso buscar soluções

Para a psicóloga Camila Marques, ao reclamar, as pessoas procuram um alvo, que atualmente é “a crise”. Mas, como Brito, ela também acredita que as queixas – justificadas ou não – precisam vir com um algo mais.

“Têm que progredir para um pensamento mais construtivo. Precisamos reconhecer a nossa responsabilidade, mesmo que esta responsabilidade não seja apenas de uma pessoa só”. E explica: “Geralmente, quando há este tipo de queixa, se queixa de outra coisa que não é si mesmo”.

A situação é comum. Uma pessoa em um ponto de ônibus ou em uma rede social joga uma reclamação para o alto, alguém do lado – ou on-line – recebe a mensagem e emenda com outra queixa. Assim, a fila de dominós das queixas despenca em segundos.
“Problema, todo mundo tem – e sempre vai ter. Mas o problema é entrada para soluções e para o desenvolvimento”. Queixa pura e simples não vai fazer com que os problemas desapareçam. Vale lembrar que Camila mantém o blog sejavoceamudanca.com, no qual fala destas leves possibilidades na vida.

Doando gentilezas

Munida deste “pensar para frente” é que Camila participa de um evento já consagrado na capital mineira: a “Feira Grátis da Gratidão”, cuja próxima edição acontecerá no sábado, 14, na Praça Floriano Peixoto (Santa Efigênia), a partir das 13h.

A iniciativa, convém ressaltar, acontece em outras capitais também, e ainda inspira a doação de “gentilezas”. “Vou doar a minha escuta na ação ‘Vamos Sonhar Juntos’. Quero ouvir os sonhos das pessoas”, anuncia a psicóloga.
 
“É um momento para partilhar os objetivos e o que se quer da vida”, completa. Entre as demais doações haverá contação de histórias, massagens, dança e até abraços. Tudo grátis. E você tem motivos para tamanha gratidão à vida, Camila? “A possibilidade de vínculo com meu filho Gustavo de um ano, minha principal alegria”.

Na edição especial da feira, será celebrado o “Dia da Gentileza”. “Gratidão, mais que conceito, é atitude com recheio de gentilezas e amorosidade que (r)evolucionam nossa maneira de pensar e consumir”, diz Alcione Kolanscki, organizadora do evento em BH, no Facebook.

Reclamões hoje, brasileiros já foram tachados de passivos

“Zildo” agradece até pelo que recebe de ruim. “Feio, pobre e azarado”. Mesmo assim, “Graças a Deus!”. Ingenuidade demais? Conformismo? Passividade, talvez. No ponto contrário aos atuais reclamões, há alguns anos, nós, os brasileiros tínhamos fama de passivos, “gigante adormecido” diante dos dissabores político-sociais. O ator e comediante Guilherme Uzeda é criador do personagem nesta condição. Sucesso na programa “A Praça é Nossa”, Zild0 certamente, não quer parar o mundo para poder descer.

Guilherme, que também é psicólogo, detectou esta faceta dos brasileiros e diz que o personagem obsessivamente satisfeito foi criado em 2005. Segundo ele, hoje há alguns grupos que estão se levantando para derrubar a histórica passividade brasileira.

ZILDO, "O PODRE DE POBRE" - Com o bordão "Graças a Deus!", personagem faz sucesso na TV


Vai agradecer algo, Uzeda? “Agradeço à minha profissão, pois levo alegria para as pessoas”. O artista paulista também agradece pela possibilidade de viver de arte e ter reconhecimento, mesmo diante da competição com as chamadas “celebridades instantâneas”, que dominam o mercado.

Uzeda apresenta “Graças a Deus! A Comédia”, hoje, às 21h, e amanhã, às 19h, no Teatro Dom Silvério (av. Nossa Senhora do Carmo, 230). Nele, traz outros personagens que criou e conta com a participação especial de “Kayete” e “Lili, a minha mãe deixa!”. Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia).
 


Vídeos e trechos das letras
 

PARE O MUNDO QUE EU QUERO DESCER (música composta em 1966)
(Silvio Brito)

Pare o mundo
Que eu quero descer
Que eu não aguento mais
Esperar a hora de usar
Meu título de eleitor
Emborolado...
E ver no rosto das pessoas
A mesma expressão
De ascensorista de elevador
Mal remunerado...
Pare o mundo
Que eu quero descer
Que eu não aguento mais
Ouvir falar
Na crise da gasolina
Que já vai aumentar outra vez...
E pensar que a poluição
Contaminou até as lágrimas
E eu não consigo mais chorar
E ainda por cima...
Tem que pagar pra nascer
Tem que pagar pra viver
Tem que pagar pra morrer...(2x)
Tá tudo errado
Oh! Oh!
Tá tudo errado
Desorientado segue o mundo
E eu não posso mais
Ficar parado...

 


 

EU TAMBÉM VOU RECLAMAR (lançada em 1976)
(Raul Seixas/Paulo Coelho)

Ligo o rádio
E ouço um chato
Que me grita nos ouvidos
Pare o mundo
Que eu quero descer...

 

 



PARE ESSE MUNDO DE NOVO QUE AGORA EU QUERO SUBIR (2015)
(Silvio Brito/Antonio Bahense)

Pare esse mundo de novo que agora eu quero subir,
Porque pra baixo e pros lados já não da mais pra sair.
Muita coisa mudou pra melhor eu já sei,
Mas muita coisa também eu acho que tá bem pior...
Quando eu falava e brincava com essas coisas
Muitos me chamavam de maluco esse cara é doido,
O tempo foi passando e o que eu disse aconteceu,
Mesmo com a mordaça eu gritava esse filho é meu!!!
De que vale todo esse progresso genial,
Se quase sempre é usado para o mal.
Tudo é filmado, taxado, multado ou proibido,
Que eu já não sei onde andam mais minha privacidade,
O meu livre arbítrio e minha libido.
Se o sistema falhar não tem com quem falar,
Se até o controlador não é real, é filho de um transa sensual.
A impunidade a corrupção e a violência enrustidas
Nos atendimentos eletrônicos, automatizados e nas multimídias.
Foi tão bem feito o nó que se soltar é pior.
Pare esse mundo de novo que agora eu quero subir,
Pois só de baixo pra cima é que é que dá pra construir
Um mundo bem mais feliz pra você e pra mim...

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por